Pensar a vida e viver o pensamento, de forma profunda e radical. Isso é filosofar.

METAFÍSICA - A busca da realidade essencial

      Deitado em seu berço, um bebê olhando encantado um móbile colorido girando sobre seu leito, enquanto suga prazerosamente os dedinhos do pé, em um processo de descoberta do próprio corpo e do mundo ao seu redor. Suas expressões corporais e os olhinhos atentos e curiosos parecem querer dizer: "O que é isso que experimento a cada instante? O que é essa coisa que escuto e vejo, que percebo pelo nariz, pela boca ou por toda a pele? Como tudo isso funciona?"
      Como você pode perceber, investigar o mundo em que vivemos é uma experiência humana básica e necessária para nossa adaptação à realidade, à vida, à existência. No entanto, com o passar do tempo, depois de aprender o que parecia ser mais relevante para a própria subsistência, a maioria das pessoas tende a esquecer esses momentos de encantamento e descoberta da realidade.
      A filosofia, porém — junto com a ciência —, mantém acesa essa chama, indagando de maneira metódica e racional o que é esse mundo que nos envolve e nos penetra. No campo propriamente filosófico, as investigações mais radicais sobre o mundo e a realidade pertencem à metafísica.
      Como vimos aqui, a metafísica busca a realidade fundamental das coisas, isto é, sua essência. Por isso, desde a Antiguidade, com Aristóteles, esse tipo de investigação foi definido como a ciência do ser enquanto ser. Ou seja, trata-se de uma investigação que tem mais especificamente o ser por objeto de estudo. Mas o que é o ser? E o que quer dizer essa expressão "ser enquanto ser"?


O que é o ser
    Definir o substantivo ser no contexto filosófico é uma tarefa bastante delicada. Como se observa em relação a vários outros conceitos filosóficos, cada pensador deu uma pincelada, tirou ou acrescentou algo, às vezes até colocando suas distintas interpretações em contradição. E quanto mais abstrato o conceito, mais isso parece ocorrer.
      Podemos dizer, no entanto, de maneira simplificada, que ser é um termo genérico usado para se referir a qualquer coisa que é, qualquer coisa que existe — por exemplo, um homem, uma mulher, um pássaro ou uma pedra. Nesse sentido, o termo mais adequado e específico seria ente.
      Normalmente, porque esses entes "se apresentam" a nós de maneira caracteristicamente própria e distinta — isto é, de tal forma que um não se confunde com outro, como um pássaro não se confunde com uma pedra, uma mesa ou um ser humano —, tendemos a pensar que eles são algo caracteristicamente próprio e distinto.
      Ora, se supomos que todas essas "coisas" são de maneira caracteristicamente própria e distinta, acabamos inferindo que elas "têm" algo que lhes é inerente, intrínseco, essencial, que as constitui e determina. Portanto, o termo ser também pode ser definido, stricto sensu, como aquilo que uma coisa (um ser ou ente) é ou "tem" que lhe é próprio e que não depende de outros seres ou de quaisquer circunstâncias para ser.
      O ser, neste último sentido, ficou conhecido mais tarde, no jargão filosófico, como coisa em si, expressão adotada pelo filósofo alemão Immanuel Kant no século XVIII. Assim, no primeiro sentido, seria a coisa; no segundo, a coisa em si.

Inerente — que está em algo (ou alguém), fazendo parte dele de maneira inseparável.
Intrínseco — que vem de dentro e faz parte de algo (ou alguém) como próprio (por oposição a extrínseco, que vem de fora).

      Assim, articulando a primeira acepção de ser com a segunda, podemos entender que o estudo do "ser enquanto ser" é o estudo daquilo que existe em seus termos mais essenciais e absolutos. Por isso dizemos que a metafísica é a busca da realidade fundamental de qualquer coisa ou de tudo. É a tentativa de saber como as coisas são de verdade, livres das aparências. Essa busca seguiu distintos caminhos.

Criança em sua descoberta do mundo.


Problemas da realidade
    Pois bem, como as coisas são de verdade?
      Algumas pessoas olham um cachorro e veem apenas um ser que é como uma máquina biológica, que está aí para nos ajudar ou incomodar. Outras enxergam esse mesmo cão como um ser inteligente e sensível, com direitos semelhantes aos dos humanos. Algumas pessoas olham o céu e pensam em um espaço repleto de corpos siderais. Outras fazem o mesmo e entendem que aí existem seres sobrenaturais, Deus ou deuses, anjos etc. Algumas pessoas veem um copo com água pela metade e entendem que está meio cheio; outras, que está meio vazio.
      E você? Como você "vê" as coisas? Experimente olhar para o que há ao seu redor neste instante, como se estivesse fazendo isso pela primeira vez. Busque conhecer como é verdadeiramente o mundo. Comece por problematizar, isto é, encontrar problemas ou questões acerca da realidade.
      Os primeiros filósofos — por primeiros filósofos nos referimos aos pensadores gregos da Antiguidade — faziam isso. Eles procuraram descobrir não apenas a origem de cada ser, ou de tudo o que existe, mas também seu propósito, sua finalidade. Alguns se perguntaram sobre a constituição de cada coisa, ou de todas as coisas, e se havia uma relação, uma ordem ou uma hierarquia entre tudo o que existe. Outros se voltaram para os processos observados na realidade, como o crescimento e o envelhecimento, vinculados ao passar do tempo.
      Enfim, a partir de distintas intuições do mundo, esses primeiros filósofos procuraram encontrar a essência da realidade (ou do ser), suas causas e propriedades fundamentais. Desse modo, foram sendo criados alguns dos conceitos centrais da filosofia. Dizemos centrais, porque foram retomados, formulados ou contestados por pensadores posteriores, sendo empregados nos diversos campos de estudo filosófico até nossos dias (e mesmo nos campos não filosóficos).
      Assim, antes de percorrermos algumas teorias sobre o mundo, vejamos alguns desses conceitos referenciais da metafísica. De início, eles podem parecer meio obscuros, mas não se assuste. Ao longo do capítulo, tudo deve ficar mais claro. Lembre-se de que essas concepções "estão por aí" e você as utiliza frequentemente, mesmo sem se dar conta disso, pois elas fazem parte da nossa cultura.


Substância
    Quando observamos as coisas em busca de sua natureza intrínseca, fundamental, essencial, tendemos a pensar naquilo que, em filosofia, se designa substância. Não se trata da substância como comumente a entendemos hoje, isto é, uma entidade material qualquer (por exemplo, leite ou cal), que pode ser concebida também física ou quimicamente (por exemplo, cálcio ou óxido de cálcio). Na metafísica, especula-se a respeito da substância de qualquer coisa: dos corpos, dos pensamentos, das palavras ou mesmo de Deus.
      A palavra substância vem do latim substantia, que significa "o que está ou permanece sob, por debaixo", isto é, "suporte, sustentáculo". No contexto da ontologia, foi usada por alguns filósofos para denominar o substrato ou suporte fundamental de um ser, aquilo sem o qual ele não é. Nesse sentido, substância equivale a essência. Assim, a substância de um ser seria a realidade necessária e constante desse ser.
      Essa é uma definição restrita e simplificada de substância. Vários filósofos, principalmente Aristóteles, detalharam o conceito de substância de acordo com suas perspectivas, conferindo-lhe diversos matizes. Acreditamos, porém, que a definição básica é suficiente, por ora.
      Ao conceito de substância opõe-se o de acidente, pois este se refere àquilo que faz parte de um ser, mas sem o qual o ser continua sendo. Por exemplo: o tamanho grande de um triângulo é um acidente, pois o triângulo não precisa ser grande para ser triângulo.


Devir ou vir a ser
    Quando pensamos que todo ser deve ter uma substância, isto é, uma realidade necessária e constante, estamos observando a permanência nas coisas, aquilo que não varia (ou que supomos que não varia). Por exemplo: os três lados do triângulo, a brancura do leite, a mortalidade dos seres vivos. Essa foi a tendência predominante da filosofia (e, depois, das ciências) desde Sócrates.
      No entanto, alguns filósofos — o primeiro foi Heráclito — olharam para o universo e tiveram uma intuição distinta. Eles focalizaram sua atenção sobre a mudança. Nesse caso, em vez de realizar uma reflexão sobre o ser, desenvolveram uma sobre o vir a ser.
      Vir a ser ou devir são termos sinônimos que se referem ao processo de transformação dos seres e das coisas, ao conjunto de mudanças que se manifestam à medida que o tempo evolui. "Talvez nada permaneça no universo, tudo seja devir", pensaram alguns estudiosos. Nesse caso, se podemos falar em "essência" da realidade, ela seria a impermanência.


Causa e causalidade
    Até agora estávamos trabalhando alguns conceitos metafísicos vinculados à pergunta "o quê?": "O que é tal coisa?", "O que é essencial nela?", "O que é acidental?". Mas, quando olhamos o mundo e seus fenômenos para procurar entendê-los, também tendemos a perguntar "por quê?". Ao fazer isso, estamos investigando as causas — ou, em metafísica, as causas primeiras, fundamentais. Como escreveu Aristóteles, "não acreditamos conhecer nada antes de ter aprendido cada vez o seu porquê (isto é, apreendido a primeira causa)" (Citado em Russ, Dicionário de filosofia, p. 32).
      Aristóteles distinguia quatro tipos de causa: material, eficiente, formal e final. Modernamente, no entanto, quando falamos em causa, estamos nos referindo geralmente àquilo que dá origem, ou induz a algo mais, ou que o determina (uma combinação entre as causas material e eficiente, do filósofo grego). Esse algo mais é o efeito, justamente aquilo que queremos compreender, o que nos rende a uma causa. Causa e efeito seriam, portanto, coisas ou fenômenos que supomos vinculados por uma relação de causalidade, isto é, de "influência" da primeira (a causa) sobre o segundo (o efeito).
      Assim, a busca pela causa traz implícita a noção de que todo ser, fenômeno ou acontecimento deve ter sido originado ou determinado por outro ser ou acontecimento que o precede no tempo. Trata-se do chamado princípio de causalidade, o qual sustenta que todo fenômeno tem uma causa.
      O princípio de causalidade acabou tornando-se um dos princípios fundamentais do pensamento moderno e contemporâneo, especialmente nas ciências.

Árvore deitada (c. 1923-1924) — Chaïm Soutine (Musée de I'Orangerie, Paris, França). A mudança ou o movimento da realidade é uma das principais questões abordadas pela metafísica.


Fim e finalismo
    Na outra ponta da investigação sobre a realidade podemos situar a pergunta "para quê?", formulada quando buscamos o fim das coisas, isto é, o objetivo para o qual apontam os seres, os acontecimentos ou as ações.
      Alguns pensadores procuraram encontrar as múltiplas finalidades que os seres pudessem ter, bem como o fim último do universo ou da existência. Formularam, assim, doutrinas denominadas finalistas.
      No finalismo, o fim tende a adquirir um estatuto especial, pois assume o lugar de princípio explicativo para a existência, a organização e as transformações dos seres. Como formulou o filósofo cristão Tomás de Aquino (1226-1274), o fim é aquilo por que algo é (o finalismo vincula-se ao conceito de causa final, de Aristóteles).
      As doutrinas finalistas também são conhecidas como teleológicas, palavra derivada do substantivo grego télos, que significa "fim". Muitas vezes, o termo télos é usado em um sentido genérico em referência ao ponto para o qual se move ou tende a mover-se uma coisa ou realidade.
      As concepções finalistas ou teleológicas são comuns nas religiões e praticamente ignoradas nas ciências. Na filosofia, a discussão sobre os fins ganhou maior relevância, fora da metafísica, em questões ligadas à ética e ao ser humano e sua existência.

Distintas intuições do mundo levaram a distintas reflexões sobre a natureza fundamental da realidade.

      Observe o mundo à sua volta. Pense nos lugares, nas coisas, nas pessoas, na vida. Compare-os com o que eram tempos atrás, por exemplo, quando você era criança, ou há dois séculos. Na sua percepção, o que parece ser fundamental: a permanência do ser ou a mudança do devir? Por quê?
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