Pensar a vida e viver o pensamento, de forma profunda e radical. Isso é filosofar.

A consciência

      É possível dizer que filosofar é uma prática que nos ajuda a desprendermo-nos de nossas tolices e a nos tornarmos seres mais conscientes?
      Parece que sim. A atitude filosófica desbanaliza o banal, re-encanta o mundo, a vida, bem como nossos mais mínimos atos, emoções e pensamentos. E nos ajuda a viver com maios consciência — uma consciência que se renova e se amplia a cada instante.
      O que será, então, a consciência? Vejamos o que podemos encontrar a esse respeito na situação filosófica proposta.


Situação filosófica
    Em uma região coberta pela mata atlântica, uma ambientalista recebe em sua casa a visita de uma amiga, que exclama ao chegar:
      — Como está crescido e exuberante este bosque!
      — É verdade — responde a ambientalista. — Ele está recuperando sua rica biodiversidade. Não derrubo nenhuma árvore e tenho plantado muitas espécies nativas, principalmente frutíferas.
      — Por que frutíferas?
      — Para atrais mais pássaros e alimentar também a fauna terrestre local, favorecendo assim sua reprodução. Além disso, depois de comerem essas frutas, os animais espalham as sementes, contidas em seus excrementos, por todos os lados. Com o tempo, elas germinam e multiplicam a floresta.
      — Eu nunca tinha pensado nisso... Que bom exemplo! Seria ótimo se todos soubessem disso e agissem da mesma forma.
      — Seria, mas a verdade é que eu também já fiz muita besteira, acreditando que era o correto. Lamento até hoje! É que, nessa época, eu não sabia disso, eu não tinha consciência.
      — Ah, a consciência! Sempre ela... — divaga, divertida, a amiga, que era psicóloga.


Analisando a situação
    • Onde ocorre o diálogo, quem são seus interlocutores e a que se dedicam?
      O diálogo dá-se em uma região cuja vegetação está ameaçada de extinção (a mata atlântica), entre uma ambientalista e uma psicóloga.
      A primeira participa de um movimento social — o ambientalismo ou ecologismo — que busca e apoia a preservação do meio ambiente, aliada à promoção de uma relação harmoniosa entre o ser humano e a natureza. Oikos (= eco) é um termo grego que significa "casa, habitação, lugar em que se vive". A segunda atua em uma área da ciência — a psicologia — que estuda, basicamente, os estados e processos mentais, bem como suas relações com o comportamento humano. Psyché é um termo grego que significa "sopro", "sopro da vida", "alma".

      • Qual é o tema, o objeto inicial da conversação? Onde está centrada a atenção dos interlocutores?
      O objeto inicial da conversação é a natureza e a intervenção humana nos ciclos naturais, no sentido de uma interação. O foco de atenção é externo, pois o diálogo centra-se no mundo exterior (o bosque, as árvores frutíferas, os animais, a multiplicação por sementes) e na conduta humana em relação a ele (ação de plantar árvores, em vez de cortá-las).

      • Quando o foco de atenção se modifica e a que tempo se refere? Quais são suas oscilações?
      O foco de atenção modifica-se para a psicóloga quando ela reconhece, para si e para a outra, que nunca tinha pensado no que acabava de explicar a amiga. Seu foco de atenção é então interno, reflexivo. O tempo é presente, pois se trata da percepção de sua condição nesse exato instante, mas relaciona-se à memória, ou seja, ao passado. A partir dessa percepção (ou consciência), ela passa a desejar que todas as pessoas tenham o mesmo conhecimento e os mesmos valores que permitiram à sua amiga atuar de maneira mais consciente em termos ecológicos. Há, portanto, um retorno da atenção para o mundo exterior a ela, mas de forma mais vaga e difusa, pois se trata de uma aspiração dirigida para o futuro.

      • Que nova reviravolta ocorre no foco de atenção da conversação?
      Estimulada pela conversa e pela observação da amiga, a ambientalista realiza uma autocrítica. Assentada em sua consciência atual (tempo presente), passa a avaliar sua ação anterior de maneira crítica e afirma: "eu também já fiz muita besteira". O foco de atenção volta, portanto, a ser interno, reflexivo, só que agora "iluminando" o tempo passado: "eu não tinha consciência".

      • Que interpretação podemos dar ao comentário final da psicóloga?
      O tema da consciência é fundamental na psicologia. O trabalho de psicólogos e psicólogas consiste, em grande parte, em ajudar as pessoas a trazer à luz os diversos conteúdos de suas mentes, sentimentos e atitudes que estejam sando vividos de maneira inconsciente. Por isso, podemos supor que o comentário reticente "Ah, a consciência! Sempre ela..." seja uma referência  às múltiplas dificuldades experimentadas por seus pacientes pelo fato de não perceberem, não se darem conta de muitas coisas em suas vidas. Você faria outra leitura?

      • Que papel teve a consciência em nossa historieta?
      Embora o tema referencial do diálogo seja a natureza humana nos ciclos naturais, podemos dizer que a consciência se torna a grande protagonista da conversação. Sem consciência, a ambientalista não teria admitido seu erro nem modificado sua conduta. Sem consciência, a psicóloga não teria respondido com empatia à ação da amiga, não teria reconhecido sua própria ignorância a respeito do tema, não teria idealizado a adoção de outras condutas em termos pessoais e coletivos. Sem consciência, não há inquietude, não há o exame crítico dos atos ou pensamentos próprios e dos atos alheios. Assim, a consciência parece ser a chave de uma vida conduzida de maneira ética e inteligente.

Gala Éluard (1924) — Max Ernst.

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