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ALIENAÇÃO - A pessoa alheia a si mesma

      A palavra alienação vem do latim alienare, "tornar algo alheio a alguém", isto é, "tornar algo pertencente a outro". Hoje, esse termo é usado em diferentes contextos com significações distintas:
• em direito, designa a transferência da propriedade de um bem a outra pessoa. Nesse sentido, costuma-se dizer que "os bens do devedor foram alienados";
• em psicologia, refere-se ao estado patológico do indivíduo que se tornou alheio a si próprio, sentindo-se como um estranho, sem contato consigo mesmo ou com o meio social em que vive;
• na linguagem filosófica contemporânea, corresponde ao processo pelo qual os atos de uma pessoa são dirigidos ou influenciados por outros e se transformam em uma força estranha colocada em posição superior e contrária a quem a produziu. Nesta acepção, a palavra deve muito de seu uso a Karl Marx.

A pessoa alienada perde contato consigo mesma, com sua identidade e valor. Só lhe resta angústia, definida pelo filósofo contemporâneo Heidegger como uma situação afetiva fundamental que nos coloca diante do nada.

      O termo alienação foi utilizado inicialmente por Hegel para designar o processo pelo qual os indivíduos colocam suas potencialidades nos objetos por eles criados. Significaria, assim, uma exteriorização da criatividade humana, de sua capacidade de construir obras no mundo. Nesse sentido, o mundo da cultura seria uma alienação do espírito humano, uma criação do indivíduo, que nela se reconheceria.
      Diferentemente de Hegel, Marx identificou, nesse processo de exteriorização da criatividade, dois momentos distintos. O primeiro seria o da objetivação, que se refere especificamente à capacidade da pessoa de se objetivar, de se exteriorizar nos objetos e nas coisas que cria, o que é algo próprio do saber-fazer humano.
      O segundo momento, para o qual Marx reserva o termo alienação, seria aquele em que o indivíduo, principalmente no capitalismo, após transferir suas potencialidades para seus produtos, deixa de identificá-los como obra sua. Os produtos "não pertencem" mais a quem os produziu. Com isso, são "estranhos" a ele, seja no plano econômico, psicológico, seja no plano social.
      Na sociedade contemporânea, o processo de alienação atinge múltiplos campos da vida humana, impregnando as relações das pessoas com o trabalho, o consumo, o lazer, seus semelhantes e consigo mesmas. Vejamos alguns aspectos dessas relações alienadas, seguindo, em linhas gerais, a análise do psicanalista alemão Erich Fromm (1900-1980) em Psicanálise da sociedade contemporânea (p. 128-147).


Trabalho alienado
    Observa-se nas sociedades de hoje que a produção econômica transformou-se no objetivo imposto às pessoas, isto é, não são as pessoas o objetivo da produção, mas a produção em si.
      Esse processo acentuou-se no século XIX, quando o trabalho na maioria das indústrias tornou-se cada vez mais rotineiro, automatizado e especializado, subdividido em múltiplas operações. Os empresários industriais visavam, com isso, economizar tempo e aumentar a produtividade.
      Como exemplificou o economista escocês Adam Smith (1723-1790), na fabricação de alfinetes, um operário puxava o arame, outro o endireitava, um terceiro o cortava, um quarto o afiava, um quinto o esmerilhava na outra extremidade para a colocação da cabeça, um sexto colocava a cabeça e um sétimo dava o polimento final.
      Essa forma de organização do trabalho em linhas de operação e montagem foi, posteriormente, aperfeiçoada pelo engenheiro e economista estadunidense Frederick Taylor (1856-1915), cujo método ficou conhecido como taylorismo. A principal consequência do taylorismo é que a fragmentação do trabalho conduz a uma fragmentação do saber, pois o trabalhador perde a noção de conjunto do processo produtivo.
      Essa forma de organização do trabalho — que conduz ao trabalho alienado — ainda pode ser observada atualmente em muitas indústrias, onde a função do operário se restringe ao cumprimento de ordens relativas à qualidade e à quantidade da produção. Tudo transcorre sem que o trabalhador possa decidir sobre o resultado final de seu trabalho e sem que tenha controle algum sobre a finalidade do que produz. Sempre repetindo as mesmas operações mecânicas, ele produz bens estranhos à sua pessoa, aos seus desejos e às suas necessidades.
      Ao executar a rotina do trabalho alienado, o trabalhador submete-se a um sistema que, em grande parte, não lhe permite desfrutar financeiramente dos benefícios de sua própria atividade. Assim, no plano econômico, a meta é produzir para satisfazer as necessidades do mercado e não propriamente do trabalhador. Fabricam-se, por exemplo, coisas maravilhosas para uma elite econômica, enquanto o trabalhador mantém-se modesta ou miseravelmente. Erguem-se mansões para os mais abestados, enquanto grande número de trabalhadores mora em condições precárias. Produz-se "inteligência", mas também a estupidez e o bitolamento nos trabalhadores.
      Enfim, o trabalho alienado costuma ser marcado pelo desprazer, pelo embrutecimento e pela exploração do trabalhador. Vejamos como Marx, em Manuscritos econômico-filosóficos descreveu esse processo:

"Primeiramente, o trabalho alienado se apresenta como algo externo ao trabalhador, algo que não faz parte de sua personalidade. Assim, o trabalhador não se realiza em seu trabalho, mas nega-se a si mesmo. Permanece no local de trabalho com uma sensação de sofrimento em vez de bem-estar, com um sentimento de bloqueio de suas energias físicas e mentais que provoca cansaço físico e depressão. Nessa situação, o trabalhador só se sente feliz em seus dias de folga enquanto no trabalho permanece aborrecido. Seu trabalho não é voluntário, mas imposto e forçado.
O caráter alienado desse trabalho é facilmente atestado pelo fato de ser evitado como uma praga; só é realizado à base de imposição. Afinal, o trabalho alienado é um trabalho de sacrifício, de mortificação. É um trabalho que não pertence ao trabalhador mas sim à outra pessoa que dirige a produção." (Primeiro manuscrito, XXIII).

      Atingido pela alienação, o ser humano perde contato com seu eu genuíno, com sua individualidade. Transformando-se em mercadoria — como observou Fromm —, sente-se como uma "coisa" que precisa alcançar sucesso no "mercado das personalidades": sucesso financeiro, profissional, intelectual, social, sexual, político, esportivo etc. O tipo de sucesso perseguido depende do mercado em que a pessoa quer "vender" sua personalidade.

"Como o homem moderno se sente ao mesmo tempo como o vendedor e a mercadoria a ser vendida no mercado, sua autoestima depende de condições que escapam a seu controle. Se ele tiver sucesso, será "valioso"; se não, imprestável. O grau de insegurança daí resultante dificilmente poderá ser exagerado". (Fromm, Análise do homem, p. 73).

      Dominado por essa orientação mercantil alienante, conforme definição de Fromm, o indivíduo não mais se identifica com o que é, sabe ou faz. Para ele, não conta sua realização íntima e pessoal, apenas o sucesso em vender socialmente suas qualidades.

"Tanto suas forças quanto o que elas criam se afastam, tornam-se algo diferente de si, algo para os outros julgarem e usarem; assim, sua sensação de identidade torna-se tão frágil quanto sua autoestima, sendo constituída do total de papéis que ele pode desempenhar: 'Eu sou como você quer que eu seja'." (Fromm, Análise do homem, p. 74).

      As relações sociais também ficam seriamente comprometidas. Cada pessoa vê a outra segundo critérios e valores definidos pelo "mercado de personalidades". O outro passa a valer também como um objeto, uma mercadoria.
      Um dos princípios que orientam as relações alienadas nas sociedades contemporâneas pode ser traduzido nestas palavras: "Não se envolva com a vida interior de ninguém". Esse não envolvimento pode levar a situações de ausência de solidariedade social.


Consumo alienado
    Como podemos definir o termo consumo? Consumir significa utilizar, gastar, dar fim a algo, para alcançar determinado objetivo.
      O ser humano necessita de objetos exteriores para a sua sobrevivência e realização. Por isso, os indivíduos produzem, em sociedade, os objetos para seu consumo.
      E o que seria consumo alienado? Antes de refletirmos sobre esse conceito, consideremos primeiramente o brutal abismo socioeconômico que separa ricos e pobres no mundo inteiro.

"Os 2,5 bilhões de indivíduos mais pobres — ou seja, 40% da população mundial — detêm 5% da renda global, ao passo que os 10% mais ricos controlam 54%. Um a cada dois indivíduos vive com menos de 2 dólares por dia (patamar de pobreza) e um a cada cinco, com menos de 1 dólar por dia (patamar de pobreza absoluta)." (Durand e outros, Atlas da mundialização, p. 32).

      Enquanto boa parte da humanidade enfrenta o drama agudo da fome, da falta de moradia, do desamparo à saúde e à educação, sem o mínimo necessário para sobreviver, uma minoria pode se dar o luxo de consumir quase tudo e esbanjar o supérfluo — e aí que entra o conceito de consumo alienado, como veremos adiante.
       Assim, é principalmente entre a parcela da população de bom poder aquisitivo que ocorre esse fenômeno, já que não tem muito sentido falarmos em consumo alienado entre a multidão de famintos, esmagada pela miséria.


Relação produção-consumo
    Karl Marx observou que produção é ao mesmo tempo consumo, pois quando o trabalhador produz algo, além de consumir matéria-prima e os próprios instrumentos de produção, que se desgastam ao serem utilizados, ele também consome suas forças vitais nesse trabalho.
      Por outro lado, complexa Marx, consumo é também produção, pois os homens se produzem através do consumo. Isso se verifica de forma mais imediata na nutrição, processo vital pelo qual consumimos alimentos para "produzir" nosso corpo. Porém, o consumo nos produz não apenas no plano físico, mas também nos aspectos intelectual e emocional, como ser total.
      Há, portanto, uma relação dialética entre consumo e produção. A produção cria não só bens materiais e não materiais, mas também o consumidor para esses bens. Se não fosse assim, a produção não teria sentido. Ou seja, quando se produz algo, é preciso que alguém consuma essa produção.
      Por isso, a publicidade (divulgação de produtos nas diversas mídias, como jornal, TV, volantes etc.) é elemento fundamental das sociedades capitalistas, uma vez que é por meio delas que se impulsiona nos indivíduos a necessidade de consumir mercadorias. E aí começa uma "roda-viva"; a produção cria o consumo, o consumo cria a necessidade de uma nova produção, e assim por diante. Essa dupla criação de necessidades (a produção criando o consumo e o consumo criando a produção) gera a "reprodução" do sistema capitalista.
      Mas onde está a alienação no consumo?
      Se entendemos que os homens se formam interagindo com o mundo objetivo, consumir significa participar de um patrimônio construído pela sociedade. Assim, além de entender às necessidades individuais, o consumo expressaria também a forma pela qual o indivíduo está integrado à sociedade.
      No entanto, nas sociedades contemporâneas, observamos a exclusão da maior parte das pessoas do consumo efetivo do patrimônio produzido, em vista das desigualdades econômicas sociais. Além disso, é possível constatar que o circuito produção-consumo não visa atender prioritariamente as necessidades individuais, mas sim as necessidades de expansão do sistema capitalista, de busca permanente de lucratividade, o que levou à mercantilização de todas as coisas.
      Nesse sistema, como aponta o historiador contemporâneo Immanuel Wallersteins em O capitalismo histórico, há algo de absurdo na "lógica capitalista":

"[...] acumula-se capital a fim de se acumular mais capital. Os capitalistas são como camundongos numa roda, correndo sempre mais depressa a fim de correrem ainda mais depressa. Nesse processo, algumas pessoas sem dúvida vivem bem, mas outras vivem miseravelmente, e mesmo as que vivem bem pagam um preço por isso." (p. 34).


Cultura do consumo
    Esses dois aspectos — a exclusão da maior parte das pessoas da possibilidade de consumir e a permanente busca por mais lucro — estão entrelaçados a tal ponto que o filósofo francês contemporâneo Jean Baudrillard considera que a lógica do consumo baseia-se exatamente na impossibilidade de que todos consumam.
      De acordo com sua análise, o consumo funciona como uma forma de afirmar a diferença entre os indivíduos. Veja um exemplo simples: o fato de que alguém possuir um automóvel de luxo só tem sentido se poucos indivíduos o puderem ter. O objeto adquirido funciona, assim, como um signo da diferença de status. Nas palavras do filósofo, "o prazer de mudar de vestuário, de objetos, de carro, vem sancionar psicologicamente constrangimentos de diferenciação social e de prestígio" (Para uma crítica da economia do signo, p. 38).
      A propaganda trata de assegurar essa distinção ao associar marcas e grifes a comportamentos e padrões inacessíveis à maioria da população e, mais que isso, impossíveis de serem alcançados em escala mundial, devido ao impacto que isso significaria em termos do meio ambiente. Essa impossibilidade é, evidentemente, escamoteada.
      Esse tipo de consumo alienado é movido pelo desejo do consumidor de sentir-se uma "exceção" em meio à multidão. É como se a posse de um objeto satisfizesse a perda da própria identidade.
      Os mestres da propaganda sabem disso e se empenham em oferecer produtos que se sucedem em uma rapidez impressionante, como substitutos para essa insatisfação que o indivíduo sente em relação a si próprio. Isso se traduz na busca ansiosa por adquirir o que se deseja; ignora-se a possibilidade de se desejar o que já se adquiriu.
      Em outras palavras, o consumidor alienado age como se a felicidade consistisse, apenas, em uma questão de poder sobre as coisas, ignorando o prazer obtido com aquilo que verdadeiramente ama. Como afirmou o filósofo alemão Max Horkheimer (1885-1973), "quanto mais intensa é a preocupação do indivíduo com o poder sobre as coisas, mais as coisas o dominarão, mais lhe faltarão os traços individuais genuínos" (Eclipse da razão, p. 141).
      Assim, no consumo alienado não existe uma relação direta e real entre o consumidor e o verdadeiro prazer da coisa adquirida. O consumidor compra rótulos e grifes. Escova os dentes com a pasta que lhe garante a certeza de eliminar todas as causas dos problemas que podem afetar sua saúde bucal. Usa o xampu que promete cabelos hidratados e saudáveis.
      Induzidos pela propaganda que promove o fetiche das mercadorias, os consumidores acabam por se transformar em seres passíveis, cujo gosto é condicionado pela rotina de produção daquilo que têm. O consumo deixa de ser um meio de expressão do prazer pessoal e transforma-se em um fim em si mesmo. Torna-se um ato obsessivo alimentado pelo apetite de novidade e de distinção social.

Fetiche — objeto a que se presta culto ou adoração ou que causa fascinação em um indivíduo.

      Para o consumidor alienado, comprar a coleção de roupa recém-lançada, as inovações em informática, os eletrodomésticos de última geração e o mais novo modelo de carro representa um sinal infalível de status, correspondendo ao desejo de projetar o "ter" para substituir o vazio do "ser". Assim, multidões frequentam avidamente os grandes shoppings das cidades para contemplar as novidades das vitrines e, se possível, adquiri-las de imediato.
      Esse desesperado neofilismo (amor obsessivo pelas novidades) afeta praticamente todas as relações de que o ser humano é capaz com o mundo exterior.

"Para as pessoas contaminadas por essa doença cultural, um par de sapatos, uma roupa, um carro perdem o encanto com pouco tempo de uso, exatamente como a pessoa amada, o amigo ou até mesmo a pátria." (Lorenz, Civilização e pecado, p. 60).

      Evidentemente, o neofilismo desenfreado corresponde aos interesses dos grandes produtores econômicos. Produzir objetos que logo se tornam obsoletos é um princípio fundamental da indústria capitalista.
      Escapar a essa armadilha do consumo não é um problema a ser resolvido apenas pela consciência e pela vontade individuais. É uma tarefa ampla que envolve a transformação dos valores dominantes em toda a sociedade.


O lazer alienado
    E o que dizer do nosso lazer? Será que o processo de alienação na sociedade industrial afeta também a utilização de nosso tempo livre? Vejamos.
      A indústria cultural e de diversão vende peças de teatro, filmes, livros, shows, jornais e revistas como qualquer outra mercadoria. E o consumidor alienado compra seu lazer da mesma maneira como compra sua pasta dental ou seu xampu. Consome os "filmes da moda" e frequenta os "lugares badalados", sem um envolvimento autêntico com o que faz.
      Agindo desse modo, muitos se esforçam e até pensam que estão se divertindo, querem acreditar que estão se divertindo. No entanto, "através da máscara da alegria se esconde uma crescente incapacidade para o verdadeiro prazer" (Lobsenz, citado em Lowen, Prazer, p. 13-14).
      Isso quer dizer que a lógica capitalista afeta até mesmo a relação do indivíduo com as obras de arte. Reduzidas ao nível de mercadorias, estas passam a obedecer à lei da oferta e da procura. Tornam-se puros "negócios" fabricados pela indústria cultural, expressão criada por Horkheimer e Theodor Adorno (1906-1969), pensadores da Escola de Frankfurt. E o que era fruto da espontaneidade criativa do sujeito transforma-se em produção padronizada de objetos de consumo com vistas à obtenção de lucros econômicos.

"A técnica da indústria cultural levou apenas à padronização e à produção em série, sacrificando o que fazia a diferença entre a lógica da obra [de arte] e a do sistema social." (Adorno e Horkheimer, Dialética do esclarecimento, p. 114).

Miragem (1998) — Antônio Gaudério. Muitas vezes, o lazer não passa mesmo de uma miragem, uma ilusão.

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