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CONSCIENTE E INCONSCIENTE - As contribuições da psicologia

      Para compreender a consciência, seus vínculos com a totalidade de nossas vivências e suas possibilidades de expansão, é igualmente importante entender outros fenômenos que, embora ocorram no interior de cada um de nós, escapam à nossa consciência. Esses fenômenos podem, no entanto, influir na maneira como percebemos as coisas e em nossas condutas.
      Você nunca sentiu que, às vezes, sua mente parece esconder uma parte de seu ser de outra parte de seu ser? É o que ocorre, por exemplo, quando você se recorda de repente de algo que lhe aconteceu na infância e que havia ficado esquecido durante todo esse tempo. Ou quando você chora sem saber por que, ou diz alguma coisa sem querer, ou faz algo que não sabe justificar.
      Pois bem, foi a partir da observação dessas e de outras condutas "estranhas" que se formularam algumas concepções importantes para a compreensão da mente e do ser humano e que marcaram profundamente a cultura ocidental contemporânea. Referimo-nos aos trabalhos de dois pilares dos estudos da mente e da alma humana: Freud e Jung.


Fred: inconsciente pessoal
    Na passagem do século XIX para o século XX, o médico neurologista austríaco Sigmund Freud (1856-1939) concebeu uma teoria da mente que revolucionou a história do pensamento em vários sentidos. Ele é o fundador da psicanálise.
      Para começar, Freud rejeitava a identificação entre consciência e psiquismo (isto é, o conjunto dos processos psicológicos), algo bastante comum. A maioria das pessoas tende a pensar que não existe nada mais em suas mentes além daquilo que sabe, seus pensamentos, imagens e recordações. Ou seja, tendemos a acreditar, no fundo, que consciência e mente são a mesma coisa e que a mente pode conhecer tudo se empreender o trabalho devido para tal.
      Freud afirmou, no entanto, que a maior parte de nossas vidas psíquicas é dominada pelo que chamou de inconsciente. A outra parte, o consciente, seria bastante reduzida e, em grande medida, determinada pela primeira. Assim, o inconsciente não seria a simples negação abstrata da consciência, uma espécie de "nada" (como na metáfora do "quarto vazio", que usamos na postagem anterior), e sim uma parte integrante de nossa personalidade, bastante ativa e determinante, onde "coisas" existem e acontecem sem que as percebamos.
      As novidades lançadas por Freud não pararam por aí. Para ele, a sexualidade (a chamada libido) constituiria o elemento fundamental do inconsciente, bem como de toda a dinâmica da vida psíquica. Essa teoria escandalizou a sociedade de seu tempo, principalmente por enfatizar a existência de atividade sexual nas crianças, bem como a importância que vivências e traumas sexuais infantis teriam na determinação do comportamento das pessoas durante toda a vida adulta. Esses traumas estariam vinculados a uma etapa do desenvolvimento infantil em que as crianças se sentiriam atraídas pelo progenitor do sexo oposto, o chamado complexo de Édipo.


Aparelho psíquico
    Vejamos um pouco mais da teoria freudiana para que você possa entender essas concepções e suas inter-relações com a consciência.
      De acordo com Freud, nosso aparelho psíquico estaria estruturado em três instâncias ou esferas: id, superego e ego.



Mecanismos de defesa
    Freud também observou que as pessoas comumente manifestam diversos mecanismos de defesa do ego, de forma a não enfrentar diretamente as demandas conflitantes do id e do superego, mas satisfazê-las de alguma maneira. Destacamos aqui quatro mecanismos de defesa, bastante frequentes:
recalque — ocorre quando alguma exigência do id é censurada pelo superego; o ego então a reprime, banindo-a do campo da consciência, mas essa "imagem" recalcada (reprimida) insiste em reaparecer na vida da pessoa, geralmente de maneira indireta ou simbólica. Conteúdos recalcados costumam expressar-se, por exemplo, em sonhos (explícita ou simbolicamente) ou em lapsos ou atos falhos (por exemplo: trocar sem querer uma palavra por outra, ou quebrar sem querer algum objeto de um rival ou desafeto);
projeção — ocorre quando a pessoa (o ego) identifica (projeta) no outro algum impulso próprio reprimido pelo superego, muitas vezes uma característica que ela nega em si mesma ou um desejo oculto que não consegue reconhecer;
racionalização — ocorre quando a pessoa (o ego) busca excessivamente explicações lógicas e racionais para sua conduta, negando de forma seguida o conteúdo reprimido, o desejo inconsciente que essa conduta manifesta;
sublimação — ocorre quando a pessoa (o ego) expressa o conteúdo recalcado ou desejo inconsciente de uma maneira criativa e elevada, por exemplo, expressando-o em uma atividade artística, intelectual ou religiosa.
      De acordo com a teoria freudiana, trazer à consciência esses conteúdos que foram reprimidos no passado, especialmente na infância, e entendê-los ajudaria o indivíduo a lidar com seus medos e inibições e a se adaptar da melhor maneira possível à sua realidade concreta no presente.


Jung: inconsciente coletivo
    O médico psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961) foi, durante algum tempo, um colaborador de Freud e admirador de suas teorias. Mas os dois discordavam sobre diversas questões. Freud opunha-se, por exemplo, ao interesse de Jung pelas religiões, enquanto este discordava da importância que seu colega dava ao impulso sexual e aos traumas ligados à repressão na infância. As divergências levaram a um rompimento entre eles, e Jung desenvolveu sua própria linha de pensamento: a psicologia analítica.
      Para Jung, a vida psíquica envolveria muitos outros elementos, e seria um reducionismo interpretar a maioria de seus eventos como manifestações de caráter sexual. Embora a libido seja também importante na teoria junguiana, ela é entendida como uma energia vital mais ampla e neutra, vinculada não apenas ao sexo, no sentido estrito da palavra (Samuels e outros, Dicionário crítico de análise junguiana, verbete "energia").

Reducionismo — tendência a reduzir as explicações sobre fenômenos complexos a seus termos mais simples, tidos como mais fundamentais ou banais; geralmente se refere ao reducionismo materialista-mecanicista (tudo é reduzido à matéria e às leis físico-químicas).


Teoria dos arquétipos
    Jung também ampliou o conceito freudiano de inconsciente. Isso se deu a partir da observação, nos sonhos relatados por seus pacientes (e em seus próprios sonhos), da presença de diversas imagens "estranhas", que não podiam ser associadas a nenhuma de suas experiências individuais, biográficas. Paralelamente, estudando as culturas dos povos antigos da Ásia, da África e da América pré-colombiana — especialmente o simbolismo de suas mitologias —, o psiquiatra percebeu que havia uma série de imagens que se repetiam nas mais variadas expressões culturais do planeta e coincidiam com as dos sonhos de seus pacientes.

Xiuhcoatl, a serpente de fogo dos astecas (1300-1521). Imagens de serpentes estão presentes nas mais diversas culturas, mitologias e épocas.

      Jung concluiu que se tratava de imagens primordiais. Segundo ele, essas imagens primordiais constituem os pensamentos (e sentimentos) mais antigos, gerais e profundos da humanidade, possuindo vida própria e independente. Teriam, portanto, um caráter impessoal e universal.
      Formulou, então, a tese de que existiria uma linguagem comum a todos os seres humanos de todos os tempos e lugares da terra. Ela seria formada por essas imagens ou conteúdos simbólicos muito primitivos — chamados arquétipos, na teoria junguiana —, que refletiriam algo como a "história evolutiva" de nossa espécie. Vividos de maneira não consciente por todas as pessoas, os arquétipos constituiriam um inconsciente coletivo, que pertenceria a toda a humanidade.
      Estrato mais profundo da psique humana, o inconsciente coletivo seria um conjunto de predisposições universais para perceber, pensar e agir de determinadas maneiras, mas que não se fecha para a criatividade. Ao contrário, constituiriam, para Jung, a base sobre a qual se assentam os grandes pensamentos e obras-primas da humanidade.


Principais arquétipos
    Jung descreveu uma série de arquétipos. Entre eles estão aquelas imagens que condensam em torno de experiências tão básicas e universais como o nascimento, a morte, a criança, a mãe, o velho sábio, o herói e Deus.
      Há outras, porém, que refletem a estrutura da própria psique, como a persona (a "máscara" que vestimos para enfrentar o mundo e conviver com a comunidade, incorporando suas expectativas), a sombra (aquilo que não temos desejo de ser), a anima (a imagem de mulher contida na psique de um homem) e o animus (a imagem de homem contida na psique de uma mulher).
      Mas o arquétipo mais importante na teoria junguiana é o do self (o "si mesmo"). Corresponde à imagem primordial da totalidade do ser, ou a essência de uma pessoa em conexão com uma dimensão maior. Transcendendo a consciência e a dimensão individual, o self conectaria a pessoa à família, à coletividade, ao planeta e ao cosmos.
      Assim, o self seria a "sabedoria" do organismo, no sentido de representar a intencionalidade, o propósito ou o sentido da vida de cada um.

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