A análise que fizemos da situação filosófica sobre o Diálogo, teve como propósito, além de destacar os conteúdos da anedota, chamar sua atenção para o potencial de uma boa conversação. Você deve ter percebido que, por meio do diálogo, os interlocutores de nossa historieta foram alcançando progressivamente — mesmo que de uma maneira jocosa, irônica, caricata — uma expressão linguística mais clara e precisa em relação ao conhecimento que podiam extrair da sua experiência recente.
Quando estudamos no post sobre a dúvida metódica de Descartes, vimos algo semelhante: o filósofo francês viveu o processo de estranhar, duvidar e se questionar por meio de uma conversação, só que interior. Por isso a obra denomina-se Meditações, pois se trata do registro de suas reflexões, de seu diálogo interno.
Certamente, porém, o filósofo também tinha em mente outros interlocutores, seus argumentos e objeções. Era como se falasse também com eles enquanto pensava e escrevia, mesmo sem designá-los. Além do mais, depois de finalizar suas Meditações, a conversação de Descartes não terminou. Sabe-se que ele recebeu de alguns estudiosos de sua época, por carta, várias objeções a esses escritos. E respondeu a elas, revisando, aprofundando e esquecendo de algumas de suas teses.
Assim, filosofar é fundamentalmente conversar. É seguir oscilando entre uma visão e outra, entre um pensamento e outro, escutando objeções, duvidando novamente, voltando a questionar, procurando ver algo que talvez não esteja sendo observado, mas que tenha importância para a compreensão das coisas. E depois expressá-lo e comunicá-lo ao outro.
Daí a importância do bom uso da palavra, seja quando se pensa, seja ao falar ou ao escrever. É assim que trabalha a filosofia: burilando os pensamentos, o discurso, a conversação, até alcançar um entendimento mais claro e preciso. Por isso acreditamos, junto com o pensador espanhol Ortega y Gasset (1883-1955), que "a clareza é a cortesia do filósofo" (Citado em Kujawski, Ortega y Gasset: a aventura da razão, p. 18).
Papel da linguagem
Ora, se filosofar é conversar — esteja você pensando ou escrevendo, falando ou lendo —, podemos dizer que a linguagem é o principal meio ou instrumento da filosofia. E isso não ocorre apenas na atividade filosófica. Entende-se cada vez mais que, utilizando a linguagem, o discurso, a conversação, construímos boa parte do que somos e do mundo à nossa volta.
O que conferiria tanto poder à linguagem? Nas últimas décadas, estudiosos de diversos campos do conhecimento — como a antropologia, a sociologia, a filosofia, a linguística, a psicologia e a biologia — têm chegado a conclusões que apontam para a mesma direção: o ser humano é um ser fundamentalmente linguístico.
Isso significa que a linguagem é uma dimensão muitíssimo importante de nossa experiência, provavelmente bem mais do que para outros animais. Vivemos mergulhados na linguagem tanto quanto em nossos corpos e em nossas emoções. Por meio dela, consolidamos nossas crenças, nossas ações, nossa cultura. É também a atividade conversacional que nos permite desenvolver uma consciência crítica pessoal e social mais ampla e chegar a consensos ou acordos que possam mudar o mundo, ou fazê-lo andar, sem dogmas nem imposições.
Daí a importância, como salientamos no post anterior, de saber perguntar e escutar e de desenvolver maiores habilidades de compreensão e expressão linguística e comunicacional. Tudo isso se pode aprender. Lembre-se de que, como se diz muito hoje em dia, "mais importante que saber. é manter a capacidade de aprender". É preciso não fossilizar o conhecimento. E a filosofia pode ajudá-lo muito nisso.
Conhecer e acreditar conhecer
Focalizemos agora, especificamente, o diálogo filosófico. Como ele é? Em que difere de outras conversações? Antes de respondermos a essas perguntas, vejamos um lado problemático de nossas falas, nossos discursos.
Você já deve ter percebido que umas das preocupações mais constantes dos filósofos — e que devemos levar em conta sempre que filosofamos — é saber se detemos o conhecimento que acreditamos ter. Em outros termos, será esse conhecimento verdadeiro ou apenas um engano ou ilusão?
Não é um fato admirável — algo sobre o qual pensar, meditar, filosofar — a quantidade de coisas que acreditamos conhecer sem nunca termos pensado seriamente sobre elas? Vejamos alguns exemplos.
Conversas cotidianas
Se observarmos nossas conversas diárias, notaremos que usamos muitas palavras acreditando não apenas conhecer plenamente o que elas querem dizer, como também que, ao empregá-las, estamos todos falando da mesma "coisa".
Mas será que eu e você, quando temos um diálogo, estamos pensando exatamente na mesma "coisa" quando dizemos "amor", "democracia", "felicidade", "justiça", entre outras palavras? Será que conhecemos o que significam essencialmente essas palavras? Mas ainda: será que existe um significado essencial de uma palavra?
Se analisarmos um pouco mais atentamente tais conversações, nos daremos conta também de que, na maioria das vezes, nos expressamos como se conhecêssemos o que é bom e o que é mau, certo e errado, belo e feio, agradável e desagradável, útil e inútil etc.
Não é isso o que ocorre quando avaliamos um prato, um alimento, um filme, uma música, uma lição, um professor, uma escola, um político — entre tantos outros exemplos —, mesmo não sendo especialistas nessas áreas? Em tais situações, tão comuns, está implícito em nossa fala, nossa escrita, nosso discurso que acreditamos saber o que é bom ou melhor para nós, para os outros e para a sociedade.
Ações cotidianas
Se nos centrarmos, por último, nas ações que empreendemos todos os dias, veremos que agimos de acordo com essa mesma crença de que sabemos o que é melhor para nós. Toda ação é uma afirmação: uma afirmação da crença que temos, seja ela qual for. Se escolho agir de determinada maneira é porque, no fundo, creio que essa maneira é melhor para mim do que outra, ao menos naquele momento.
"Cada ação nossa, em sua peculiar segurança, em vez de ser uma pergunta ou uma dúvida, é realmente uma afirmação categórica; ditando, verdadeiramente, que essa ação é mais conveniente que qualquer outra. (Echegoyen e García-Baró, em Platão, Menón, o sobre la virtud, p. 10).
Dito de outra forma, estamos a todo instante "afirmando" — seja por meio de palavras ou de ações — nossas crenças, nossas "verdades", que em geral compartilhamos com um grupo pequeno ou numeroso de pessoas que pensam, falam e agem de modo semelhante.
O que queremos que você perceba fundamentalmente é que, se não acreditássemos conhecer muito bem uma boa quantidade de temas em nossas vidas, "se não crêssemos numa infinidade de verdades, não falaríamos como falamos e não faríamos o que fazemos" (Echegoyen e García-Baró, p. 11).
Pesquise um pouco mais sobre o haraquiri. Qual é a suposição de crença que sustenta essa prática? Você consegue identificar as crenças que sustentam algumas práticas da vida contemporânea?
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Você acha que o que a autora defende é possível? |
Conhecer e acreditar conhecer
Focalizemos agora, especificamente, o diálogo filosófico. Como ele é? Em que difere de outras conversações? Antes de respondermos a essas perguntas, vejamos um lado problemático de nossas falas, nossos discursos.
Você já deve ter percebido que umas das preocupações mais constantes dos filósofos — e que devemos levar em conta sempre que filosofamos — é saber se detemos o conhecimento que acreditamos ter. Em outros termos, será esse conhecimento verdadeiro ou apenas um engano ou ilusão?
Não é um fato admirável — algo sobre o qual pensar, meditar, filosofar — a quantidade de coisas que acreditamos conhecer sem nunca termos pensado seriamente sobre elas? Vejamos alguns exemplos.
Conversas cotidianas
Se observarmos nossas conversas diárias, notaremos que usamos muitas palavras acreditando não apenas conhecer plenamente o que elas querem dizer, como também que, ao empregá-las, estamos todos falando da mesma "coisa".
Mas será que eu e você, quando temos um diálogo, estamos pensando exatamente na mesma "coisa" quando dizemos "amor", "democracia", "felicidade", "justiça", entre outras palavras? Será que conhecemos o que significam essencialmente essas palavras? Mas ainda: será que existe um significado essencial de uma palavra?
Se analisarmos um pouco mais atentamente tais conversações, nos daremos conta também de que, na maioria das vezes, nos expressamos como se conhecêssemos o que é bom e o que é mau, certo e errado, belo e feio, agradável e desagradável, útil e inútil etc.
Não é isso o que ocorre quando avaliamos um prato, um alimento, um filme, uma música, uma lição, um professor, uma escola, um político — entre tantos outros exemplos —, mesmo não sendo especialistas nessas áreas? Em tais situações, tão comuns, está implícito em nossa fala, nossa escrita, nosso discurso que acreditamos saber o que é bom ou melhor para nós, para os outros e para a sociedade.
Ações cotidianas
Se nos centrarmos, por último, nas ações que empreendemos todos os dias, veremos que agimos de acordo com essa mesma crença de que sabemos o que é melhor para nós. Toda ação é uma afirmação: uma afirmação da crença que temos, seja ela qual for. Se escolho agir de determinada maneira é porque, no fundo, creio que essa maneira é melhor para mim do que outra, ao menos naquele momento.
"Cada ação nossa, em sua peculiar segurança, em vez de ser uma pergunta ou uma dúvida, é realmente uma afirmação categórica; ditando, verdadeiramente, que essa ação é mais conveniente que qualquer outra. (Echegoyen e García-Baró, em Platão, Menón, o sobre la virtud, p. 10).
Dito de outra forma, estamos a todo instante "afirmando" — seja por meio de palavras ou de ações — nossas crenças, nossas "verdades", que em geral compartilhamos com um grupo pequeno ou numeroso de pessoas que pensam, falam e agem de modo semelhante.
O que queremos que você perceba fundamentalmente é que, se não acreditássemos conhecer muito bem uma boa quantidade de temas em nossas vidas, "se não crêssemos numa infinidade de verdades, não falaríamos como falamos e não faríamos o que fazemos" (Echegoyen e García-Baró, p. 11).
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Cena de um haraquiri, forma de suicídio ritual praticada antigamente no Japão por nobres guerreiros samurais. |
Pesquise um pouco mais sobre o haraquiri. Qual é a suposição de crença que sustenta essa prática? Você consegue identificar as crenças que sustentam algumas práticas da vida contemporânea?
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