Pensar a vida e viver o pensamento, de forma profunda e radical. Isso é filosofar.

Aristóteles naturalista

      Se começarmos aqui em ordem cronológica, com a sua Física, ficaremos desapontados; porque iremos verificar que esse tratado é, na realidade, uma metafísica, uma análise abstrusa da matéria, do movimento, do espaço, do tempo, da infinidade, da causa e outros "conceitos fundamentais" semelhantes. Um dos trechos mais vigorosos é um ataque ao "vácuo" de Demócrito: não pode haver vazio ou vácuo na natureza, diz Aristóteles, porque num vácuo todos os corpos cairiam com igual velocidade; como isso é possível, "o suposto vácuo mostra não conter coisa alguma" ― um exemplo, percebe-se logo, do humor muito ocasional de Aristóteles, de sua mania de fazer afirmações não provadas, e de sua tendência a depreciar seus predecessores em filosofia. Era hábito do nosso filósofo prefaciar seus trabalhos com esboços históricos de contribuições anteriores para a matéria em questão e acrescentar a cada contribuição uma refutação aniquiladora. "Aristóteles, ao estilo otomano", diz Bacon, "achava não poder reinar em segurança sem condenar à morte todos os seus confrades." (O Programa da Ciência, livro 111, cap. 4). Mas a essa mania fratricida devemos grande parte do nosso conhecimento do pensamento pré-socrático.

      Por motivos já apresentados, a astronomia de Aristóteles representa um avanço muito pequeno sobre seus predecessores, ele rejeita a ideia de Pitágoras de que o Sol é o centro de nossos sistema; prefere conceder essa honra à Terra. Mas o pequeno tratado sobre meteorologia está cheio de brilhantes observações, e até suas especulações provocam uma incandescência esclarecedora. Este mundo é cíclico, diz o nosso filósofo: o Sol está sempre evaporando o mar, secando rios e fontes, e transformando, no fim, o imenso oceano na mais nua das rochas; enquanto, ao contrário, a umidade que se elevou, reunida na formação de nuvens, cai e renova os rios e os mares. Por toda parte acontecem mudanças de forma imperceptível mas eficiente. O Egito é "obra do Nilo", o produto dos depósitos do rio ao longo de milhares de séculos. Aqui, o mar invade a terra, ali a terra avança timidamente mar adentro; novos continentes e novos oceanos surgem, velhos oceanos e velhos continentes desaparecem, e toda a fisionomia do mundo é alterada e realterada em uma grande sístole e diástole de crescimento e dissolução. As vezes, esses grandes efeitos ocorrem de repente e destroem as bases geológicas e materiais da civilização e, até, da vida; grandes catástrofes têm, periodicamente, desnudado a Terra e reduzido o homem outra vez ao seu ponto de partida inicial; como Sísifo, a civilização tem se aproximado repetidas vezes de seu zênite, só para recair no barbarismo e começar da capo a sua labuta para progredir. Daí a quase "eterna recorrência", numa civilização após outra, das mesmas invenções e descobertas, das mesmas "idades médias" de lenta acumulação econômica e cultural, os mesmos renascimentos do saber, da ciência e da arte. Não há dúvida de que certos mitos populares são vagas tradições que sobreviveram a culturas anteriores. Assim, a história do homem gira em um círculo enfadonho, porque ele ainda não é o senhor da Terra que o contém.




A História da Filosofia, de Will Durant

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