Pensar a vida e viver o pensamento, de forma profunda e radical. Isso é filosofar.

A sabedoria da vida - Gênio

Arthur Schopenhauer

      O gênio é a mais alta forma desse conhecimento sem interferência da vontade. As mais baixas formas de vida são inteiramente constituídas de vontade, sem conhecimento; o homem, de maneira geral, é em sua maioria vontade e pouco conhecimento; o gênio é, em sua maioria, conhecimento e pouca vontade. "O gênio consiste no seguinte: a faculdade de saber recebeu um desenvolvimento consideravelmente maior do que serviço da vontade exige." Isso envolve uma certa passagem de força da atividade reprodutora para a intelectual. "A condição fundamental do gênio é uma predominância anormal da sensibilidade e da irritabilidade sobre o poder reprodutor." Daí a inimizade entre o gênio e a mulher, que representava a reprodução e a submissão do intelecto à vontade de viver e fazer viver. "As mulheres podem ter um grande talento, mas nenhum gênio, porque continuam sempre subjetivas"; com elas, tudo é pessoal, e considerado como um meio para fins pessoais.
      Por outro lado, o gênio é simplesmente a mais completa objetividade ― isto é, a tendência objetiva da mente. (...) O gênio é o poder de esconder inteiramente os próprios interesses, desejos e metas, de renunciar inteiramente à própria personalidade durante algum tempo, a fim de continuar sendo puro sujeito que sabe, visão clara do mundo. (...) Portanto, a expressão de gênio em um rosto consiste no seguinte: nela é visível uma decidida predominância do conhecimento sobre a vontade. Nas fisionomias comuns há uma predominante expressão de vontade, e vemos que o conhecimento só entra em atividade sob o impulso da vontade, sendo dirigido meramente por motivos de interesse e vantagem pessoais.
      Livre da vontade, o intelecto pode ver o objeto tal como é; "o gênio ergue para nós o espelho mágico no qual tudo aquilo que é essencial e importante nos é mostrado, reunido e colocado com a maior clareza, e aquilo que é acidental e estranho é deixado de fora". O pensamento atravessa a paixão como a luz do sol corta uma nuvem, e revela o cerne das coisas; passa por detrás do indivíduo e do particular e vai à "Ideia Platônica" ou essência universal, da qual ela é uma forma ― assim como um pintor vê, na pessoa que ele retrata, não apenas o caráter e as feições individuais, mas uma qualidade universal e uma realidade permanente para cuja revelação o indivíduo é apenas um símbolo e um meio. O segredo do gênio, então, está na clara e imparcial percepção do objetivo, do essencial e do universal.
      Essa eliminação da equação pessoal que deixa o gênio tão mal adaptado no mundo de atividade voluntariosa, prática e pessoal. Por enxergar tão longe, ele não vê o que está perto; ele é imprudente e "esquisito"; e, enquanto a sua visão está fixada numa estrela, ele cai num poço. Daí, em parte, a insociabilidade do gênio; ele está pensando no fundamental, no universal, no eterno; outros estão pensando no temporário, no específico, no imediato; sua mente e a deles não têm uma área comum, e nunca se encontram. "Em geral, o homem só é sociável na medida em que for intelectualmente pobre e ordinariamente vulgar." ("A Sabedoria da Vida", p. 24. An apologia pro vita sua). O homem de gênio tem suas compensações e não precisa tanto de companhia quanto as pessoas que vivem numa dependência perpétua do mundo exterior. "O prazer que ele recebe de toda a beleza, o consolo que a arte proporciona, o entusiasmo do artista (...) habilitam-no a esquecer as preocupações da vida e o recompensam pelo sofrimento que aumenta em proporção à clareza da consciência e pela sua solidão desértica entre uma raça diferente de homens."
      O resultado, no entanto, é que o gênio se vê forçado ao isolamento e, às vezes, a caminho da loucura; a extrema sensibilidade, que lhe traz a dor juntamente com a imaginação e a intuição, combina-se com a solidão e a má adaptação para romper os laços que prendem a mente à realidade. Aristóteles estava certo, uma vez mais: "Os homens que se distinguem em filosofia, política, poesia ou arte parecem ter, todos, um temperamento melancólico" ("A Sabedoria da Vida", p. 49). A direta conexão entre loucura e gênio "é estabelecida pelas biografia de grandes homens, como Rousseau, Byron, Afieri etc." (A fonte de Lombroso ― que acrescenta Schopenhauer à lista). Através de uma diligente busca em manicômios, descobri casos individuais de pacientes que eram indubitavelmente dotados de grande talento e cujo gênio transparecia visivelmente através de sua loucura.
      No entanto, nesses semiloucos, nesses gênios, está a verdadeira aristocracia da Humanidade. "No que se refere ao intelecto, a natureza é altamente aristocrática. As distinções que ela estabeleceu são maiores do que aquelas feitas em qualquer país segundo nascimento, posição, riqueza ou casta. A natureza só dá gênio a uns poucos, porque um temperamento desses seria um entrave para as atividades normais da vida, que exigem concentração no específico e no imediato. "A natureza, na verdade, pretendia que até os homens cultos fossem lavradores do solo; de fato, os professores de filosofia deveriam ser avaliados segundo este padrão; e então veríamos que suas realizações correspondem a todas as expectativas razoáveis." O professor de filosofia poderá vingar-se salientando que, por natureza, parecemos mais caçadores do que agricultores; que a agricultura é uma invenção humana, não um instinto natural).


A História da Filosofia, de Will Durant
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