Pensar a vida e viver o pensamento, de forma profunda e radical. Isso é filosofar.

RAZÃO E EXPERIÊNCIA - As bases da ciência moderna

      Foi com os filósofos gregos jônicos que as crenças mitológicas começaram a ceder lugar ao saber racional. E a ideia de caos começou a ser dissolvida, nascendo, para substituí-la, o conceito de cosmo. Dentro desse novo e revolucionário conceito, o universo passou a ser encarado como algo ordenado, harmônico, previsível, capaz de ser compreendido racionalmente pelo ser humano.
      O conceito grego de cosmo desenvolveu-se com os pré-socráticos, encontrando novas formulações com os filósofos do período clássico, entre eles Platão e Aristóteles. Estes legaram ao Ocidente medieval a ideia de um cosmo ordenado, no qual a Terra tinha lugar privilegiado. Era um cosmo finito, fechado, dividido em dois planos básicos: o céu e a Terra.
      Podemos imaginar a revolução espiritual que representaram, portanto, as novas concepções da ciência nascente. As conquistas e realizações renascentistas deixaram a maioria das pessoas desorientadas e desconfiadas. O mundo racionalmente ordenado da Antiguidade foi questionado e, aos poucos, dissolvido. O que representariam a cidade, o Império ou a Igreja diante de um universo infinito? A respeito desse processo, vejamos o que nos diz o historiador da ciência Alexandre Koyré:

"O homem perdeu seu lugar no mundo, ou, mais exatamente, perdeu o próprio mundo que formava o quadro de sua existência e o objeto de seu saber, e precisou transformar e substituir não somente suas concepções fundamentais, mas as próprias estruturas de seu pensamento." (Do mundo fechado ao universo infinito, p. 14).

Representação do sistema copernicano, com o Sol ao centro. Com o heliocentrismo, a Terra deixou de ser considerada o centro do universo.

      Podemos dizer que esse quadro conceitual deu origem a algumas questões ou inovações que caracterizaram a filosofia moderna. Vejamos em seguida quais são elas.


Busca de um novo centro
    Uma das concepções fundamentais até então — a noção aristotélica de espaço hierarquizado, isto é, em que cada lugar apresenta uma qualidade diferente da de outro lugar — foi substituída pelo conceito de espaço homogêneo, ou seja, em que os lugares são equivalentes, sem um ponto fixo referencial, sem uma hierarquia.
      O Sol não se converteria no novo ponto fixo, pois o heliocentrismo de Copérnico representava apenas o primeiro passo de um processo de descentralização exterior do mundo.
      O ser humano só encontraria um novo centro em si mesmo, isto é, na razão, entendida como a capacidade humana de avaliar a realidade e distinguir o verdadeiro do falso.


Mundo representado
    Até a Idade Média, havia prevalecido a noção de que a realidade do mundo se apresenta diretamente às pessoas, isto é, mostra-se por si mesma à mente (realismo). Os pensadores da modernidade, por sua vez, tenderam a abordar o mundo com base na ideia de que a realidade é representada pela mente. Desse modo, boa parte deles procurou ultrapassar a percepção imediata e sensível da realidade, que passou a ser interpretada como representação. Representação é uma operação da mente que re(a)presenta o real e produz uma imagem do mundo, ou um outro mundo.
      Assim, uma das principais características do pensamento moderno foi tentar explicar a realidade a partir de novas formulações racionais. Galileu, por exemplo, explicaria o mundo concreto, sensível, por meio de relações matemáticas, geométricas, o que não se havia feito até então, embora hoje esse seja um procedimento bastante comum.


Procura-se um método
    Outra pergunta que surgiu foi: Qual é a garantia de que um pensamento é verdadeiro? A ruptura com toda a autoridade preestabelecida de conhecimento fez com que os pensadores modernos buscassem uma base segura, algo que garantisse a verdade de um raciocínio. Procurava-se, portanto, um método.

"Por método eu entendo regras certas e fáceis que, observadas corretamente, levarão quem as seguirem a atingir o conhecimento verdadeiro de tudo o que for possível. O método consiste na ordem e na disposição das coisas para as quais devemos voltar o olhar do espírito, para descobrir a verdade." (Descartes, Regras para a direção do espírito, citado em Rezende, Curso de filosofia, p. 88).

      A razão estava em alta. O método escolhido foi o matemático, pois a matemática é o exemplo de conhecimento integralmente racional. Ela se tornaria, por isso, o modelo seguido pelo racionalismo do século XVII.


Francis Bacon
    Nascido em Londres, Francis Bacon (1561-1626) pertencia a uma família de nobres. Depois de concluir seus estudos em Cambridge, iniciou, em 1577, sua carreira política, através da qual conquistaria os mais importantes postos do reino britânico.
      Bacon realizou uma obra científica de inegável valor. É considerado um dos fundadores do método indutivo de investigação científica. Atribui-se a ele, também, a criação do lema "saber é poder", que revela sua firme disposição de fazer dos conhecimentos científicos um instrumento prático de controle da realidade.
      Preocupado com a utilização dos conhecimento científicos na vida prática, Bacon manifestava grande entusiasmo pelas conquistas técnicas que se difundiam em seu tempo: a bússola, a pólvora e a imprensa. Revelava igualmente sua aversão ao pensamento meramente abstrato, característico da escolástica medieval.


Teoria dos ídolos
    Para Bacon, a ciência deveria valorizar a pesquisa experimental, tendo em vista proporcionar resultados objetivos para o ser humano. Mas, para isso, era necessário que os cientistas se libertassem daquilo que dominava ídolos, isto é, falsas noções, preconceitos e maus hábitos mentais.
      Em sua obra Novum organum, o filósofo destaca quatro gêneros de ídolos que bloqueiam a mente humana e prejudicam a ciência:
ídolos da tribo — as falsas noções provenientes das próprias limitações da natureza da espécie humana;
ídolos da caverna — as falsas noções do ser humano como indivíduo (alusão ao mito da caverna de Platão);
ídolos do mercado ou do foro — as falsas noções provenientes da linguagem e da comunicação; e
ídolos do teatro — as falsas noções provenientes das concepções filosóficas, científicas e culturais vigentes.



Método indutivo
    Para combater os erros provocados pelos ídolos, Francis Bacon propôs o método indutivo de investigação, baseado na observação rigorosa dos fenômenos naturais, que cumpriria as seguintes etapas:
observação da natureza para a coleta de informações;
 organização racional dos dados recolhidos empiricamente;
• formulação de explicações gerais (hipóteses) destinadas à compreensão do fenômeno estudado;
• comprovação da hipótese formulada mediante experimentações repetidas, em novas circunstâncias.
      Bacon dizia que aquele que inicia uma investigação com muitas certezas acaba cheio de dúvidas, mas aquele que começa com dúvidas pode terminar com algumas certezas.
      Assim, a grande contribuição de Francis Bacon para a história da ciência moderna foi apresentar o conhecimento científico como resultado de um método de investigação capaz de conciliar a observação dos fenômenos, a elaboração racional das hipóteses e a experimentação controlada para comprovar as conclusões.


Galileu Galilei
    Nascido na cidade italiana de Pisa, Galileu Galilei (1564-1642) é considerado um dos fundadores da física moderna. Foi um entusiasta defensor da cosmologia que se desenvolveu a partir da teoria heliocêntrica de Copérnico. Rejeitava, portanto, a astronomia de Ptolomeu e a física de Aristóteles, que, incorporadas pelo cristianismo católico, reinaram durante o período medieval.
      Por contrariar a visão tradicional do mundo, foi advertido pelas autoridades católicas, que o julgavam herege. Suas ideias eram consideradas contrárias às Sagradas Escrituras. Galileu teria comentado então que a Bíblia, em se tratando de temas científicos, não era um manual a ser obedecido cegamente.
      Esse pioneirismo rebelde de Galileu atraiu a fúria da Inquisição. Em 1633, foi condenado por seus inquisidores, que lhe impuseram a dramática alternativa: ser queimado vivo em uma fogueira ou retratar-se publicamente, renegando suas concepções científicas. Galileu optou por viver e retratou-se perante o tribunal. Permaneceu, entretanto, fiel às suas ideias e, em 1638, quatro anos antes de morrer, publicou clandestinamente mais uma obra que contrariava os dogmas oficiais de sua época.

Representação de Galileu usando seu telescópio. O cientista italiano é considerado um dos maiores gênios de toda a história da humanidade. No final do século XX, a Igreja Católica reviu seu processo e concedeu-lhe a absolvição.
Telescópio de Galileu. Os primeiros telescópios teriam surgido na Holanda, por volta de 1600, para serem usados com finalidades bélicas. Sem nunca ter visto o instrumento, bastando-lhe apenas sua descrição, Galileu construiu seu próprio telescópio e o aperfeiçoou para fins astronômicos.


Método matemático-experimental
    Na tradição grega aristotélica, para entender uma coisa não era preciso estudá-la experimentalmente. Bastava esforçar-se por compreender como essa coisa existe e funciona e, depois, elaborar uma teoria sobre isso. Assim, para grande parte dos pensadores antigos e medievais, observar as coisas, agir sobre a natureza e pensar como matemático eram práticas incompatíveis. Já Galileu — professor de matemática da Universidade de Pisa — decidiu, de forma inovadora, aplicar a matemática ao estudo experimental da natureza.
      Desse modo, alcançou grandes realizações, entre as quais podemos destacar:
• a elaboração da lei da queda livre dos corpos, segundo a qual a aceleração de um corpo em queda é constante, independentemente de o corpo ser leve ou pesado, grande ou pequeno. A demonstração dessa lei exige condições ideais (vácuo);
• a construção e o aperfeiçoamento de um telescópio, com o qual efetuou observações astronômicas que o levaram a descobrir o relevo montanhoso da Lua, quatro satélites de Júpiter, as formas diferentes de Saturno, as fases de Vênus e a existências das manchas solares.
      Mas não é apenas por suas descobertas específicas que Galileu merece especial destaque na história das ciências. Uma de suas mais extraordinárias contribuições foi ter assumido uma nova postura de investigação científica, cuja metodologia tinha como bases:
• a observação paciente e minuciosa dos fenômenos naturais;
• a realização de experimentações para comprovar uma tese;
• a valorização da matemática como instrumento capaz de enunciar as regularidades observadas nos fenômenos.


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