Por que e para que existe o poder político? Por que encontramos, em toda a parte, um Estado que comanda e um povo que é comandado? Será que sempre existiu o poder político do Estado? Como esse poder surgiu?
Na investigação sobre as origens e os fundamentos das associações políticas, inúmeras respostas foram elaboradas ao longo da história. Vejamos então algumas das questões e formulações mais célebres do pensamento político.
Rei-filósofo para a justiça
O filósofo grego Platão (428-347 a.C.), em seu livro A República, explica que o indivíduo possui três almas: a concupiscente, a irascível e a racional. Pela educação, o indivíduo deveria alcançar um equilíbrio hierárquico, pois, para o filósofo, a alma racional deve preponderar.
Depois, fazendo uma analogia entre o indivíduo e a cidade (pólis), Platão também dividiu esta em três grupos sociais:
• produtores — responsáveis pela produção econômica, como os artesãos e agricultores, criadores de animais etc. Esse grupo corresponderia à alma concupiscente;
• guardiães — responsáveis pela defesa da cidade, como os soldados. Esse grupo corresponderia à alma irascível;
• governantes — responsáveis pelo governo da cidade. Esse grupo corresponderia à alma racional.
A justiça na cidade dependeria do equilíbrio entre esses três grupos sociais, ou seja, cada qual cumprindo sua função, uma vez que se trata de aspectos necessários à vida da cidade. Assim, a cidade é como o corpo do indivíduo que estabelece
Na investigação sobre as origens e os fundamentos das associações políticas, inúmeras respostas foram elaboradas ao longo da história. Vejamos então algumas das questões e formulações mais célebres do pensamento político.
Rei-filósofo para a justiça
O filósofo grego Platão (428-347 a.C.), em seu livro A República, explica que o indivíduo possui três almas: a concupiscente, a irascível e a racional. Pela educação, o indivíduo deveria alcançar um equilíbrio hierárquico, pois, para o filósofo, a alma racional deve preponderar.
Depois, fazendo uma analogia entre o indivíduo e a cidade (pólis), Platão também dividiu esta em três grupos sociais:
• produtores — responsáveis pela produção econômica, como os artesãos e agricultores, criadores de animais etc. Esse grupo corresponderia à alma concupiscente;
• guardiães — responsáveis pela defesa da cidade, como os soldados. Esse grupo corresponderia à alma irascível;
• governantes — responsáveis pelo governo da cidade. Esse grupo corresponderia à alma racional.
A justiça na cidade dependeria do equilíbrio entre esses três grupos sociais, ou seja, cada qual cumprindo sua função, uma vez que se trata de aspectos necessários à vida da cidade. Assim, a cidade é como o corpo do indivíduo que estabelece
"[...] um acordo perfeito entre os três elementos da sua alma, assim como entre os três tons extremos de uma harmonia — o mais agudo, o mais grave, o médio, e os intermédios, se os houver —, e que, ligando-os uns aos outros se transforme, de múltiplo que era, em uno, moderado e harmonioso; [...] e que em todas essas ocasiões considere justa e honesta a ação que salvaguarda e contribui para completar a ordem que implantou em si mesmo [...]." (Platão, A República, p. 145).
É, da mesma forma que a alma racional prepondera no indivíduo, a esfera preponderante na cidade deve ser, para Platão, a dos governantes. Mas quem deve ser o governante?
O filósofo propõe um modelo educativo que possibilita a todos os indivíduos igual acesso à educação, independentemente do grupo social a que pertença por nascimento. Em sua formação, as crianças iriam passando por processos de seleção, ao longo dos quais seriam destinadas a um dos três grupos sociais que formam a cidade. Os mais aptos continuariam seus estudos até o ponto mais alto desse processo — a filosofia — a fim de se tornarem sábios e, assim, habilitados a administrar a cidade.
Dizemos, portanto, que a concepção política de Platão é aristocrática, pois supõe que a grande massa de pessoas é incapaz de dirigir a cidade; apenas uma pequena parcela de sábios está apta a exercer o poder político. Aristocracia (do grego aristoi, "melhores", e cracia, "poder") é a forma de governo em que o poder é exercido pelos "melhores", os quais, na proposta de Platão, constituiriam uma elite (do latim eligere = escolhido) que se distinguiria pelo saber. Trata-se, portanto, de uma "aristocracia do espírito", não baseada no poder econômico.
Isso significa também que Platão não propunha a democracia como a forma ideal de governo. A justificativa para essa posição está em sua alegoria da caverna. Para Platão, o filósofo é aquele que, saindo do mundo das trevas e da ilusão, busca o conhecimento e a verdade no mundo das ideias. Depois deve voltar para dirigir as pessoas que não alcançaram esse ponto. Ele se constituiria, assim, no que ficou popularizado como rei-filósofo, pois aquele que, pela contemplação das ideias, conheceu a essência do bem e da justiça deve governar a cidade.
Animal político
O filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.) afirmava que o ser humano é por natureza um ser social, pois, para sobreviver, não pode ficar completamente isolado de seus semelhantes.
Assim, constituída por um impulso natural do ser humano, a sociedade deve ser organizada conforme essa mesma natureza humana. O que deve guiar, então, a organização de uma sociedade? É a busca de um determinado bem, correspondente aos anseios dos indivíduos que a organizam.
Para Aristóteles, a organização social adequada à natureza humana é a pólis: "a cidade (pólis) encontra-se entre as realidades que existem naturalmente, e o homem é por natureza um animal político" (Política, p. 15).
A pólis grega, portanto, é vista pelo filósofo como um fenômeno natural. Por isso, o ser humano em seu sentido pleno é um animal político, isto é, envolvido na vida da pólis. Assim, Aristóteles toma um fenômeno social característico da Grécia como modelo natural de todo o gênero humano.
Aristóteles também entende que a cidade tem precedência sobre cada um dos indivíduos, uma vez que, isoladamente, o indivíduo não é autossuficiente, e a falta de um indivíduo não destrói a cidade. Assim, afirmou: "o todo deve necessariamente ter precedência sobre as partes" (Política, p. 15).
É por isso que, para Aristóteles, a política é uma continuidade da ética, ou melhor, a ética é entendida como uma parte da política. A ética dirige-se ao bem individual, enquanto a política volta-se para o bem comum.
Príncipe bom e virtuoso
As influências de Platão e Aristóteles no terreno da reflexão política foram marcantes tanto na Antiguidade como na Idade Média. A ideia de que a política tem como objetivo o bem comum, que em Platão seria a justiça e em Aristóteles a vida boa e feliz, orientou grande parte da reflexão política até hoje.
Tempos depois, entre os filósofos romanos antigos, como Cícero e Sêneca, a teoria política passou a privilegiar a formação do bom príncipe, educado de acordo com as virtudes necessárias ao bom desempenho da função administrativa (embora na prática essa teoria tenha se revelado muitas vezes catastrófica). Essa concepção política do bom governante predominou no período medieval.
Direito divino de governar
Na Idade Média, com o desenvolvimento do cristianismo e o esfacelamento do império romano, a Igreja consolidou-se, primeiramente, como um poder extra-político. Santo Agostinho, por exemplo, separava a Cidade de Deus — a comunidade cristã — da cidade dos homens — a comunidade política.
Mas depois, ao longo da Idade Média e em parte da Idade Moderna, ocorreu uma aliança entre o poder eclesiástico e o poder político. E como a Igreja Católica entendia que todo poder pertence a Deus, surgiu a ideia de que os governantes seriam representantes de Deus na Terra. O rei passou, então, a ter o direito divino de governar.
Assim, embora a relação entre o poder temporal dos reis e o poder espiritual da Igreja tenha sido um grande problema durante a Idade Média, de forma geral persistiu o elo entre a ideia do governante como representante de Deus, bem como a ideia de monarquia como a forma política mais natural e adequada à realização do bem comum.
No entanto, as principais formulações teóricas em defesa do direito divino dos reis surgiriam somete na época moderna, propostas por Jacques Bossuet (1627-1704) e Jean Bodin (cujas ideias veremos adiante).
Separação entre política e estética
O filósofo italiano Nicolau Maquiavel (1469-1527) é considerado o fundador do pensamento político moderno, uma vez que desenvolveu sua filosofia política em um quadro teórico completamente diferente do que se tinha até então.
No pensamento antigo a política estava relacionada com a ética e, na Idade Média, essa ideia permaneceu, acrescida dos valores cristãos. Ou seja, o bom governante seria aquele que possuísse as virtudes cristãs e as implementasse no exercício do poder político.
Maquiavel observou, porém, que havia uma distância entre o ideal de política e a realidade política de sua época. Escreveu então o livro O príncipe (1513-1515), com o propósito de tratar da política tal como ela se dá, ou seja, sem pretender fazer uma teoria da política ideal, mas, ao contrário, compreender e esclarecer a política real.
Dessa forma, Maquiavel afastou-se da concepção idealizada de política. Centrou sua reflexão na constatação de que o poder político tem como função regular as lutas e tensões entre os grupos sociais, os quais, em seu entendimento, eram basicamente dois: o grupo dos poderosos e o povo. Essas lutas e tensões existiriam sempre, de tal forma que seria ilusão buscar um bem comum para todos.
Mas se a política não tem como objetivo o bem comum, qual seria então seu objetivo?
Maquiavel respondeu: a política tem como objetivo a manutenção do poder do Estado. E, para manter o poder, o governante deve lutar com todas as armas possíveis, sempre atento às correlações de forças que se mostram a cada instante. Isso significa que a ação política não cabe nos limites do juízo moral. O governante deve fazer aquilo que, a cada momento, se mostra interessante para conservar seu poder. Não se trata, portanto, de uma decisão moral, mas sim de uma decisão que atende à lógica do poder.
Os fins justificam os meios
Para Maquiavel, na ação política não são os princípios morais que contam, mas os resultados. É por isso que, segundo ele, os fins justificam os meios. Desse modo, escreveu em O príncipe:
Separação entre política e estética
O filósofo italiano Nicolau Maquiavel (1469-1527) é considerado o fundador do pensamento político moderno, uma vez que desenvolveu sua filosofia política em um quadro teórico completamente diferente do que se tinha até então.
No pensamento antigo a política estava relacionada com a ética e, na Idade Média, essa ideia permaneceu, acrescida dos valores cristãos. Ou seja, o bom governante seria aquele que possuísse as virtudes cristãs e as implementasse no exercício do poder político.
Maquiavel observou, porém, que havia uma distância entre o ideal de política e a realidade política de sua época. Escreveu então o livro O príncipe (1513-1515), com o propósito de tratar da política tal como ela se dá, ou seja, sem pretender fazer uma teoria da política ideal, mas, ao contrário, compreender e esclarecer a política real.
Dessa forma, Maquiavel afastou-se da concepção idealizada de política. Centrou sua reflexão na constatação de que o poder político tem como função regular as lutas e tensões entre os grupos sociais, os quais, em seu entendimento, eram basicamente dois: o grupo dos poderosos e o povo. Essas lutas e tensões existiriam sempre, de tal forma que seria ilusão buscar um bem comum para todos.
Mas se a política não tem como objetivo o bem comum, qual seria então seu objetivo?
Maquiavel respondeu: a política tem como objetivo a manutenção do poder do Estado. E, para manter o poder, o governante deve lutar com todas as armas possíveis, sempre atento às correlações de forças que se mostram a cada instante. Isso significa que a ação política não cabe nos limites do juízo moral. O governante deve fazer aquilo que, a cada momento, se mostra interessante para conservar seu poder. Não se trata, portanto, de uma decisão moral, mas sim de uma decisão que atende à lógica do poder.
Os fins justificam os meios
Para Maquiavel, na ação política não são os princípios morais que contam, mas os resultados. É por isso que, segundo ele, os fins justificam os meios. Desse modo, escreveu em O príncipe:
"Não pode e não deve um príncipe prudente manter a palavra empenhada quando tal observância se volte contra ele e hajam desaparecido as razões que a motivaram. [...] Nas ações de todos os homens, especialmente os príncipes, [...] os fins é que contam. Faça, pois, o príncipe tudo para alcançar e manter o poder; os meios de que se valer serão sempre julgados honrosos e louvados por todos, porque o vulgo [o povo, a maioria das pessoas] atenta sempre para aquilo que parece ser e para os resultados." (p. 112-113).
Nessa obra, o filósofo faz uma análise não moral dos atos de diversos governantes, procurando mostrar em que momentos suas opções foram interessantes para a manutenção do poder político. Deve-se a essa franqueza despudorada o uso pejorativo do adjetivo maquiavélico, que designa o comportamento "sem moral".
Mas o que se deve reter do pensamento de Maquiavel é que ele inaugura um novo patamar de reflexão política, que procura compreender e descrever a ação política tal como se dá realmente. Seu mérito é ter compreendido que a política, no início da Idade Moderna, desvinculava-se das esferas da moral e da religião, constituindo-se em uma esfera autônoma.
Assim, no campo da política, os fins justificam os meios. No campo da moral, no entanto, não seria correto separar meios e fins, já que toda conduta deve ser julgada por seu valor intrínseco, independente do fim, do resultado.
Teoria do direito divino
Jurista e filósofo francês, Jean Bodin (1530-1596) defendeu em sua obra A república o conceito de soberano perpétuo e absoluto, cuja autoridade representa "a imagem de Deus na Terra" (teoria do direito divino dos reis).
O termo república é usado aqui em seu sentido etimológico de coisa pública (do latim res, "coisa"), e não como forma de governo oposta à monarquia, em que o poder político se encontra nas mãos de um só governante, príncipe ou rei.
Na mesma linha de pensamento de Santo Tomás de Aquino, Jean Bodin afirmava ser a monarquia o regime mais adequado à natureza das coisas. Argumentava que a família tem um só chefe, o pai; o céu tem apenas um sol; o universo, só um Deus criador. Assim, a soberania (força de coesão social) do Estado só podia realizar-se plenamente na monarquia.
Essa soberania, entretanto, não devia ser confundida com o governo tirânico, em que o monarca,
"[...] desprezando as leis da natureza, abusa das pessoas livres como de escravos, e dos bens dos súditos como dos seus [...] quanto às leis divinas e naturais, todos os princípios da terra estão sujeitos, e não está em seu poder transgredi-las [...]. (Bodin, citado em Chevalier, As grandes obras políticas, p. 59-60).
Dentre essas leis naturais, Bodin destacava o respeito que o Estado deve ter em relação ao direito à liberdade dos súditos e às suas propriedades materiais.
Questão da criação do Estado
Outra questão que ocupou bastante os filósofos dos séculos XVII e XVIII foi a justificação racional para a existência das sociedades humanas e para a criação do Estado. De modo geral, essa preocupação apresentou-se da seguinte forma:
• Qual é a natureza do ser humano? Qual é o seu estado natural? — em suas diversas conjeturas, esses filósofos chegaram, em geral, à conclusão básica de que os seres humanos são, por natureza, livres e iguais.
• Como explicar então a existência do Estado e como legitimar seu poder? — com base na tese de que todos são naturalmente livres e iguais, deduziram que, em dado momento, por um conjunto de circunstâncias e necessidades, os indivíduos se viram obrigados a abandonar essa liberdade e estabelecer entre si um acordo, um pacto ou contrato social, o qual teria dado origem ao Estado.
Por esse motivo, essas explicações ficaram conhecidas como teorias contratualistas.
Necessidade do Estado soberano
O primeiro grande contratualista foi o filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679) Em sua investigação, concluiu que o ser humano, embora vivendo em sociedade, não possui o instinto natural de sociabilidade, como afirmou Aristóteles.
Cada indivíduo sempre encara seu semelhante como um concorrente que precisa ser dominado. Onde não houve o domínio de um indivíduo sobre outro, dirá Hobbes, existirá sempre uma competição intensa até que esse domínio seja alcançado.
Guerra de todos contra todos
A consequência óbvia dessa disputa infindável entre os seres humanos em estado de natureza foi gerar um estado de guerra e de matança permanente nas comunidades primitivas. Nas palavras de Hobbes, "o homem é o lobo do próprio homem" (da expressão latina homo homini lupus).
Só havia uma solução para dar fim à brutalidade social primitiva: a criação artificial da sociedade política, administrada pelo Estado. Para isso, os indivíduos tiveram que firmar um contrato entre si (contrato social), pelo qual cada um transferia seu poder de governar a si próprio para um terceiro — o Estado —, para que este governasse a todos, impondo ordem, segurança e direção à conturbada vida social.
Hobbes apresentou essas ideias primeiro em sua obra Do cidadão e depois em Leviatã. Nesta última, compara o Estado a uma criação monstruosa do ser humano, destinada a pôr fim à anarquia e ao caos da comunidade primitiva. O nome Leviatã refere-se ao monstro bíblico citado no Livro de Jó (40-41), onde é assim descrito:
• Como explicar então a existência do Estado e como legitimar seu poder? — com base na tese de que todos são naturalmente livres e iguais, deduziram que, em dado momento, por um conjunto de circunstâncias e necessidades, os indivíduos se viram obrigados a abandonar essa liberdade e estabelecer entre si um acordo, um pacto ou contrato social, o qual teria dado origem ao Estado.
Por esse motivo, essas explicações ficaram conhecidas como teorias contratualistas.
Necessidade do Estado soberano
O primeiro grande contratualista foi o filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679) Em sua investigação, concluiu que o ser humano, embora vivendo em sociedade, não possui o instinto natural de sociabilidade, como afirmou Aristóteles.
Cada indivíduo sempre encara seu semelhante como um concorrente que precisa ser dominado. Onde não houve o domínio de um indivíduo sobre outro, dirá Hobbes, existirá sempre uma competição intensa até que esse domínio seja alcançado.
Guerra de todos contra todos
A consequência óbvia dessa disputa infindável entre os seres humanos em estado de natureza foi gerar um estado de guerra e de matança permanente nas comunidades primitivas. Nas palavras de Hobbes, "o homem é o lobo do próprio homem" (da expressão latina homo homini lupus).
Só havia uma solução para dar fim à brutalidade social primitiva: a criação artificial da sociedade política, administrada pelo Estado. Para isso, os indivíduos tiveram que firmar um contrato entre si (contrato social), pelo qual cada um transferia seu poder de governar a si próprio para um terceiro — o Estado —, para que este governasse a todos, impondo ordem, segurança e direção à conturbada vida social.
Hobbes apresentou essas ideias primeiro em sua obra Do cidadão e depois em Leviatã. Nesta última, compara o Estado a uma criação monstruosa do ser humano, destinada a pôr fim à anarquia e ao caos da comunidade primitiva. O nome Leviatã refere-se ao monstro bíblico citado no Livro de Jó (40-41), onde é assim descrito:
"O seu corpo é como escudos de bronze fundido [...] Em vota de seus dentes está o terror [...] O seu coração é duro como a pedra, e apertado como a bigorna do ferreiro. No seu pescoço está a força, e diante dele vai a fome [...] Não há poder sobre a terra que se lhe compare, pois foi feito para não ter medo de nada."
Vejamos, nas palavras do próprio Hobbes, como ele imaginou o estabelecimento do contrato social que deu origem ao Estado (Leviatã). Para o filósofo, a única maneira que os indivíduos tinham para instituir, entre si, um poder comum era
"[...] conferir toda sua força e poder a um homem, ou a uma assembleia, de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade [...] é como se cada homem dissesse a cada homem [...] transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este Homem, ou a esta Assembleia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações. Feito isto, à multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado [...] É esta a geração daquele grande Leviatã [...] ao qual devemos [...] nossa paz e defesa. Pois graças a esta autoridade que lhe é dada por cada indivíduo no Estado, é-lhe conferido o uso de tamanho poder e força que o terror assim inspirado o torna capaz de conformar as vontades de todos eles, no sentido da paz em seu próprio país, e da ajuda mútua contra os inimigos estrangeiros. É nele que consiste a essência do Estado, a qual pode ser assim definida: uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum. Àquele que é portador dessa pessoa se chama Soberano, e dele se diz que possui poder soberano. Todos os restantes são súditos." (Leviatã, p. 105-106).
Concepção do Estado liberal
Assim como Hobbes, o filósofo inglês John Locke (1632-1704) também refletiu sobre a origem do poder político e sua necessidade de congregar os seres humanos, que, em estado de natureza, viviam isolados.
No entanto, enquanto Hobbes imagina um estado de natureza marcado pela violência e pela "guerra de todos contra todos" Locke faz uma reflexão mais moderada. Refere-se ao estado de natureza como uma condição na qual, pela falta de uma normatização geral, cada um seria juiz de sua própria causa, o que levaria ao surgimento de problemas nas relações entre os indivíduos.
Para evitar esses problemas é que o Estado teria sido criado. Sua função seria a de garantir a segurança dos indivíduos e de seus direitos naturais, como a liberdade e a propriedade, conforme expõe Locke em sua obra Segundo tratado sobre o governo.
Diferentemente de Hobbes, portanto, Locke concebe a sociedade política como um meio de assegurar os direitos naturais e não como o resultado de uma transferência dos direitos dos indivíduos para o governante. E assim nasce a concepção de Estado liberal, segundo a qual o Estado deve regular as relações entre os indivíduos e atuar como juiz nos conflitos sociais. Mas deve fazer isso garantindo as liberdades e direitos individuais, tanto no que se refere ao pensamento e expressão quanto à propriedade e atividade econômica.
Separação dos poderes
É de autoria do pensador francês Charles de Secondat, mais conhecido como barão de Montesquieu (1689-1755), a teoria a respeito de uma das características mais interessantes do Estado moderno: a divisão funcional dos três poderes.
Ao refletir sobre a possibilidade de abuso do poder nas monarquias, Montesquieu propôs que se estabelecesse a divisão do poder político em três instâncias: poder Executivo (que executa as normas e decisões relativas à administração pública), poder Legislativo (que elabora e aprova as leis) e poder Judiciário (que aplica as leis e distribui a proteção jurisdicional pedida aos juízes).
Em sua obra O espírito das leis (1748), Montesquieu assim escreve sobre a questão dos poderes:
Embora já houvesse na época uma divisão de poderes próxima da proposta por Montesquieu, é significativa em sua obra a ênfase atribuída à necessidade de separação desses poderes, que devem ser exercidos por pessoas diferentes, e à necessidade de equilíbrio entre eles.
Da vontade geral surge o Estado
O filósofo de origem suíça Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) é outro pensador que formulou uma teoria contratualista, assim como Hobbes e Locke.
Rousseau, em sua obra Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens, glorifica os valores da vida natural e ataca a corrupção, a avareza e os vícios da sociedade civilizada. Exalta a liberdade que o selvagem teria desfrutado na pureza do seu estado natural, contrapondo-o à falsidade e ao artificialismo da vida civilizada.
Na sua obra Do contrato social, o filósofo foi mais além: procurou investigar não só a origem do poder político e a existência ou não de uma justificativa válida para os indivíduos, originalmente livres, terem submetido sua liberdade ao poder político do Estado, mas também a condição necessária para que o poder político seja legítimo:
Separação dos poderes
É de autoria do pensador francês Charles de Secondat, mais conhecido como barão de Montesquieu (1689-1755), a teoria a respeito de uma das características mais interessantes do Estado moderno: a divisão funcional dos três poderes.
Ao refletir sobre a possibilidade de abuso do poder nas monarquias, Montesquieu propôs que se estabelecesse a divisão do poder político em três instâncias: poder Executivo (que executa as normas e decisões relativas à administração pública), poder Legislativo (que elabora e aprova as leis) e poder Judiciário (que aplica as leis e distribui a proteção jurisdicional pedida aos juízes).
Em sua obra O espírito das leis (1748), Montesquieu assim escreve sobre a questão dos poderes:
"Quando os poderes legislativo e executivo ficam reunidos numa mesma pessoa ou instituição do Estado, a liberdade desaparece [...] Não haverá também liberdade se o poder judiciário se unisse ao executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor. E tudo estaria perdido se uma mesma pessoa ou instituição do Estado exercesse os três poderes: o de fazer as leis, o de ordenar a sua execução e o de julgar os conflitos entre os cidadãos." (p. 168).
Embora já houvesse na época uma divisão de poderes próxima da proposta por Montesquieu, é significativa em sua obra a ênfase atribuída à necessidade de separação desses poderes, que devem ser exercidos por pessoas diferentes, e à necessidade de equilíbrio entre eles.
Da vontade geral surge o Estado
O filósofo de origem suíça Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) é outro pensador que formulou uma teoria contratualista, assim como Hobbes e Locke.
Rousseau, em sua obra Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens, glorifica os valores da vida natural e ataca a corrupção, a avareza e os vícios da sociedade civilizada. Exalta a liberdade que o selvagem teria desfrutado na pureza do seu estado natural, contrapondo-o à falsidade e ao artificialismo da vida civilizada.
Na sua obra Do contrato social, o filósofo foi mais além: procurou investigar não só a origem do poder político e a existência ou não de uma justificativa válida para os indivíduos, originalmente livres, terem submetido sua liberdade ao poder político do Estado, mas também a condição necessária para que o poder político seja legítimo:
"O homem nasceu livre e, não obstante, está acorrentado em toda parte. Julga-se senhor dos demais seres sem deixar de ser tão escravo como eles. Como se tem realizado esta mutação? Ignoro-o. Que pode legitimá-la? Creio poder responder a esta questão." (p. 37).
Rousseau defende a tese de que o único fundamento legítimo do poder político é o pacto social pelo qual cada cidadão, como membro de um povo, concorda em submeter sua vontade particular à vontade geral. Isso significa que cada indivíduo, como cidadão, somente deve obediência ao poder político se esse poder representar a vontade geral do povo ao qual pertence. O compromisso de cada cidadão é com o seu povo. E somente o povo é a fonte legítima da soberania do Estado.
Essencialmente, Rousseau, em Do contrato social, define o pacto social nos seguintes termos: "Cada um de nós põe sua pessoa e poder sob uma suprema direção da vontade geral, e recebe ainda cada membro como parte indivisível do todo" (p. 49).
Assim, cada cidadão passa a assumir obrigações em relação à comunidade política, sem estar submetido à vontade particular de uma única pessoa. Unindo-se a todos, só deve obedecer às leis, que, por sua vez, devem exprimir a vontade geral. Desse modo, respeitar as leis é o mesmo que obedecer à vontade geral e, ao mesmo tempo, é respeitar a si mesmo, sua própria vontade como cidadão, cujo interesse deve ser o bem comum.
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Hagar — Dik Browne. |
Do Estado surge o indivíduo
O filósofo alemão Georg W. Friedrich Hegel (1770-1831) criticou a concepção liberal do Estado, encontrada tanto em Locke como em Rousseau, uma vez que essa concepção parte da ideia do indivíduo isolado que, posteriormente, teria se organizado em sociedade. Para Hegel, isso é um equívoco. Não existe o indivíduo em estado de natureza. O indivíduo humano é um ser social, que só encontra seu sentido no Estado. O indivíduo isolado é uma abstração.
O Estado, por sua vez, não é a simples soma de muitos indivíduos, não é formado a partir da vontade dos indivíduos, nem é fruto de um contrato, como haviam pensado Hobbes, Locke e Rousseau.
De acordo com a reflexão política de Hegel, o indivíduo é parte orgânica de um todo: o Estado. É historicamente situado, alguém que fala uma língua e é criado dentro de uma tradição. Essas características são anteriores a cada um dos indivíduos isolados, e são elas que o definem como ser. É por isso que o filósofo considera que o Estado precede o indivíduo.
O Estado é concebido por Hegel, portanto, como fundador da sociedade civil, ao contrário de Rousseau, por exemplo, para quem é a sociedade, os indivíduos em seu conjunto, que cria o Estado.
Para entender melhor essa concepção hegeliana, é preciso recordar um pouco da sua filosofia. Como vimos aqui, para Hegel a realidade é a manifestação da razão ou espírito. O Estado seria, então, a manifestação do espírito objetivo em seu desenvolvimento, uma esfera que concilia a universalidade humana com os interesses particulares dos indivíduos da sociedade civil. Sendo uma manifestação da razão, o Estado possui uma universalidade que está acima da soma dos interesses individuais. Conforme escreve Hegel:
"O Estado é a realidade efetiva da ideia ética [...]. O indivíduo tem, por sua vez, sua liberdade substancial no sentimento de que ele (o Estado) é sua própria essência, o fim e o produto de sua atividade [...] por ser o Estado o espírito objetivo, o indivíduo só tem objetividade, verdade e ética se toma parte dele." (Principios de la filosofía del derecho, p. 283-284).
Instrumento do domínio de classe
Para os filósofos alemães Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), a sociedade humana primitiva era uma sociedade sem classes e sem Estado. Nessa sociedade pré-civilizada, as funções administrativas eram exercidas pelo conjunto dos membros da comunidade (clã, tribo etc.).
Em um determinado estágio do desenvolvimento histórico das sociedade humanas, certas funções administrativas, antes exercidas pelo conjunto da comunidade, tornaram-se privativas de um grupo separado de pessoas que detinha força para impor normas e organização à vida coletiva. Teria sido através desse núcleo de pessoas que se desenvolveu o Estado.
Isso teria ocorrido, segundo Marx e Engels, em certo momento de desenvolvimento econômico em que surgiram as desigualdades de classes e os conflitos entre explorados e exploradores. Assim, o papel do Estado teria sido o de amortecer o choque desses conflitos, evitando uma luta diária entre as classes antagônicas.
Até aqui, não estamos longe da teoria liberal. Mas, conforme escreveu Engels em A origem da família, da propriedade privada e do Estado, embora o Estado tenha nascido da necessidade de conter esses antagonismos, nasceu também no meio do conflito e, por isso, acabou sendo sempre representado pela classe mais poderosa, aquela que tinha a força para reprimir a classe dominada: os escravos na Antiguidade, os servos e camponeses no feudalismo e os trabalhadores assalariados no capitalismo.
Assim, Marx e Engels concebem o Estado atuando geralmente como um instrumento do domínio de classe. Na sociedade capitalista, poe exemplo, o domínio de classe se identificaria diretamente com a "proteção da propriedade privada" dos que possuem, contrariando os interesses daqueles que nada têm. Proteger a propriedade privada capitalista implica preservar as relações sociais, as normas jurídicas, enfim, a segurança dos proprietários burgueses.
Manutenção da desigualdade
Essa concepção do Estado como instrumento de dominação de uma classe sobre a outra estabelece, portanto, uma relação entre as condições materiais de existência de determinada sociedade e a forma de Estado que ela adota. Ou seja, o Estado é determinado pela estrutura social de modo a atender às demandas específicas de uma dada forma de sociabilidade, garantindo que essa forma se mantenha.
Isso significa que o Estado só é necessário devido ao "caráter antissocial desta vida civil" (Marx, Glosas críticas ao artigo "O rei da Prússia e a reforma social", p. 513). Ou seja, o Estado existe para administrar os problemas causados pela forma antissocial (desigual, excludente) da sociedade civil. E só poderia deixar de existir quando a sociedade não fosse mais dividida em classes antagônicas.
Assim, Marx e Engels diferenciaram-se de todos os outros autores anteriores, porque sua crítica ao Estado não visava atingir uma ou outra forma de Estado, mas a essência mesma do Estado, de qualquer Estado: o Estado origina-se exatamente das insuficiências de uma sociedade em realizar em si mesma, de forma concreta, os ideais universalistas, ou seja, em garantir em sua dinâmica a igualdade de condições sociais. Portanto, o Estado nasce da desigualdade para manter a desigualdade.
Sugestões de filmes
• O que é isso, companheiro? (1997, Brasil, direção de Bruno Barreto)
Filme que se passa na época da ditadura militar no Brasil. Baseado em livro homônimo do jornalista e político brasileiro Fernando Gabeira, retrata a organização dos movimentos clandestinos e, especificamente, o sequestro do então embaixador norte-americano para depois negociar a sua libertação em troca da soltura de presos políticos.
• Testa de ferro por acaso (1976, EUA, direção de Martin Ritt)
Filme que retrata a histeria do anticomunismo nos EUA na época do macarthismo.
• Missing — o desaparecido (1982, EUA, direção de Constantin Costa-Gravas)
Relato dramático, baseado em fato real, sobre a busca empreendida pelo pai e pela esposa de um norte-americano desaparecido após o golpe de Pinochet, no Chile.
• Reds (1981, EUA, direção de Warren Beatty)
Filme que enfoca uma parte da revolução socialista soviética, através da história do repórter norte-americano John Reed, que fazia a cobertura dos acontecimentos. Mostra o processo revolucionário, suas tensões e suas contradições.
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