De uma ética assim tão aristocrática, segue-se naturalmente (ou será que a sequência era o contrário?) uma filosofia política rigorosamente aristocrática. Não era de se esperar que o tutor de um imperador e marido de uma princesa tivesse um afeto exagerado pelo homem do povo ou, mesmo, pela burguesia comerciante; é em nossa filosofia que está o nosso tesouro. Além do mais, Aristóteles era honestamente conservador devido ao torvelinho e ao desastre que haviam surgido da democracia ateniense: como um erudito típico, ele ansiava pela ordem, pela segurança e pela paz; segundo ele, aquela não era a hora para extravagâncias políticas. O radicalismo é um luxo da estabilidade; só podemos ousar alterar as coisas quando estas se encontram firmes em nossas mãos. E em geral, diz Aristóteles, "o hábito de alterar levianamente as leis é um mal; e quando a vantagem da mudança é pequena, é melhor enfrentar certos defeitos, quer da lei, quer do governante, com uma tolerância filosófica. O cidadão irá ganhar menos com a mudança do que perderia, ao adquirir o hábito da desobediência" (Política, II, 8). O poder da lei, de garantir a observância e, portanto, manter a estabilidade política, depende em grande parte do hábito, e "passar levianamente de velhas leis para outras novas é uma certa maneira de enfraquecer a essência mais íntima de todas as leis, sejam elas quais forem". "Não desprezamos a experiência do passado: não há dúvida de que, ao longo de todos esses anos, essas coisas, se fossem boas, não teriam continuado desconhecidas".
"Essas coisas", é claro, refere-se principalmente à república comunista de Platão. Aristóteles combate o realismo de Platão em relação aos universais, e o seu idealismo quanto ao governo. Ele vê muitos pontos pretos no retrato pintado pelo Mestre. Não aprova a continuidade de contato, à semelhança de um quartel, a que Platão aparentemente condenava seus filósofos guardiães; embora conservador, Aristóteles valoriza a qualidade, a privacidade e a liberdade individuais acima da eficiência e do poder sociais. Não se sentia inclinado a chamar todos os seus contemporâneos de irmãos ou irmãs, nem tampouco os mais velhos de pai ou mãe; se todos são seus irmãos, nenhum deles o é; e "como é melhor ser o primo verdadeiro de alguém do que um filho à moda de Platão!". Em um Estado que tem mulheres e crianças em comum, "o amor será diluído. (...) Das duas qualidades que são as principais inspiradoras de consideração e afeição ― a de que uma coisa lhe pertence e de que essa coisa desperta em você o verdadeiro amor ―, nenhuma pode existir em um Estado" como o de Platão.
Talvez houvesse, no passado longínquo, uma sociedade comunista, onde a família era o único Estado, e o pastoreio ou a agricultura a única forma de vida. Mas "em um Estado de sociedade mais dividido", onde a divisão do trabalho em funções desigualmente importantes faz surgir e amplia a desigualdade dos homens, o comunismo fracassa porque não proporciona um incentivo adequado ao emprego de capacidades superiores. O estímulo do ganho é necessário ao trabalho árduo; e o estímulo da propriedade é necessário a uma indústria, uma agricultura e um interesse adequados. Quando todos são donos de tudo, ninguém cuidará de coisa alguma. "Aquilo que pertence ao maior número de pessoas recebe o mínimo de atenção. Cada qual pensa, principalmente, no seu próprio interesse, quase nunca no interesse público." E "sempre há dificuldade em viver junto ou ter coisas em comum, mas, especialmente, em ter propriedade em comum. As associações de companheiros de viagem" (para não dizer nada do árduo comunismo do matrimônio) "são um ótimo exemplo; porque, de maneira geral, elas se desfazem pelo caminho e eles discutem por qualquer ninharia".
"Os homens prestam logo atenção" a utopias, "e são facilmente induzidos a acreditar que, de algum modo milagroso, todos irão se tornar amigos de todos, em especial quando se ouve alguém denunciar os males existentes (...), que dizem ser causados pela propriedade privada. Esses males, no entanto, são causados por outra fonte completamente diferente ― a maldade da natureza humana" (Observe que os conservadores são pessimistas, e os radicais otimistas, quanto à natureza humana, que provavelmente não é nem tão boa nem tão má quanto eles gostariam de acreditar, e que pode não ser tanto natureza quanto treinamento e meio ambiente iniciais). A ciência política não faz homens, mas tem de aceitá-los tal como vêm da natureza.
E a natureza humana, a média humana, está mais próxima do animal do que do deus. A grande maioria dos homens é formada por estúpidos e vagabundos naturais; em qualquer sistema, esses homens irão para o fundo; e ajudá-los com subsídios do Estado é "como despejar água em um tonel furado". Essas pessoas devem ser governadas na política e comandadas na indústria; com o seu consentimento, se possível, e sem ele se necessário. "Desde a hora do nascimento, alguns são destinados à sujeição, e outros ao comando". Porque aquele que pode prever com a mente é destinado pela natureza a ser senhor e mestre e aquele que só pode trabalhar com o corpo é, por natureza, um escravo" (Talvez escravo seja uma tradução muito dura de doulos; a palavra era apenas um franco reconhecimento de uma realidade brutal que, hoje, é perfumada com palavras sobre a dignidade do trabalho e a fraternidade do homem. Temos muita facilidade em sermos melhores do que os antigos na feitura de frases). O escravo é para o mestre o que o corpo é para a mente; e como o corpo deve estar sujeito à mente, "é melhor, para todos os inferiores, ficar sob o domínio de um senhor". "O escravo é uma ferramenta dotada de vida, a ferramenta é um escravo inanimado." E então o nosso desapiedado filósofo, com um vislumbre das possibilidades que a Revolução Industrial nos colocou nas mãos, escreve por um instante, com sôfrega esperança: "Se todo instrumento realizasse o seu trabalho, obedecendo ou antevendo a vontade dos outros (...), se a lançadeira tecesse, ou se o plectro tocasse a lira, sem mão a guiá-lo, os chefes mão precisariam, com certeza, de assistentes, nem os mestres de escravos.".
Essa filosofia caracteriza o desprezo grego pelo trabalho manual. Esse trabalho, em Atenas, não se tornara tão complicado como é hoje quando a inteligência exigida em muitas áreas manuais é, às vezes, muito maior do que a requerida para as operações da classe média baixa, e até um professor de faculdade pode considerar um mecânico de automóvel (em certas exigências) um verdadeiro deus; o trabalho manual era, então, meramente manual, e Aristóteles o olhava com desprezo do alto da filosofia, como próprio de homens sem inteligência, como indicado apenas para escravos e como apenas preparador de homens para a escravidão.
O trabalho manual, acredita ele, entorpece e deteriora a mente, não deixando tempo nem energia para a inteligência polícia; parece a Aristóteles um razoável corolário o fato de que só pessoas que disponham de lazer devam ter voz no governo. "A melhor forma de governo não irá admitir mecânicos como cidadãos. (...) Em Tebas havia uma lei que dizia que nenhum homem que não tivesse se afastado dos negócios dez anos antes poderia ocupar um cargo." Até os comerciantes e os financistas eram classificados por Aristóteles entre os escravos. "O comércio varejista é anormal (...), e um meio pelo qual os homens ganham um dos outros. O tipo mais odioso desse intercâmbio é (...) a usura, que tem lucro com o próprio dinheiro, e não com o uso natural desse dinheiro. Porque o dinheiro tinha por finalidade ser um instrumento de troca, e não a mãe do juro. Essa usura (tokos) que significa o nascimento de dinheiro do dinheiro (...), é, de todos os métodos de lucro, o mais anormal". (Essa teoria influenciou a proibição medieval do juro). O dinheiro não devia dar cria. Por isso, "a discussão da teoria das finanças não é indigna da filosofia; mas envolver-se em operações financeiras, ou em atividades que resultem em ganho de dinheiro, é indigno de um homem livre". (Aristóteles acrescenta que os filósofos poderiam ser bem-sucedidos nessas atividades se se dessem ao trabalho de envolver-se nelas; e destaca, orgulhoso, Tales, que, prevendo uma boa safra, comprou todos os segadores de sua cidade e depois, na época da colheita, vendeu-os pelo preço que lhe convinha; baseado nisso, Aristóteles observa que o segredo universal de uma grande fortuna é a criação de um monopólio).
A História da Filosofia, de Will Durant
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