Pensar a vida e viver o pensamento, de forma profunda e radical. Isso é filosofar.

A sabedoria da vida - Arte

Arthur Schopenhauer

      Essa liberação do conhecimento da escravidão da vontade, esse esquecimento do eu individual e de seu interesse material, essa elevação da mente à contemplação da verdade sem influência da vontade são funções da arte. O objetivo da ciência é o universal que contém muitos particulares; o objetivo da arte é o particular que contém um universal. "Até mesmo o retrato deveria ser", como diz Winckelmann, "o ideal do indivíduo." Ao pintar animais, o mais característico é considerado o mais bonito, por melhor revelar a espécie. Uma obra de arte obtém sucesso, então, na proporção em que sugira a Ideia Platônica, ou universal, do grupo ao qual o objeto representado pertence. O retrato de um homem deve visar, portanto, não à fidelidade fotográfica, mas "a expor, tanto quanto possível, através de uma figura, alguma qualidade essencial ou universal do homem" (Assim, na literatura, a retratação de um personagem alça-se à grandeza ― mantidos inalterados os demais elementos ― na medida em que o indivíduo nitidamente descrito represente também um tipo universal, como Fausto e Margarida ou Quixote e Sancho Pança). A arte é maior do que a ciência porque esta avança através do acúmulo diligente e do raciocínio cauteloso, enquanto aquela atinge o seu objetivo de imediato, pela intuição e pela representação; a ciência pode se dar bem com o talento, mas a arte requer gênio.
      Nosso prazer na natureza, como na poesia ou na pintura, é derivado da contemplação do objeto sem participação da vontade pessoal. Para o artista, o Reno é uma série variada de paisagens fascinantes, agitando os sentidos e a imaginação com sugestões de beleza; mas o viajante dedicado a seus problemas pessoais "verá o Reno e suas margens apenas como uma linha, e as pontes apenas como linhas que cortam a primeira". O artista se libera tanto das preocupações pessoais, que "para a percepção artística tanto faz vermos o pôr-do-sol de dentro de uma prisão ou de um palácio". "E essa benção de percepção sem interferência da vontade que cobre com uma encantadora atração o passado e o distante, apresentando-os a nós sob uma luz tão clara." Mesmo os objetos hostis, quando os contemplamos sem a excitação da vontade e sem perigo imediato, tornam-se sublimes. Da mesma forma, a tragédia pode assumir um valor estético ao nos livrar da luta da vontade individual e habilitar-nos a ver o nosso sofrimento com uma visão mais ampla. A arte atenua os males da vida ao nos mostrar o eterno e o universal por detrás do transitório e do individual. Spinoza não se enganara: "Na medida em que a mente vê as coisas em seu aspecto eterno, participa da eternidade" (I, 230. Cf. Goethe: "Não há melhor libertação do mundo" de lutas "do que através da arte". ― Elective Affinities, Nova York, 1902, p. 336).
      Esse poder das artes, de nos elevar acima da competição de vontades, é possuído, acima de tudo, pela música. "A música não é, em absoluto, como as outras artes, a cópia das Ideias" ou essências das coisas, mas "a cópia da própria Vontade"; ela nos mostra a vontade eternamente em movimento, lutando, vagando, sempre voltando, afinal, para si mesma, a fim de recomeçar a luta. "E por isso que o efeito da música é mais poderoso e penetrante do que o das outras artes, pois estas só falam de sombras, enquanto ela fala da coisa em si mesma." ("Schopenhauer foi o primeiro a reconhecer e designar, com clareza filosófica, a posição da música com referência às outras belas-artes." ― Wagner, Beethoven, Boston, 1872, p. 23). Ela difere, também, das outras artes porque afeta diretamente os nossos sentimentos (Hanslick (The Beautiful in Music, Londres, 1981, p. 23) não concorda com isso e alega que a música só afeta de modo direto a imaginação. Estritamente, é claro, ela só afeta diretamente os sentidos), e não por intermédio de ideias; fala a algo mais sutil do que o intelecto. O que a simetria é para as artes plásticas, o ritmo é para a música; daí a música e a arquitetura serem essencialmente antípodas; a arquitetura, como disse Goethe, é música congelada; e dimetria é ritmo parado.


A História da Filosofia, de Will Durant
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