Apesar de ser considerado um homem sábio por muitos de sua época, Sócrates reconhecia sua própria ignorância nos diversos temas que a maioria das pessoas acreditava conhecer. "Só sei que nada sei", costumava repetir. Por isso, vivia cheio de dúvidas.
O único grande conhecimento que admitiu possuir, em certo momento, foi a arte de perguntar. Desse modo, empregando o diálogo, Sócrates tornou-se o primeiro grande exemplo de pensador ocidental que acreditou radicalmente no poder da conversação, defendendo-a de maneira explícita como método para atingir um conhecimento mais profundo, essencial e verdadeiro sobre as coisas. Sócrates e seu método diálogo — isto é, em forma de diálogo — são, assim, nossos grandes paradigmas nestes posts sobre o diálogo e o filosofar.
Paradigma — aquilo ou aquele que serve de exemplo, modelo ou referência.
Explicação do método
Vejamos, então, trechos da explicação que teria dado o próprio Sócrates sobre seu método filosófico, contida no diálogo conhecido como Teeteto, escrito por Platão (partes VI e VII, p. 11-15).
Diálogo amigável
"Sócrates — E nunca ouviste falar, meu grancejador, que eu sou filho de uma parteifa famosa e imponente, Fanerete?
Teeteto — Sim, já ouvi.
Sócrates — Então, já te contaram também que eu exerço essa mesma arte?
Teeteto — Isso, nunca.
Sócrates — Pois fica sabendo que é verdade; porém não me traias; ninguém sabe que eu conheço semelhante arte, e por não o saberem, em suas referências à minha pessoas não aludem a esse ponto; dizem apenas que eu sou o homem mais esquisito do mundo e que lanço confusão no espírito dos outros. A esse respeito já ouviste dizerem alguma coisa?
Teeteto — Ouvi.
Sócrates — Queres que te aponte a razão disso?
Teeteto — Por que não?"
Tudo se inicia com um diálogo amigável. Nesse trecho, Sócrates sugere que teria herdado a profissão de sua mãe, que era parteira. Por essa razão, o filósofo denominava seu próprio método, sua arte de perguntar, pelo nome de maiêutica, palavra de origem grega que significa "ciência ou arte do parto", ou seja, a obstetrícia. O que ele queria dizer com isso?
Parteiro de almas
"Sócrates — A minha arte obstétrica tem atribuições iguais às das parteiras, com a diferença de eu não partejar mulher, porém homens, e de acompanhar as almas, não os corpos, em seu trabalho de parto. Porém a grande superioridade da minha arte consiste na faculdade de conhecer de pronto se o que a alma dos jovens está na iminência de conceber é alguma quimera e falsidade ou fruto legítimo e verdadeiro."
Partejar — servir de parteiro ou parteira.
Desse modo Sócrates começa a expor pormenorizadamente a analogia que encontra entre sua atividade filosófica e a prática obstétrica de sua mãe: o filósofo seria um "parteiro de almas", não de corpos (ou bebês). Ou seja, seu trabalho é o de ajudar a dar à luz pensamentos e distinguir, por meio do senso crítico, os verdadeiros dos falsos.
Perguntas penetrantes
"Sócrates — Neste particular, sou igualzinho às parteiras: estéril em matéria de sabedoria, tendo grande fundo de verdade a censura que muitos me assacam, de só interrogar os outros, sem nunca apresentar opinião pessoal sobre nenhum assunto, por carecer, justamente, de sabedoria. E a razão é a seguinte: a divindade me incita a partejar os outros, porém me impede de conceber. Por isso mesmo, não sou sábio, não havendo um só pensamento que eu possa apresentar como tendo sido invenção de minha alma e por ela dado à luz."
Aqui o filósofo repete, com outras palavras e enfaticamente, o que sempre dizia: "Só sei que nada sei". Seu grande dom seria o de saber formular as perguntas adequadas para ajudar as pessoas a conceberem, por elas mesmas, a verdade sobre os diversos temas. Assim, aprendemos com ele que, para filosofar, a pessoa não deve crer que conhece a verdade. Isso a impediria de seguir questionando, buscando, ascendendo. Em filosofia, mais valem perguntas agudas, penetrantes, do que respostas que instituam o silêncio, o fim da conversação.
Lembre-se de que o significado próprio da palavra filósofo é "amigo ou amante da sabedoria". Portanto, ele a persegue, busca, cuida, acompanha. Não a tem, não a possui, e nesse sentido Sócrates pode ser adotado como paradigma do "bom" filósofo.
Conhecimento progressivo
"Sócrates — Porém os que tratam comigo, suposto que alguns no começo pareçam todos ignorantes, com a continuação de nossa convivência, quantos a divindade favorece progridem admiravelmente, tanto no seu próprio julgamento como no de estranhos."
Assim, por meio do diálogo filosófico, os interlocutores de Sócrates iriam alcançando um conhecimento mais pleno sobre os temas discutidos. Do mesmo modo, aquele que se faz as perguntas adequadas em sua vida, amplia a consciência de si e das coisas.
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Mão com esfera refletora (1935) — M. C. Escher. No ato de dialogar, o interlocutor funciona como espelho. |
Prática constante
"Sócrates — O que é fora de dúvida é que nunca aprenderam nada comigo; neles mesmos é que descobrem as coisas belas que põem no mundo, servindo, nisso tudo, eu e a divindade como parteira. E a prova é o seguinte: Muitos desconhecedores desse fato e que tudo atribuem a si próprios, ou por me desprezarem ou por injunções de terceiros, afastam-se de mim cedo demais. O resultado é alguns expelirem antes do tempo, em virtude das más companhias, os germes por mim semeados, e estragarem outros, por falta da alimentação adequada, os que eu ajudara a pôr no mundo, por darem mais importância aos produtos falsos e enganosos do que aos verdadeiros, com o que acabam por parecerem ignorantes aos seus próprios olhos e aos de estranhos. Foi o que aconteceu com Aristides, filho de Lisímaco, e a outros mais."
Nesse trecho, Sócrates alerta para o perigo de abandonar o diálogo filosófico antes do tempo. Ele se refere certamente aos discípulos "apressadinhos", mas também, por extensão, a todos aqueles que, depois de certo tempo de experiência de vida, acreditam ingenuamente conhecera verdade sobre as coisas em geral (quase todos nós somos um pouco assim), bem como àqueles que assuem uma atitude ainda mais prepotente e se creem os "donos da verdade".
Desse modo, fica a mensagem de que, mesmo quando já se alcançou grande conhecimento, é importante seguir praticando a conversação filosófica durante toda a vida, para evitar recair em erros, qualquer que seja nossa idade.
Dor das descobertas
"Sócrates — Quando voltam a implorar insistentemente minha companhia, com demonstrações de arrependimento, nalguns casos meu demônio familiar me proíbe reatar relações; noutros o permite, voltando estes, então, a progredir como antes. Neste ponto, os que convivem comigo se parecem com as parturientes: sofrem dores lancinantes e andam dia e noite desorientados, num trabalho muito mais penoso do que o delas. Essas dores é que minha arte sabe despertar ou acalmar. É o que se dá com todos."
Ou seja, a atividade filosófica está vinculada a certa dor, a certo grau de incerteza, inquietude e angústia. É a dor da dúvida, do "parto" do conhecimento, do ampliar da consciência. Por exemplo, quando uma pessoa vê pela primeira vez algo que nunca tinha conseguido ver antes e percebe que estava enganada todo o tempo, essa visão pode ser bastante desestabilizadora. Não é fácil admitir um erro e assumir as consequências. Mas depois, com a prática reflexiva contínua, essa pessoa poderá progredir no sentido de uma consciência mais plena, reorganizar sua compreensão do mundo e alcançar a felicidade de uma vida orientada de maneira mais justa e sábia.
Dificuldades do percurso
"Sócrates — Se te expus tudo isso, meu caro Teeteto, com tantas minúcias, foi por suspeitar que algo em tua alma está no ponto de vir à luz, como tu mesmo desconfias. Entrega-te, pois, a mim, como a filho de uma parteira que também é parteiro, e quando eu te formular alguma questão, procura responder a ela do melhor modo possível. E se no exame de alguma coisa que disseres, depois de eu verificar que não se trata de um produto legítimo mas de algum fantasma sem consistência, que logo arrancarei e jogarei fora, não te aborreças como o fazem as mulheres com seu primeiro filho. Alguns, meu caro, a tal extremo se zangaram comigo, que chegaram a morder-me por os haver livrado de um que outro pensamento extravagante. Não compreendiam que eu só fazia aquilo por bondade. Estão longe de admitir que de jeito nenhum os deuses podem querer mal aos homens e que eu, do meu lado, nada faço por malquerença pois não me é permitido em absoluto pactuar com a mentira nem ocultar a verdade."
Aqui o filósofo reconhece que suas perguntas e ao que elas conduziam incomodavam muito seus contemporâneos, a ponto de ser considerado inimigo público e condenado à morte. Quando se toca o cerne de um problema, a reação pode ser violenta. Em razão disso, Sócrates exorta seu interlocutor a aceitar as dificuldades encontradas no caminho. Aquele que se dedica ao filosofar precisa se desfazer não apenas dos preconceitos, mas também das suscetibilidades do orgulho e do amor-próprio e se entregar totalmente ao diálogo reflexivo com o outro, ao exame aberto e fecundo das questões propostas. Mas, como nem todos adotam a mesma atitude, esse esforço nem sempre será compreendido.
Estrutura do diálogo
Platão adotou a mesma forma de filosofar de seu mestre, designando-a dialética, palavra que em sua origem grega quer dizer "diálogo, discussão". Por isso, o método socrático também é conhecido como dialética socrático-platônica.
No exemplo extraído do diálogo Eutifron, o método dialético desenvolve-se, de modo geral, em duas etapas.
Refutação ou ironia
Os diálogos iniciam basicamente com um Sócrates que parece não querer ensinar nada a ninguém. Ao contrário, ele costuma expressar-se como quem deseja aprender com seu interlocutor, fazendo-lhe perguntas como se nada soubesse. Com habilidade de raciocínio, no entanto, conduz suas perguntas de forma a evidenciar as contradições e os problemas que surgem a cada resposta de seu interlocutor.
Desse modo, o filósofo vai refutando, contestando, negando a concepção inicialmente apresentada no diálogo e, ao mesmo tempo, demolindo — no interlocutor — o orgulho, a arrogância e a presunção do saber.
A primeira virtude do sábio é adquirir consciência da própria ignorância. Por tudo isso, essa parte do diálogo é chamada também de ironia, palavra de origem grega cujo sentido primitivo era "interrogação fingindo ignorância".
Sócrates teria assim exposto sua postura:
"[...] aquele acreditava saber e não sabia, enquanto eu, ao contrário, como não sabia, também não julgava saber, e tive a impressão de que, ao menos numa pequena coisa, fosse mais sábio que ele, ou seja, porque não sei, nem acredito sabê-lo." (Platão, Defesa de Sócrates, em Apologia de Sócrates, p. 71).
Maiêutica
Nesta segunda fase do diálogo, liberto do orgulho e da pretensão de que tudo sabe, o interlocutor já está em condições de iniciar o caminho de reconstrução de suas próprias ideias. Novamente Sócrates lhe propõe, com grande habilidade, uma série de questões, ajudando-o a trazer à luz suas próprias ideias. Por isso, essa fase do diálogo socrático é chamada de maiêutica, cujo sentido primitivo é "arte de ajudar a dar à luz, a parir" (obstetrícia).
Você deve estar percebendo que o diálogo socrático não é um diálogo qualquer. Não é um mero conforto de opiniões, nem sua aceitação passiva. Trata-se de um diálogo que parte de uma afirmação ou opinião (por exemplo, "Fulano foi covarde") e que deriva para a discussão de um tema (por exemplo, "O que é a covardia?" ou "O que é a coragem?") e progride por meio de uma sucessão de perguntas e respostas. Nesse processo, cada resposta vai sendo questionada criticamente, isto é, examinada em seus detalhes, sua coerência, correção ou validez. Seria, portanto um diálogo crítico.
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O caminho das pedras: para Platão, o processo dialético promoveria uma ascensão cognoscitiva (do conhecimento) e ontológica (da essência) do indivíduo. |
Sugestões de filmes
• Doze homens e uma sentença (1957, EUA, direção de Sidney Lumet; 1997, EUA, direção de William Friedkin)
Doze jurados se reúnem para decidir se consideram culpado um jovem porto-riquenho, acusado de ter assassinado seu próprio pai. Todos têm certeza da culpa, menos um, mas a decisão deve ser unânime. Assim, inicia-se uma conversação que revela muito sobre cada um deles (origem e condição social, valores, traumas, preconceitos) e sua decisão.
• Sócrates (1974, Itália, direção de Roberto Rosselini)
Representação do final da vida de Sócrates, seu julgamento e condenação à morte. Utiliza diálogos escritos por Platão, como a Defesa de Sócrates (julgamento e defesa do filósofo), Críton (tentativa dos discípulos de convencê-lo à fuga) e Fédon (último diálogo antes de tomar a cicuta).
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