Pensar a vida e viver o pensamento, de forma profunda e radical. Isso é filosofar.

PERSPECTIVAS - Tempo livre ou desemprego?

      Na análise do processo histórico-social que fizemos aqui, vimos que o trabalho quase se transformou no oposto daquilo que poderia ser para um indivíduo. Ou seja, o trabalho — possibilidade de liberdade e realização — tornou-se sinônimo de frustração, submissão e sofrimento.
      Essa é a ideia que grande parte das pessoas tem acerca do trabalho, porque, de fato, é dessa forma que ele se apresenta para determinadas classes sociais. O trabalho é tido unicamente como um meio de sobrevivência, como algo penoso pelo qual todos têm de passar, pois "quem não trabalha não come".
      Em vista do que vimos até aqui, podemos nos questionar: é realmente o trabalho uma categoria fundamental para ser humano? Ou seja, é por meio do trabalho que o ser humano se auto-constrói?
      Não há como responder negativamente a essa questão. Mas então voltamos à nossa pergunta inicial: o que é o trabalho? Será apenas o que uma ordem econômica exploradora reconhece como trabalho? Se o que recusamos é a forma como ele se apresenta — o trabalho forçado, aquela que significa privação e não realização das nossas capacidades —, será possível alcançarmos uma forma mais livre de trabalho?


Sociedade do tempo livre
    Essas questões nos levam ao tema do desenvolvimento tecnológico atual. Como você deve ter sabido, a mecanização e a automatização da produção vêm suprimindo diversas tarefas rotineiras, que eram antes desempenhadas por trabalhadores. Como resultado dessa automatização, é possível imaginar que um dia viveremos em uma sociedade na qual as pessoas possam dispor de maior tempo livre. É a perspectiva, como diversos teóricos denomina, da sociedade do tempo livre.
      Em cerca de um século e meio — de 1850 ao final do século XX —, um trabalhador em países como Inglaterra e França vivia, em média, de 45 a 50 anos e trabalhava, aproximadamente, 120 mil horas ao longo de sua vida. Hoje, nos países desenvolvidos, o trabalhador vive cerca de 75 a 80 anos e trabalha, aproximadamente, 80 mil horas ao longo da vida. Na interpretação do sociólogo italiano contemporâneo Domenico de Masi, poderemos ter no futuro mais espaço para o ócio criativo:

"Tudo leva a crer que o processo tecnológico eliminará cada vez mais o trabalho humano, que todo o esforço físico e intelectual poderão ser delegados a máquinas e que ao homem restará só o monopólio das atividades criativas." ("Em busca do ócio", Veja 25 anos, p. 48).


Sociedade do desemprego
    A dificuldade está em que a simples automatização, por si só, não garante esse efeito, pois dela pode surgir uma realidade opressiva e antissocial: uma sociedade do desemprego.
      Isso se comprova com o aumento do número de pessoas sem trabalho fixo nesses mesmos países em que a carga horária diminuiu, sem falar naqueles da Amética Latina nos quais os índices de desemprego são preocupantes e onde ainda subsistem situações de trabalho infantil e escravo.
      Para evitar o desemprego em massa, uma alternativa seria a redução do tempo de trabalho, pretendida pelas organizações de trabalhadores, o que conduziria também à construção de uma sociedade de maior tempo livre.

"[...] o trabalho socialmente útil, distribuído entre todos os que desejam trabalhar, deixa de ser a ocupação exclusiva ou principal de cada um: a ocupação principal pode ser uma atividade ou conjunto de atividades autodeterminadas levada a efeito não por dinheiro, mas em razão do interesse, do prazer ou da vantagem que nela se possa encontrar. A maneira de se gerir a abolição do trabalho e o controle social desse processo serão questões políticas fundamentais dos próximos decênio." (Gorz, Adeus ao proletariado, p. 12).

      É possível que estejamos caminhando para essa sociedade do tempo livre. No entanto, diversos autores questionam os fundamentos e o alcance dessa perspectiva. Consideram que existe potencialmente essa hipótese, mas não como fruto automático do modelo econômico atual, globalizado, imposto à maioria das pessoas nos países em desenvolvimento.
      Enfim, ainda vivemos em um mundo paradoxal, marcado por imensos contrastes. De um lado, percebemos realidades socioeconômicas homogêneas, desfrutadas por um restrito conjunto de pessoas, os incluídos. Os shoppings, os produtos de grife, os aeroportos, os computadores tornam-se padronizados pela globalização. De outro lado, percebemos inúmeros problemas e mazelas, atingindo milhões de seres humanos, os excluídos.


      Nesse contexto, como na Grécia antiga, o "ócio criativo" parece ser a condição de apenas uns poucos, não da maioria. Que mudanças socioeconômicas e de mentalidade poderiam ser promovidas para que isso se transforme e o trabalho possa cumprir sua função libertadora? Pense nisso.


Sugestões de filmes

• Tempos modernos (1936, EUA, direção de Charles Chaplin)
      Obra em que, de uma forma ao mesmo tempo satírica e poética, Chaplin "passeia" pela paisagem moderna, a paisagem da indústria moderna. Mostra-nos a submissão do ser humano à máquina e a substituição do trabalho humano pelo trabalho mecânico, o que leva ao desemprego e à miséria. Mas mostra-nos também a solidariedade e a capacidade de gentileza e alegria que resiste à opressão do trabalho.

• Germinal (1993, Bélgica/França/Itália, direção de Claude Berri)
      Adaptação para o cinema de romance homônimo do escritor francês Émile Zola, publicado em 1885. Retrata as condições de trabalho e vida dos trabalhadores das minas de carvão na segunda metade do século XIX, bem como a emergência dos movimentos, greves e revoltas operárias.

• Eles não usam black-tie (1981, Brasil, direção de Leon Hirszman)
      Filme que retrata as dificuldades de organização dos trabalhadores na época da ditadura brasileira, tendo como foco uma família de operários e seus dilemas.

• O show de Truman (1998, EUA, direção de Peter Weir)
      História que se passa em uma pequena comunidade racionalizada a partir da mais avançada tecnologia. Truman tem sua vida exposta a milhões de telespectadores, tendo sua imagem vinculada à propaganda de produtos diversos.
Compartilhar:
← Anterior Proxima → Inicio

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagens mais lidas

O QUE É CIÊNCIA - Do método científico às leis científicas

      Comecemos nossa investigação sobre a ciência buscando o significado básico dessa palavra. O termo ciência vem do latim scientia , que...