Pensar a vida e viver o pensamento, de forma profunda e radical. Isso é filosofar.

Apologia de Sócrates - Parte XXV e XXVI

XXV

    Ao contrário, talvez vos pareça que eu, ainda falando disso, o faça com arrogância, pouco mais ou menos como quando falava da consideração e dos rogos; mas não é assim, cidadãos atenienses, antes é deste modo: estou persuadindo de que não ofendo ninguém por minha vontade, mas não vos posso persuadir também disto, porque o tempo em que estamos raciocinando juntos é brevíssimo; e eu creio que, se as vossas leis, como as de outros povos, não decidissem um juízo capital em um dia, mas em muitos, vos persuadiria: Ora, não é fácil, em tão pouco tempo, destruir tão grandes calúnias.
    Estando, pois, convencido de não ter feito injustiça a ninguém, estou bem longe de fazê-la, a mim mesmo e dizer, em meu dano, que mereço um mal, e me assinalar um de tal sorte. Quem devo temer? É possível que eu não tenha de sofrer a pena que me assinala Meleto, e que eu digo ignorar se será um bem ou mal? E, ao contrário disso, deverei escolher uma daquelas que sei bem ser um mal, e propor-me essa pena? O cárcere? E por que devo viver no cárcere, escravo do magistrado que o preside, escravo dos Onze. Ou uma multa, ficando amarrado, enquanto não acabe de pegá-la? Seria, pois, o exílio que deveria propor como pena para mim? É possível que vós me indiqueis essa pena. Ah!, eu teria verdadeiramente um amor excessivo à vida se fosse irrefletido a ponto de não ser capaz de refletir nisso: vós que sois meus concidadãos acabastes por não achar meios de suportar meus sermões; estes se tornaram para vós um fardo bastante pesado e detestável para que hoje procurei livrar-vos, serão os meus sermões mais fáceis de suportar para os outros? Muito longe disso, atenienses!
    Bela vida, em verdade, seria a minha, nesta idade, viver fora da pátria, passando de uma cidade a outra, expulso em degredo.
    Sei bem que onde quer que eu vá, os jovens ouvirão os meus discursos como aqui: se eu os repelir, eles mesmos me mandarão embora, convencendo os velhos a fazê-lo; e se não os repelir, os seus pais e parentes me mandarão embora igualmente, sob qualquer pretexto.

XXVI

    Ora, é possível que alguém perguntasse: — Sócrates, não poderias viver longe da pátria, calado e em paz? Eis justamente o que é mais difícil fazer e aceitar a alguns dentre vós: Se digo que seria desobedecer aos Deus e que, por essa razão, eu não poderia ficar tranquilo, não acreditaríeis em mim, supondo que tal afirmação é, de minha parte, uma fingida ingenuidade. Se, ao contrário, digo que o maior bem para um homem é justamente este, falar todos os dias sobre a virtude e os outros argumentos sobre os quais me ouvistes raciocinar, examinando a mim mesmo e aos outros e, que uma vida sem esse exame não é digna de ser vivida, ainda menos acreditaríeis ouvindo-me dizer tais coisas. Entretanto, é assim, como digo, ó cidadãos, mas aqui não é fácil ser persuasivo.
    E, por outro lado, não estou habituado a acreditar que seja digno de algum mal. De fato, se tivesse dinheiro, eu me multaria em uma soma que pudesse pagar, porque não teria prejuízo algum; mas o fato é que não tenho. Só se quiserdes multar-me em tanto quanto eu possa pagar. Talvez eu vos pudesse pagar uma mina de prata; multo-me, pois em tanto. Mas Platão, cidadãos atenienses, Críton, Cristóbolo e Apolodoro me obrigaram a multar-me em trinta minas, e oferecem fiança: multo-me, pois, em tanto, e eles vos serão fiadores dignos de crédito.




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