Pensar a vida e viver o pensamento, de forma profunda e radical. Isso é filosofar.

CONSCIÊNCIA - Perceber o que acontece

      Podemos destacar alguns aspectos pelos quais o tema da consciência pode ser abordado: consciência de si, do que se pensa, sente e faz; consciência do tempo; consciência do mundo; dos outros; consciência ética etc.

Parece haver níveis distintos de consciência em todos os seres e em circunstâncias distintas de cada ser.


O que é a consciência?
    Não é simples conhecer nem explicar o que é a consciência, pois dependemos justamente dela para fazer isso Existe uma recursividade em saber que se sabe, em sentir que se sente — enfim, em ser consciente de que é consciente. É o que torna esse tema fascinante, como destaca o médico e cientista português António Damásio (1944-) em sua obra O mistério da consciência:

"O que poderia ser mais difícil de conhecer do que conhecer o modo como  conhecemos? O que poderia ser mais deslumbrante do que perceber que é o fato de termos consciência que torna possíveis e mesmo inevitáveis nossas questões sobre a consciência?" (p. 18).

      A consciência costuma ser entendida, portanto, como um fenômeno ligado à mente, esfera onde ocorrem diversos processos psíquicos (pensamento, imaginação, emoção etc.), especialmente o conhecimento. Para vários estudiosos, nada caracteriza mais o ser humano do que a consciência, pois é ela que nos permite estar no mundo com algum saber, "com-ciência". Como assinala o paleontólogo e filósofo francês Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955):

"O animal sabe. Mas, certamente, ele não sabe que sabe: de outro modo, teria há muito multiplicado invenções e desenvolvido um sistema de construções internas. Consequentemente, permanece fechado para ele todo um domínio do Real, no qual nos movemos. Em relação a ele, por sermos reflexivos, não somos apenas diferentes, mas outros. Não só simples mudança de grau, mas mudança de natureza, que resulta de uma mudança de estado." (O fenômeno humano, p. 187).

      Devido a essa diferença específica entre os humanos e os outros animais, durante certo tempo nossa espécie — classificada biologicamente como Homo sapiens ("homem sábio, que sabe") — foi designada por alguns estudiosos como Homo sapiens sapiens: o ser que sabe que sabe, destacando, desse modo, nossa capacidade. Isso quer dizer que somos capazes de fazer nossa inteligência debruçar sobre si mesma para tomar posse de seu próprio saber, avaliando sua consistência, seu limite e seu valor.
      Foi o que fez Descartes, em suas Meditações filosóficas. Essa capacidade seria a base — pelo menos em boa parte — das grandes criações humanas, como a ética, o direito, a arte, a ciência e a filosofia. Ou seja, sem consciência, não haveria nada disso.

Recursividade — capacidade que algo tem de poder aplicar-se sobre si mesmo sucessivas vezes, cada vez usando como base o resultado de sua aplicação anterior.


Observando a consciência
    O curioso é que tenhamos, em geral, tão pouca percepção de nossa consciência no dia a dia. Isso não ocorre, porém, em todas as culturas. Em algumas culturas orientais, onde a meditação é uma prática frequente, muitas pessoas costumam dedicar regularmente algum tempo para a observação da própria consciência e sua expansão, estimulando a introspecção, habilidade muito importante para quem filosofa.

Introspecção — observação que uma pessoa faz do que ocorre dentro de si mesma, da própria mente e seus processos.

"Se podemos dizer que o método científico construiu durante séculos o conhecimento do Ocidente, devemos acrescentar que o seu equivalente no Oriente foi a meditação, que durante milênio edificou a sabedoria das suas culturas mais tradicionais." (Byington, A construção amorosa do saber, p. 270).

Homem meditando em Varanasi, Índia. Na meditação busca-se manter a consciência permanentemente focalizada na própria consciência.

      Façamos, então, uma experiência. Tentemos, por alguns minutos, ser mais introspectivos, para começar a entender a consciência de uma maneira mais vivencial, um pouco à maneira de Descartes nas Meditações até chegar a seu cogito, ou dos sábios do Oriente.
      Primeiro busquemos o estado oposto ou negação da consciência: quando é que não estamos conscientes e o que acontece então conosco? Em condições normais, estamos nesse estado todos os dias ao dormir, o que corresponde a cerca de um terço de nossas vidas. Enquanto dormimos, nossos sentidos estão desconectados de tudo o que ocorre a nossa volta, ou dentro de nós mesmos e de nossos corpos. Durante o sono, se não sonhamos, não temos nenhuma sensação, nenhum pensamento ou sentimento, nenhuma lembrança, imaginação ou fantasia. Não percebemos nada.
      Algo semelhante parece ocorrer quando perdemos os sentidos em um desmaio. Somos então como um quarto vazio, escuro e silencioso. Parece que nada ocorre. Quando despertamos, esse "quarto" começa de novo a encher-se de "luz" e de "objetos". Voltamos a sentir nossos corpos e diversas impressões e pensamentos passam a preencher nossas mentes.
      Podemos usar a mesma imagem da escuridão para entender essa frase tão comum: "Eu não sabia, eu não tinha consciência". Nesse caso, não estávamos desacordados no sentido literal da palavra, mas sim no sentido metafórico. Havia um objeto, um sentimento, um conhecimento que estava em um canto escuro do nosso "quarto" e que, por isso, não podíamos vê-lo. De repente, foi "iluminado", passando a integrar a totalidade consciente de nosso ser.


Sentimento de si e do objeto
    Vejamos, agora, o que é a consciência do ponto de vista neurocientífico. Adotaremos, para tanto, a interpretação de António Damásio, que combina biologia com um pouco de filosofia.

Neurocientífico — relativo às neurociências, isto é, aos diversos ramos da ciência que estudam o sistema nervoso, como a neurobiologia, a neurofisiologia, a neuropsiquiatria etc.

"Sempre me fascina o momento exato em que, da plateia, vemos abrir-se a porta que dá para o palco e um artista sair à luz; ou, de outra perspectiva, o momento em que um artista que aguarda na penumbra vê a mesma porta abrir-se, revelando as luzes, o palco e a plateia.
Percebi há alguns anos que o poder que esse momento tem de nos emocionar, de qualquer ponto de vista que o examinemos, nasce do fato de ele personificar um instante de nascimento, uma passagem de um limiar que separa um abrigo seguro mas limitador das possibilidades e dos riscos de um mundo mais amplo à frente. [...] tenho a intuição de que sair à luz é também uma eloquente metáfora para a consciência, para o nascimento da mente conhecedora,, para a simples mas decisiva chegada do sentido do self [si mesmo] ao mundo mental. [...] Escrevo sobre o sentido do self e sobre a transição da inocência e da ignorância para o conhecimento e o auto-interesse." (O mistério da consciência, p. 19-18).

      Desse modo, segundo Damásio, estar consciente envolve não apenas um ato de conhecer o que acontece, como geralmente se entende: implica, basicamente e como primeiro estágio, um sentir. Vejamos o que isso significa.
      Enquanto você lê este texto e capta o significado dele, ocorre um processo em seu cérebro que lhe indica que é você e não outra pessoa que está envolvido nesse ato de ler e entender o texto. Esse processo, diz o neurocientista, configura uma "presença — a "presença" do observador que é você. Ela corresponde, em seu organismo, a uma sensação ou sentimento. Trata-se do:

"[...] sentimento do que acontece quando seu ser é modificado pelas ações de apreender algumas coisas [os processos físico-químicos que ocorrem dentro de seu cérebro]. Essa presença nunca se afasta, do momento em que você desperta até o momento em que seu sono começa. Ela tem de estar presente, caso contrário você não existe." (O mistério da consciência, p. 26).

      Em algumas patologias mentais, por exemplo, acredita-se que a pessoa perde contato com essa "presença". Dizemos que ela se "ausenta", embora esteja acordada e reaja aos estímulos externos até certo ponto de maneira normal, mas automaticamente. Essa pessoa estaria tendo, portanto, um distúrbio da consciência.
      Assim, no processo de conhecer, a consciência seria o "padrão mental" unificado que se forma quando se conjugam o sentimento de si (self) e o objeto que se percebe e se torna conhecido. Sem sensação ou sentimento de si não há consciência (Damásio, O mistério da consciência, p. 26-27).

Céu aberto — Roland Topor (Coleção particular). Quando não está essa "presença" do observador que é você, você tampouco "está" como ser consciente.


Consciência e identidade
    Essa sensação de self, ou sentimento de si, relaciona-se basicamente com o aqui e agora, com o presente. Não há um antes ou um depois. É, por exemplo, a experiência de ver neste instante estas letras impressas enquanto você lê este livro, combinada com a sensação de que é você que vê, e não outro ser. Consegue perceber isso?
      Pois, então, esse é o primeiro passo do processo de estar consciente. Corresponde ao nível mais básico do processo de conhecer. Segundo Damásio, trata-se de um fenômeno biológico simples, vinculado ao sistema nervoso, que não seria exclusivo dos seres humanos.
      No entanto, essa consciência nuclear, básica, quando se insere em determinado ponto da história de um ser que é capaz de estabelecer relações entre seu passado e seu futuro — como nós, os humanos — em um fluxo contínuo, torna-se uma sensação de si mais elaborada. É assim que surge — em mim, em você, em qualquer um — a consciência do eu, da própria identidade: em outras palavras, a percepção de um conjunto de caracteres próprios que se mantém no tempo e no espaço do corpo físico, constituindo o si mesmo, por oposição ao outro.
      Trata-se de um fenômeno biológico complexo vinculado, além das emoções, também à memória, à linguagem, à razão e que apresenta o potencial de evoluir durante a vida inteira de um indivíduo (Damásio, O mistério da consciência, p. 34-35).
      Por meio desse fenômeno biológico complexo — a consciência ampliada — o ser humano também adquire conhecimento de suas transformações durante sua existência, bem como do mundo que o rodeia. Esse fenômeno teria possibilitado não apenas as inúmeras criações humanas, mas também a problematização da própria existência individual — "quem sou eu?", "para que estou aqui?", "o que devo fazer?" — e outras questões ligadas à angústia existencial e à filosofia.


Experiência privada
    Observe também que, tanto do ponto de vista biológico como psicológico, a consciência é uma experiência marcadamente privada, que se vive apenas na primeira pessoa. Isso quer dizer que ela pertence apenas ao organismo ou indivíduo que a tem e não pode ser compartilhada diretamente com mais ninguém.
      À consciência estão muito vinculadas, no entanto, as condutas — e estas, sim, podem ser observadas por terceiros. Em outras palavras, as condutas são experiências públicas, isto é, podem ser percebidas por mais de um indivíduo ou organismo e potencialmente por todos.
      É, portanto, pelo que dizem e fazem as outras pessoas que inferimos naturalmente que elas, como nós, têm ideias, pensamentos, sensações e sentimentos — bem como consciência —, embora não possamos conhecer diretamente o que pensam e sentem.

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