Arthur Schopenhauer |
Pense, primeiro, no absurdo do desejo de bens materiais. Os tolos acreditam que se ao menos puderem ficar ricos, suas vontades poderão ficar inteiramente satisfeitas; supõe-se que um homem de recursos seja um homem com recursos para a satisfação de todos os desejos. "As pessoas, muitas vezes, são censuradas por desejarem dinheiro acima de todas as coisas e por gostarem mais dele do que de qualquer outra coisa; mas é natural, e até inevitável, que elas adorem aquilo que, como um incansável Proteu, está sempre pronto a se transformar no objeto que seus devaneios e seus diversos desejos possam fixar-se. Tudo mais só pode satisfazer um desejo; só o dinheiro é absolutamente bom, (...) por ser a satisfação abstrata de todos os desejos. (Ensaios, "A Sabedoria da Vida", p. 47). Apesar de tudo, uma vida dedicada à aquisição de riqueza é inútil, a menos que saibamos convertê-la em alegria; e isso é uma arte que exige cultura e sabedoria. Uma sucessão de buscas sensuais nunca satisfaz por muito tempo; é preciso compreender os fins da vida e a arte de adquirir meios. "Os homens estão mil vezes mais preocupados em ficarem ricos do que em adquirirem cultura, embora seja inteiramente certo que aquilo que um homem é contribui mais para sua felicidade do que aquilo que ele tem." (p. 41). "O homem que não tenha necessidades mentais é chamado de filisteu" (p. 39. "A tranquilidade no lazer é difícil.") não sabe o que fazer com o seu lazer ― difficilis in otio quies (p. 39. "A tranquilidade no lazer é difícil.") gananciosamente, vai de um lugar para o outro à procura de novas sensações; e afinal é conquistado pela nêmesis dos ricos ociosos ou do voluptário inconsequente ― o tédio (p. 22).
Não a riqueza, mas a sabedoria é o Caminho. "O homem é ao mesmo tempo um impetuoso esforço da vontade (cujo foco está no sistema reprodutor) e um eterno, livre, sereno súdito do conhecimento puro (do qual o foco é o cérebro)." É maravilhoso dizer que o conhecimento, embora nascido da vontade, ainda poderá chegar a dominá-la. A possibilidade da independência do conhecimento aparece pela primeira vez na maneira indiferente como o intelecto responde, em algumas oportunidades, ao ditames do desejo. "As vezes o intelecto se recusa a obedecer à vontade: por exemplo, quando tentamos em vão fixar a mente em alguma coisa, ou quando chamamos em vão pela memória à procura de algo que a ela foi confiado. A raiva da vontade contra o intelecto, em tais ocasiões, torna muito clara a sua relação com ele, bem como a diferença entre os dois. De fato, atormentado por essa raiva, às vezes o intelecto traz oficiosamente o que lhe pediram horas depois, ou mesmo na manhã seguinte, de forma inteiramente inesperada e inoportuna." Dessa subserviência imperfeita, o intelecto poderá passar ao domínio. "De acordo com uma reflexão anterior ou uma necessidade reconhecida, o homem sofre ou realiza a sangue-frio aquilo que é da máxima, e com frequência terrível, importância para ele: suicídio, execução, duelo, empreendimentos de todo tipo plenos de perigo para a vida; e, de modo geral, coisas contra as quais se rebela toda a sua natureza animal. Nessas circunstâncias, vemos até que ponto a razão dominou a natureza animal".
Esse poder do intelecto sobre a vontade permite o desenvolvimento deliberado; o desejo pode ser moderado ou acalmado pelo conhecimento; e acima de tudo por uma filosofia determinista que reconheça tudo como o resultado inevitável de seus antecedentes. "De dez coisas que nos perturbam, nove não teriam como fazê-lo se as compreendêssemos perfeitamente no que se referisse a suas causas, conhecendo, portanto, sua necessidade e sua verdadeira natureza. (...) Porque aquilo que a brida e o freio são para um cavalo indócil, o intelecto é para a vontade de um homem. E uma necessidade tanto interna quanto externa: nada nos reconcilia tão inteiramente quanto o conhecimento distinto." Quanto mais conhecemos nossas paixões, menos elas nos controlam; e "nada nos protegerá tanto da compulsão externa quanto o controle de nós mesmos" ("P. 5 Conselhos e Máximas", p. 51). Si vis tibi omnia subjicere, subjice te rationi ("Se quiseres sujeitar todas coisas a ti mesmo, sujeita-te à razão." ― Sêrteca). A maior de todas as maravilhas não é o conquistador do mundo, mas o dominador de si próprio.
Assim, a filosofia purifica a vontade. Mas ela deve ser entendida como experiência e pensamento, não como mera leitura ou estudo passivo.
A constante entrada dos pensamentos de terceiros deve confinar e abafar os nossos; e, na verdade, a longo prazo, paralisar o poder de raciocínio. (...) A inclinação da maioria dos eruditos é uma espécie de fuga vacui (Sucção a vácuo) da pobreza de suas próprias mentes, o que forçosamente atrai os pensamentos dos outros. (...) É perigoso ler sobre um assunto antes de termos pensado nele. (...) Quando lemos, uma outra pessoa pensa por nós; nós apenas repetimos o seu processo mental. (...) Por isso, se alguém passar quase o dia todo lendo, acabará perdendo gradativamente a capacidade de pensar. (...) A experiência do mundo pode ser considerada como uma espécie de texto, em relação ao qual a reflexão e o conhecimento constituem o comentário. Onde há muita reflexão e conhecimento intelectual, e muito pouca experiência, o resultado se assemelha aos livros que têm, numa página, duas linhas de texto para quarenta de comentários (II, 254; Ensaios, "Livros e Leitura"; "Conselhos e Máximas, p. 21).
O primeiro conselho, então, é Vida antes dos livros; e o segundo, Texto antes do comentário. Leia os criadores, de preferência aos expositores e críticos. "Só dos próprios autores podemos receber pensamentos filosóficos: portanto, quem se sentir atraído para a filosofia deverá procurar seus imortais ensinadores no tranquilo santuário de suas obras." Uma obra de gênio vale mil comentários.
Dentro dessas limitações, a busca da cultura, mesmo através dos livros, é valiosa, porque a nossa felicidade depende do que temos na cabeça, e não do que temos nos bolsos. Até a fama é uma tolice; "a cabeça dos outros é um péssimo lugar para ser a sede da verdadeira felicidade de um homem" ("A Sabedoria da Vida", p. 117).
O que um ser humano pode ser para outro não é grande coisa; no fim, todo mundo fica sozinho; e o importante é quem fica sozinho. (...) A felicidade que recebemos de nós mesmos é maior do que a que conseguimos no nosso meio. (...) O mundo em que o homem vive toma a sua forma principalmente pela maneira pela qual ele o vê. (...) Como tudo o que existe, ou acontece, para um homem só existe na sua consciência, e acontece só para ele, a coisa mais essencial para um homem é a constituição de sua consciência. (...) Portanto, há uma grande verdade quando Aristóteles diz que "Ser feliz significa ser autossuficiente".
A maneira de fugir do mal do desejo perpétuo é a contemplação inteligente da vida e a conversa com as realizações dos grandes de todas as épocas e países; foi só para essas mentes dedicadas que esses grandes viveram. "O intelecto altruísta ergue-se como um perfume acima dos defeitos e das loucuras do mundo a Vontade." ("A Sabedoria da Vida" 34, p. 108). A maioria dos homens nunca se eleva acima da visão das coisas como objetos do querer ― daí o seu infortúnio; mas ver as coisas puramente como objetos de compreensão é alçar-se para a liberdade.
Quando uma causa externa ou disposição interna nos tira de repente da interminável corrente do querer, e livra o conhecimento da escravidão da vontade, a atenção já não é mais dirigida para os motivos do querer, mas compreende as coisas livres das suas relações com a vontade e, assim, as observa sem interesse pessoal, sem subjetividade, de forma puramente objetiva ― entrega-se inteiramente a elas desde que sejam ideias, mas não na medida em que sejam motivos. Então, de repente, a paz que sempre procuramos, mas que sempre nos escapou no antigo caminho dos desejos, vem até nós por sua livre vontade e para nós é bom. É o estado sem sofrimento que Epicuro considerava o maior dos bens e o estado dos deuses; porque ficamos, por enquanto, livres da infeliz luta da vontade; respeitamos o Sabbath da pena de trabalhos forçados do querer; a toda de Ixíon fica parada (I, 254. Ixíon, segundo a mitologia clássica, tentou tirar Juno de Júpiter e foi punido sendo amarrado a uma roda que girava eternamente).
A História da Filosofia, de Will Durant.
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