Pensar a vida e viver o pensamento, de forma profunda e radical. Isso é filosofar.

Diálogo sobre a produção de bens e Reflexão sobre o modo de produção capitalista

      Temos em seguida dois textos que representam momentos histórico-sociais separados por quase três séculos. O primeiro é um diálogo entre um índio tupinambá (grupo indígena que povoava grande parte do litoral brasileiro nos séculos XVI e XVII) e Jean de Léry (pastor protestante e escritor francês que viveu no Brasil entre 1556 e 1558). O segundo texto, elaborado em 1848, é parte de uma reflexão de Karl Marx e Friedrich Engels sobre o desenvolvimento da burguesia e do modo de produção capitalista. Leia os dois textos e responde às questões que seguem.


Diálogo sobre a produção de bens
    "Uma vez um velho perguntou-se:

      — Por que vindes vós outros, mairs e perôs [franceses e portugueses], buscar lenha de tão longe para vos aquecer? Não tendes madeira em vossa terra?

      Respondei que tínhamos muitas, mas não daquela qualidade, e que não a queimávamos, como ele supunha, mas dela extraíamos tinta para tingir, tal qual o faziam eles com os seus cordões de algodão e suas plumas. Retrucou o velho imediatamente:

      — E porventura precisais de muito?

      — Sim — respondi-lhe — pois no nosso país existem negociantes que possuem mais panos, facos, tesouras, espelhos e outras mercadorias do que podeis imaginar e um só deles compra todo o pau-brasil com que muitos navios voltam carregados.

      — Ah! — retrucou o selvagem — tu me contas maravilhas — acrescentando depois de bem compreender o que eu lhe dissera: — Mas esse homem tão rico de que me falas não morre?

      — Sim — disse eu — morre com os outros.

      Mas os selvagens são grande discursadores e costumam ir em qualquer assunto até o fim, por isso perguntou-me de novo:

      — E quando morre, para quem fica o que deixa?

      — Para os filhos se os têm — respondi. — Na falta destes, para os irmãos ou parentes mais próximos.

      — Na verdade — continuou o velho, que, como vereis, não era nenhum tolo — agora vejo que, vós mairs, sois grandes loucos, pois atravessais o mar e sofreis grandes incômodos, como dizeis quando aqui chegais, e trabalhais tanto para amontoar riquezas para vossos filhos ou para aqueles que vos sobrevivem! Não será a terra que vos nutriu suficiente para alimentá-los também? Temos pais, mães e filhos a quem amamos; mas estamos certos de que depois da nossa morte a terra que nos nutriu também os nutrirá, por isso descansamos sem maiores cuidados."

Lévy, Viagem à terra do Brasil, p. 169-170.


Reflexão sobre o modo de produção capitalista
    Luta de classes

      "A história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história das lutas de classes.

      Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de corporação e companheiro, numa palavra, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada. Uma guerra que terminou sempre ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira ou pela destruição das suas classes em luta.

[...]

      A sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonistas de classe. Não fez senão substituir velhas classes, velhas condições de opressão, velhas formas de luta por outras novas. [...]

      Onde quer que tenha conquistado o poder, a burguesia calcou aos pés as relações feudais, patriarcais e idílicas. Todos os complexos e variados laços que prendiam o homem feudal a seus superiores naturais ela os despedaçou sem piedade, para só deixar subsistir, de homem para homem, o laço do frio interesse, as duras exigências do 'pagamento à vista'. [...]

      A burguesia despojou de sua auréola todas as atividades até então reputadas veneráveis e encaradas com piedoso respeito. Do médico, do jurista, do sacerdote, do poeta, do sábio fez seus servidores assalariados. [...]"

     
      Exploração do mercado mundial

      Impelida pela necessidade de mercados sempre novos, a burguesia invade todo o globo. Necessita estabelecer-se em toda parte, explorar em toda parte, criar vínculos em toda parte.

      Pela exploração do mercado mundial a burguesia imprime um caráter cosmopolita à produção e ao consumo em todos os países. As velhas indústrias nacionais foram destruídas e continuam a sê-lo diariamente. São suplantadas por novas indústrias, cuja introdução se torna uma questão vital para todas as nações civilizadas, indústrias que não empregam mais matérias-primas autóctones mas sim matérias-primas vindas de regiões mais distantes, e cujos produtos se consomem não somente no próprio país, mas em todas as partes do globo.

      Em lugar das antigas necessidades, satisfeitas pelos produtos nacionais, nascem novas necessidades, que reclamam para sua satisfação os produtos das regiões mais longínquas e dos climas mais diversos. Em lugar do antigo isolamento de regiões e nações que se bastavam a si próprias, desenvolvem-se um intercâmbio universal, uma universal interdependência das nações."

Marx e Engels, Manifesto comunista, p. 365-375).

1. De acordo com a informação contida no texto de Jean de Lévy, o que você pode deduzir sobre o modo de produção dos tupinambás? Fundamente sua resposta.

2. Qual é a principal crítica do velho tupinambá à visão europeia sobre o trabalho e a riqueza? Comente.

3. "Impelida pela necessidade de mercados sempre novos, a burguesia invade todo o globo." Existe semelhança entre o processo descrito nessa afirmação e o atual processo de globalização da economia? Justifique sua resposta.

4. Que ponto ou pontos em comum você pode estabelecer nas críticas expressadas nesses dois textos?


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