Enquanto isso, a vida se tornara incontrolavelmente complicada para o nosso filósofo. De um lado, ele se indispusera com Alexandre por ter protestado contra a execução de Calístenes (sobrinho de Aristóteles), que se recusara a adorar Alexandre como um deus; e Alexandre responder ao protesto dando a entender que estava perfeitamente dentro de sua onipotência mandar matar até mesmo filósofos. Ao mesmo tempo, Aristóteles se ocupava em defender Alexandre entre os atenienses. Ele preferia a solidariedade grega ao patriotismo municipal, e achava que a cultura e a ciência iriam florescer melhor quando terminassem os pequenos estados independentes e as disputas; e via em Alexandre o que Goethe iria ver em Napoleão ― a unidade filosófica de um mundo caótico e intoleravelmente multiforme. Os atenienses, ansiando pela liberdade, resmungavam contra Aristóteles e ficaram com raiva quando Alexandre mandou erguer uma estátua do filósofo no coração da cidade hostil. Nesse torvelinho, temos uma impressão de Aristóteles inteiramente diversa da que nos foi deixada pela sua Ética: um homem não frio e desumanamente calmo, mas um lutador, executando seu trabalho titânico rodeado de inimigos. Os sucessores de Platão na Academia, a escola retórica de Isócrates, e as iradas multidões que se extasiavam com a ácida eloquência de Demóstenes faziam intrigas e clamavam pelo seu exílio ou pela sua morte.
E então, de repente (323 a.C.), Alexandre morreu. Atenas delirou de júbilo patriótico; o partido macedônio foi derrubado, e a independência ateniense proclamada. Antípatro, sucessor de Alexandre e amigo íntimo de Aristóteles, marchou sobre a cidade rebelde. A maioria dos membros do partido macedônio fugiu. Eurímedon, um sumo sacerdote, apresentou uma acusação contra Aristóteles, de que ele ensinara que orações e sacrifícios de nada adiantavam. Aristóteles se viu fadado a ser julgado por jurados e multidões incomparavelmente mais hostis do que as que haviam assassinado Sócrates. Muito sabiamente, saiu da cidade, dizendo que não iria dar a Atenas a chance de pecar uma segunda vez contra a filosofia. Não houve covardia neste ato; uma pessoa acusada, em Atenas, tinha sempre a opção de preferir o exílio (Grote, 20). Chegando a Cálcis Aristóteles caiu doente; Diógenes Laércio nos conta que o velho filósofo, decepcionadíssimo com o fato de tudo ter se voltado contra ele, cometeu suicídio bebendo cicuta. Fosse qual fosse a causa, a sua doença lhe foi fatal; e, poucos meses depois de deixar Atenas (322 a.C.), o solitário Aristóteles morreu.
No mesmo ano, e com a mesma idade, 62 anos, Demóstenes, o maior dos inimigos de Alexandre, tomou veneno. Num espaço de doze meses, a Grécia havia perdido o seu maior governante, o seu maior orador e o seu maior filósofo. A glória que havia sido a Grécia empalideceu, agora, no raiar do sol romano; e a grandeza que se tornou Roma foi mais a pompa do poder do que a luz do pensamento. E então aquela grandeza também decaiu, aquela luzinha quase se apagou. Durante mil anos, a escuridão estendeu-se sobre a face da Europa. O mundo todo esperava a ressurreição da filosofia.
A História da Filosofia, de Will Durant
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