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TRABALHO - Características e história

Marx diz, em O capital, que o ser humano não apenas transforma o material em que trabalha, mas também realiza, nesse material o projeto que trazia em sua consciência. Será isso o que nos diferencia dos outros animais?

      Todo o mundo trabalha, trabalhou ou vai trabalhar um dia. Portanto, o trabalho é mais umas dessas coisas banais, que todos conhecemos. Geralmente o relacionamos com emprego e remuneração (dinheiro). Mas você já parou alguma vez para compreender o que é essencialmente o trabalho e sua função?
      Iniciemos nossa investigação a esse respeito com uma definição genérica. Podemos dizer que trabalho é toda atividade na qual o ser humano utiliza sua energia para satisfazer necessidades ou atingir determinado objetivo. A palavra energia é utilizada, aqui, como a capacidade para realizar uma obra, um trabalho. Energia vem do grego en, que significa "dentro", e érgon, "obra, trabalho".
      Por intermédio do trabalho, o ser humano acrescenta um mundo novo — a cultura — ao mundo natural já existente. Por isso, o trabalho é elemento essencial da relação dialética entre ser humano e natureza, saber e fazer, teoria e prática, conforme ficará mais claro adiante.
      Um dos principais teóricos a respeito do trabalho foi o filósofo alemão Karl Marx (1818-1883). De acordo com sua interpretação, o trabalho é uma atividade tipicamente humana, porque implica a existência de um projeto mental que modela uma conduta a ser desenvolvida para se alcançar um objetivo.

"Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colmeia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas o material sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua vontade. E essa subordinação não é um ato fortuito. Além do esforço dos órgãos que trabalham, é mister a vontade adequada que se manifesta através da atenção durante todo o curso do trabalho." (Maex, O capital, seção III, cap. V).


Papéis do trabalho
    Pensemos agora sobre o papel do trabalho. Para que serve o trabalho? Qual é sua função? Vejamos a seguinte interpretação, que aborda essa questão a partir de duas perspectivas:
• em termos individuais, o trabalho permite ao ser humano expandir suas energias, desenvolver sua criatividade e realizar suas potencialidades. Pelo trabalho o indivíduo é capaz de moldar e mudar a realidade sociocultural e, ao mesmo tempo, transformar a si próprio. Ou seja, trabalhando podemos modificar o mundo e a nós mesmos.
• em termos sociais — isto é, como esforço conjunto dos membros de uma comunidade —, o trabalho tem como objetivos últimos a manutenção e satisfação da vida e o desenvolvimento da sociedade.
      Em resumo, o trabalho teria esse poder de promover a realização do indivíduo, a edificação da cultura e a solidariedade entre os seres humanos. Essa nos parece uma boa definição, como uma visão positiva e ideal do trabalho, o que significa que nem sempre ele cumpre esse papel na vida das pessoas. Apesar de se constituir em uma categoria central da existência para a expressão de nossas potencialidades, o trabalho pode muitas vezes perder sua função libertadora, como apontaram vários filósofos e de acordo com o que podemos observar com frequência em nosso cotidiano. Por que isso ocorre?
      Na interpretação de Marx, ao longo da história, a dominação de uma classe social sobre a outra desviou o trabalho de sua função positiva. Em vez de servir ao bem comum, passou a ser utilizado para o enriquecimento de alguns. De ato de criação virou rotina de reprodução. De recompensa pela liberdade transformou-se em castigo. Enfim, em vez de constituir um elemento de realização de nossas potencialidades, converteu-se em instrumento de alienação.
      É interessante ressaltar que, etimologicamente, o termo trabalho teria vindo do latim trapalium, nome de um instrumento de tortura feito de três paus. Não há exagero em afirmar que, em diversas situações sociais, o trabalho atuou e atua de maneira semelhante, servindo para torturar e triturar o trabalhador.


Trabalho na história
    No decorrer da história das diferentes sociedades, muitas foram as maneiras de organizar e conceber o trabalho. Vejamos alguma delas.


Pré-história
    De acordo com antropólogos, a primeira divisão de trabalho teria se dado entre homens e mulheres. Determinadas tarefas, como caçar, guerrear, garantir a proteção do grupo, eram reservadas aos homens, enquanto os trabalhos domésticos e os cuidados com os filhos destinavam-se às mulheres. Além do gênero, levava-se em conta também a idade e a força física de cada indivíduo.
      Nas comunidades em que a sobrevivência dependia da caça e da coleta, ocorriam migrações quando as reservas naturais de uma região tornavam-se insuficientes para o grupo. Por isso essas comunidades eram nômades (sem habitação fixa).
      Quando os grupos humanos desenvolveram a criação de animais e a agricultura, no período neolítico, surgiram as comunidades sedentárias (que têm habitações fixas). Sua capacidade de produzir alimentos em quantidade maior do que a necessária para o consumo imediato possibilitava a troca de produtos com as aldeias vizinhas.


Antiguidade
    Durante a Antiguidade, o trabalho manual era considerado, em várias sociedades, como uma atividade menor, desprezível, que em pouco se diferenciava da atividade animal. Valorizava-se o trabalho intelectual, próprio dos homens que podiam se dedicar à cidadania, ao ócio, à contemplação e à teoria. Nesse sentido, o filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.) dizia:

"A utilidade do escravo é semelhante à do animal. Ambos prestam serviços corporais para atender às necessidades da vida. A natureza faz o corpo do escravo e do homem livre de forma diferente. O escravo tem corpo forte, adaptado naturalmente ao trabalho servil. Já o homem livre tem corpo ereto, inadequado ao trabalho braçal, porém apto para a vida do cidadão.
[...]
Os cidadãos não devem viver uma vida de trabalho trivial ou de negócios (estes tipos de vida são ignóbeis e incompatíveis com as qualidades morais); tampouco devem ser agricultores os aspirantes à cidadania, pois o lazer (ócio) é indispensável ao desenvolvimento das qualidades morais e à prática das atividades políticas." (Aristóteles, Política, cap. II, 12546b, e cap. VIII, 1329a).


Idade média
    Em muitas sociedades da Europa ocidental, a concepção anterior de trabalho não se alterou substancialmente durante a Idade Média. Santo Tomás de Aquino (1221-1274), teólogo e filósofo cristão, referia-se ao trabalho como um "bem árduo", por meio do qual cada indivíduo se tornaria um ser humano melhor. No entanto, o trabalho intelectual ainda era o mais valorizado. A novidade estava em que, de acordo com o cristianismo medieval, o trabalho passou a ser visto como uma forma de sofrimento que serviria de provação e fortalecimento do espírito para alcançar o reino celestial.


Idade moderna
    A concepção católica sobre o trabalho sofreu contestação significativa a partir da ascensão social da burguesia, na Europa ocidental, a partir do século XVI. Nesse período, desenvolveu-se, no campo religioso, o protestantismo. O trabalho foi revalorizado e enfatizava-se o sucesso econômico, interpretado como um sinal da benção de Deus. De acordo com certa ética protestante (as vertentes calvinistas), o ser humano deveria viver uma vida ativa e lucrativa, pautada pelo trabalho.
      Como analisou o sociólogo alemão Max Weber (1864-1920) em sua obra A ética protestante e o espírito do capitalismo, haveria inclusive uma relação entre essa ética — que valorizava o trabalho e a busca da riqueza —, e o desenvolvimento do capitalismo nos países onde predominava o protestantismo. Mas esse sentido de trabalho ficou restrito às classes que conseguiram acumular capital e investir nas atividades produtivas.


Idade contemporânea
    No século XIX, o filósofo alemão Friedrich Hegel definiria o trabalho como elemento de autoconstrução do ser humano. Ele destaca, assim, o aspecto positivo do trabalho, isto é, o fato de o indivíduo não apenas se formar e se aperfeiçoar através do trabalho, mas também se libertar, pelo domínio que exerce sobre a natureza.
      Karl Marx, embora igualmente enfatize esse aspecto fundamental do trabalho, analisou o papel negativo que ele adquiriu nas sociedades capitalistas. Para Marx, a suposta liberdade do trabalhador assalariado se vê abalada quando, sem outra opção para sobreviver, ele é obrigado a vender sua força de trabalho para quem detém os meios de explorá-la.
      Marx destacou também as condições degradantes a que os trabalhadores teriam de se submeter no processo de produção capitalista, apontando seus efeitos danosos sobre os indivíduos. Entre outros, distingue-se o processo de alienação.
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