Pensar a vida e viver o pensamento, de forma profunda e radical. Isso é filosofar.

A sabedoria da vida - Religião

Arthur Schopenhauer

      A maturidade de Schopenhauer deu-se conta de que a sua teoria da arte ― como sendo a retirada da vontade e a contemplação do eterno e do universal ― era também uma teoria de religião. Na juventude, ele recebera muito pouca educação religiosa; e seu temperamento não o levava a respeitar as organizações eclesiásticas de sua época. Desprezava os teólogos: "Como ultima ratio", ou último argumento, "dos teólogos, encontramos, em muitas nações, o poste em que são amarrados os condenados a serem queimados vivos"; e descrevia a religião como "a metafísica das massas" (Ensaios, "Religião", p. 2). Mas, na fase mais adiantada da vida, ele começou a ver um profundo significado em certas práticas e dogmas religiosos. "A controvérsia que existe tão insistentemente em nossa época entre os sobrenaturalistas e os racionalistas baseia-se no fato de não se reconhecer a natureza alegórica de todas as religiões." O cristianismo, por exemplo, é uma profunda filosofia do pessimismo; "a doutrina do pecado original (afirmação da vontade) e da salvação (negação da vontade) é a grande verdade que constitui a essência do cristianismo". O jejum é um notável expediente para enfraquecer os desejos que nunca levam à felicidade, mas à desilusão ou a um desejo maior. "O poder através do qual o cristianismo conseguiu vencer primeiro o judaísmo, e depois o paganismo da Grécia e de Roma, está unicamente no seu pessimismo, na confissão de que o nosso estado é excessivamente deplorável e pecaminoso, enquanto o judaísmo e o paganismo eram otimistas": eles consideravam a religião um suborno aos poderes celestiais em troca de ajuda para o sucesso terreno; o cristianismo considerava a religião um freio para a inútil procura da felicidade terrena. Em meio ao luxo e ao poder mundanos, ela tem erguido o ideal do santo, o Louco em Cristo, que se recusa a lutar e domina por completo a vontade individual.
     O budismo é mais profundo que o cristianismo, porque faz da destruição da vontade a totalidade da religião e prega o Nirvana como sendo a meta de toda a evolução pessoal. Os hindus eram mais profundos do que os pensadores da Europa, porque sua interpretação do mundo era interna e intuitiva, não externa e intelectual; o intelecto divide tudo, ao contrário da intuição; os hindus viam que o "Eu" é uma ilusão; que o indivíduo é meramente fenomenal, e que a única realidade é o Ser Infinito ― "Este és tu". "Quem puder dizer isso a si mesmo, com relação a todos os seres com os quais entrar em contato" ― quem tiver olhos e alma suficientemente limpos para compreender que somos todos membros de um só organismo, somos todos pequeninos córregos em um oceano de vontade ―, "estará destinado a ter todas as virtudes e bênçãos, e no caminho certo da salvação." Schopenhauer não acha que o cristianismo venha, algum dia, tomar o lugar do budismo no Oriente: "é o mesmo que dispararmos uma bala contra um rochedo". Em vez disso, a filosofia indiana penetra na Europa e irá alterar profundamente nosso conhecimento e nosso pensamento. "A influência da literatura sanscrítica não penetrará menos profundamente que o reflorescimento das letras gregas no século XV." (I, XIII. Talvez estejamos assistindo ao cumprimento dessa profecia no crescimento da teosofia e de crenças semelhantes). O máximo de sabedoria, então é o Nirvana: reduzir o nosso eu a um mínimo de desejo e vontade. A vontade do mundo é mais forte do que a nossa; cedamos logo. "Quanto menos a vontade for excitada, menos sofreremos." ("Conselhos e Máximas", p. 19). As grandes obras-primas da pintura sempre representaram fisionomias nas quais "vemos a expressão do mais completo conhecimento, que não é dirigido a determinadas coisas, mas que (...) se tornou a mais tranquila de todas as vontades". "Aquela paz que é, acima de tudo, razão, aquela perfeita calma do espírito, aquele profundo repouso, aquela inviolável confiança e serenidade (...), tal como Rafael e Correggio representaram, é uma completa e certa interpretação da mensagem divina; só resta o conhecimento ― a vontade desapareceu."


A História da Filosofia, de Will Durant
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