Pensar a vida e viver o pensamento, de forma profunda e radical. Isso é filosofar.

FILOSOFIA DA LINGUAGEM - Algumas concepções principais

      Na história da filosofia, diversos problemas relativos à linguagem foram identificados e investigados. São questões ligadas, por exemplo, ao seu surgimento ou origem, à existência de uma base para ela, à sua relação com o mundo, ao significado das palavras e das frases, aos seus usos na interação social etc.


Origem das línguas
    Uma das questões mais antigas a respeito da linguagem refere-se a como e quando surgiram as línguas.


Língua adâmica
    De acordo com a tradição religiosa judaico-cristã, a capacidade de nomear as coisas teria sido conferida por Deus aos seres humanos por intermédio de Adão. Assim, no início dos tempos, haveria apenas uma língua, que todos falavam e por meio da qual se entendiam.
      No entanto, conforme a narrativa bíblica, certo dia os homens decidiram construir uma torre tão alta que tocasse o céu, a chamada Torre de Babel. Deus não gostou da prepotência humana e os castigou duramente: de repente, ninguém conseguia mais entender o que o outro dizia. A confusão gerada foi tão grande que a construção da torre teve que ser interrompida, e seus construtores dispersaram-se pelo mundo. Desse modo teria surgido a diversidade dos povos e das línguas (cf. Gênesis, 11,1-9).
      A explicação bíblica é, portanto, a de que todas as línguas teriam surgido de uma só. Trata-se da chamada língua adâmica. A maioria dos linguistas não acredita na hipótese de que todas as línguas possam ter derivado de uma única fonte, embora grande parte de seus estudos aponte para origens comuns entre diversas línguas.


Grito da natureza
    Outra hipótese conhecida sobre a origem das línguas, mais ao agrado do pensamento científico moderno, foi formulada pelo filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), inicialmente no Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens e, depois, no Ensaio sobre a origem das línguas. Para Rousseau, a primeira forma de linguagem dos seres humanos foi o que ele denominou grito da natureza, usado pelos primeiros humanos em situações de grande perigo ou de muita dor física.
      O aumento do contato entre os seres humanos pré-históricos teria suscitado a necessidade de exprimir outros sentimentos. Eles buscaram, então, sinais e gestos mais diversificados para expressá-los e multiplicaram as inflexões de voz. Desse modo, a expressão linguística entre os diversos grupos humanos teria evoluído gradualmente, até constituir formas mais complexas e abstratas de comunicação e dar origem às diversas línguas.

A Torre de Babel (século XVI) — Jan van Scorel.

Imagem do filme A guerra do fogo (1981, França/Canadá, direção de Jean-Jacques Annaud).


Relação palavras e coisas
    Outra discussão clássica no âmbito da filosofia da linguagem refere-se à relação entre as palavras e as coisas. Eis a questão: os nomes que damos às coisas são meras convenções — algo acordado, estipulado entre os membros de uma comunidade de forma arbitrária — ou são parte de uma suposta natureza eterna e essencial das coisas? A primeira opção é chamada de convencionalista; a segunda, de naturalista.
      Desde a Antiguidade, os gregos já debatiam essa questão. No diálogo Crátilo, de Platão, um dos interlocutores, Hermógenes, defende a posição convencionalista, enquanto o outro, Crátilo, apoia a naturalista.
      Pela boca de Sócrates, Platão parece tentar uma conciliação entre as duas teses, pois admite certos aspectos de cada uma. De um lado, concorda que a linguagem é uma criação humana e, nesse sentido, é convencional: a mesma coisa pode ser chamada por nomes diferentes nas diversas línguas. De outro lado, argumenta que, como existe uma ordem no mundo, há uma ordem nas coisas e a linguagem deve seguir essa ordem para melhor representar suas essências.
      Assim, mesmo variando de uma língua para outra, cada palavra deve representar a essência daquilo que nomeia: a palavra "mesa" deve corresponder ao que Platão considera a ideia essencial de mesa, existente no mundo das ideias.


Questão dos universais
    Durante a Idade Média, o debate sobre a relação entre as palavras e as coisas concentrou-se em um tipo específico de palavra: os universais, isto é, palavras que nomeiam conceitos gerais ou classes de seres, como "humanidade", "ave", "rosa" (em um sentido genérico) etc.
      A discussão implícita era a seguinte: se captamos pelos sentidos coisas singulares, por que as expressamos com palavras universais? Por exemplo, quando digo "Gosto mais de cão que de gato", não estou falando de determinado cão ou gato, mas sim de cão e gato em um sentido geral, universal. Que relação existe, então, entre as coisas singulares e a forma universalizada com que as expressamos? Os universais existem na realidade ou apenas no pensamento?
      Surgiram duas posições antagônicas sobre a questão dos universais: a realista, que defendeu a tese de que os universais existem de fato, e a nominalista, que sustentou a tese contrária, ou seja, de que os universais não existiram e si mesmos, pois seriam apenas palavras sem uma existência real.


Jogos de linguagem
    Para Ludwig Wittgenstein (1889-1951), lógico e filósofo austríaco, o grande problema da filosofia teria surgido com Platão, que pensava nas palavras apenas como nomes próprios, como se cada termo correspondesse a um objeto. Isso teria sido um equívoco que arrastou grande parte dos pensadores posteriores que debateram temas lógicos e linguísticos.
      De acordo com Wittegenstein, a linguagem não é a captura conceitual da realidade ou uma figuração do objeto. E sua função não é a mera descrição dos fatos.
      Em sua obra Investigações filosóficas, explica que a linguagem é como uma caixa de ferramentas e, como qualquer ferramenta, é preciso saber usá-la, reconhecendo seus limites e calando-se diante do que não pode ser falado. Falar é como participar de uma atividade, de um jogo. E os jogos de linguagem adquirem seus significado no uso social, nos diferentes modos de ser e de viver no qual a fala está inserida.

O livro de areia (1999) — Marilá Dardot (livro encadernado com páginas de espelho). Obra inspirada em conto homônimo de Jorge Luis Borges, que fala de um livro infinito, com páginas que nunca se repetem.

      É assim que cada palavra pode significar coisas distintas em contextos distintos, como, por exemplo, "legal", "bacana", "maneiro", "massa", ou mesmo "amor", "bondade", "justiça", entre uma infinidade de palavras.


Atos da fala
    O filósofo britânico John L. Austin (1911-1960) também criticou a concepção predominante de que o principal papel — para não dizer o dever — da linguagem é descrever os fatos, a realidade, e foi o primeiro filósofo que destacou explicitamente a qualidade ativa da linguagem. Segundo ele, há enunciados de dois tipos:
• constatativos — comunicam uma informação, afirmando-a ou negando-a. Por exemplo: "O dia está claro", "O carro quebrou";
• performativos — realizam uma ação pelo simples fato de serem enunciados. Por exemplo: "Eu os declaro marido e mulher".
      Em uma análise mais aprofundada dos enunciados performativos, Austin formulou a teoria dos atos da fala. Ato da fala é toda ação que se realiza quando se diz algo. De acordo com essa teoria, há três tipos básicos de atos da fala:
• ato locucionário — ação de dizer algo, independentemente do que se queira dizer. O simples ato de dizer já é uma ocorrência no mundo, uma ação. Por exemplo, dizer "O telefone está tocando?";
• ato ilocucionário — ação que se quer alcançar quando se diz o que se diz, a qual pode não aparecer de forma explícita na frase. Por exemplo, quando digo "O telefone está tocando?", minha intenção pode não ser a pergunta feita diretamente, mas um recurso bem-humorado para chamar a atenção das outras pessoas da casa para o fato de que o telefone toca e alguém deve atendê-lo;
• ato perlocucionário — ação ou efeito provocado em outra pessoa quando se diz o que se diz. Por exemplo, quando digo "O telefone está tocando?", alguém da casa pode responder "Sim, está tocando" ou simplesmente entender a ironia, caso ela exista, levantar-se e atender o telefone.
      Vemos, portanto, que a comunicação é algo tão simples e direto assim. Ela está diretamente vinculada às interações que se estabelecem entre as pessoas (por exemplo, de autoridade ou cooperação) e a outras variáveis.


Gramática: adquirida ou inata?
    Outra discussão importante concernente à linguagem — e mais ligada ao campo da linguística — pode ser assim resumida: a formação e o aprendizado das línguas dependem exclusivamente da interação social ou são o resultado de uma relação das estruturas mentais geneticamente herdadas da espécie humana com o meio social?
      A interpretação predominante até algumas décadas atrás era a primeira, conhecida como condutista ou behaviorista. O behaviorismo (termo derivado do inglês behavior, "conduta", "comportamento") é uma doutrina do campo da psicologia que enfatiza a ideia de que toda conduta é moldada, condicionada no contato com o meio, como ocorre em um trabalho de condicionamento ou adestramento. Nesse sentido, tanto a formação das línguas como o aprendizado de seu léxico e de sua gramática podem ser considerados respostas aos estímulos externos, sendo por isso observáveis. Entre os mais conhecidos formuladores do behaviorismo então o linguista estadunidense L. Bloomfield (1887-1949) e o psicólogo de mesma nacionalidade B. F. Skinner (1904-1990).
      Interpretação bastante distinta formulou o filósofo, linguista e matemático estadunidense Noam Chomsky (1928-), que defende uma interpretação inatista. Para ele, a linguagem é uma capacidade humana natural, inscrita no DNA: todos nós nascemos com ela. Apoiando-se em conhecimentos da neurobiologia e das ciências cognitivas, Chomsky afirmou que o sistema nervoso central e o córtex cerebral estão programados não apenas para os aspectos fisiológicos da fala, mas também para a organização da língua.
      Essa tese se confirma, segundo Chomsky, na observação de como as crianças aprendem a falar. Mesmo quando não contam, em seu ambiente, com estímulos muitos favoráveis a esse aprendizado, a maioria delas apresenta um domínio razoável da língua materna por volta dos seis anos de idade. E isso é ainda mais surpreendente se pensarmos que as línguas em geral possuem estruturas complexas de regras gramaticais e variações semânticas, às quais a criança começará a ser formalmente introduzida apenas alguns anos mais tarde. Como interpretar esse fato?
      A explicação estaria na existência do que Chomsky denominou gramática universal, ou seja, um modelo ou padrão linguístico básico ao qual se amoldam todas as línguas e que faria parte do patrimônio genético de nossa espécie. Fazendo parte da estrutura biológica do ser humano, essa gramática seria, portanto, anterior ao aprendizado de qualquer gramática específica. Não se identificaria com nenhuma língua particular, mas seria subjacente a todas.


Sugestões de filmes

• O enigma de Kaspar Hauser (1975, Alemanha, direção de Werner Herzog)
      Garoto é criado em um porão, longe de qualquer contato com outro ser humano, até completar 18 anos. Sem saber falar, andar ou conhecer sua própria identidade, ele é levado para a cidade, onde se torna o objeto de curiosidade e desprezo da população local.

• Nell (1994, EUA, direção de Michael Apted)
      Médico tenta ajudar a integrar-se à sociedade uma jovem que vivia isolada em uma casa na floresta desde o nascimento. Sem nenhum contato social até então, exceto com a mãe enferme e já morta, ela utiliza uma linguagem estranha para comunicar-se.

• Um filme falado (2003, Itália/França/Portugal, direção de Manoel de Oliveira)
      Professora de história viaja com a filha, visitando várias cidades do Mediterrâneo, em uma espécie de passeio por uma parte da história das civilizações, no qual a linguagem e as línguas desempenham papel especial.
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