Vejamos algumas explicações sobre o mundo formuladas por diversos grupos humanos ao longo da história, sem nos restringir ao campo filosófico.
Acredita-se que o problema do mundo e de como tudo surgiu habita a mente dos seres humanos desde épocas bastante remotas. Entre as primeiras explicações conhecidas encontram-se lendas e mitos de culturas muito antigas — egípcia, indiana, chinesa, grega, romana, asteca e outras — e suas respectivas cosmogonias ou cosmogêneses, isto é, exposições sobre a origem e formação do universo.
No caso dos gregos, um conjunto de deuses primordiais representava, segundo a narrativa mítica, o surgimento do cosmos (conceito grego referente a um "universo ordenado"). De acordo com o poema Teogonia ("origem dos deuses"), de Hesíodo, escrito por volta de VIII a.C., a primeira divindade teria sido Caos (o abismo, o vazio indeterminado e ilimitado), mas logo apareceram Gaia (a Terra), Tártaro (o mundo subterrâneo, de trevas profundas) e Eros (o amor). De cada uma dessas divindades vieram outras e, da união entre elas, nascem outras mais, conformando assim várias estirpes de deuses e deusas, heróis e heroínas e outras entidades.
Desse modo, as forças e os fenômenos da natureza e dos seres naturais estavam simbolicamente representados em seres divinos e sobrenaturais, geralmente concebidos segundo a imagem humana, antropomorfizados. A cosmogonia contida nos mitos equivalia praticamente à genealogia de suas deidades.
Genealogia — estudo da origem e história de um indivíduo em relação a seus antepassados ou família. Por extensão, em alguns filósofos, estudo das concepções e acontecimentos que determinaram ou favoreceram a formação de certas ideias, valores ou crenças.
Primeiras cosmologias
A partir do século VII a.C., os primeiros filósofos gregos — conhecidos como pré-socráticos — iniciaram um processo de ruptura com as explicações míticas e antropomórficas do universo. Dedicaram-se a investigar diretamente o mundo físico, a natureza (que se diz physis, em grego), e a construir uma cosmologia, ou seja, uma explicação sobre a origem, formação e principais características do cosmos. Nada — ou bem pouco — de deuses ou histórias familiares. A nova tendência era buscar argumentos baseados na observação do mundo natural e no uso da razão para formar um sistema coerente de concepções.
Busca da arché
A investigação empreendida pelos pensadores pré-socráticos caracterizou-se principalmente pela busca da arché, palavra grega que significa literalmente "o que está na frente, a origem, o começo". A arché pode ser entendida como:
• realidade primeira que deu origem a tudo o que existe;
• substrato fundamental que compõem as coisas;
• força ou princípio que determina todas as transformações que ocorrem nas coisas.
Como vimos, a ideia de que todos os seres da natureza provêm ou participam de uma unidade primordial já estava presente nas diversas cosmogonias. Mas a busca da arché dos primeiros filósofos trouxe a novidade, entre outras, de superar o antropomorfismo da perspectiva mítica, procurando identificar elementos naturais (ou não sobrenaturais) que explicassem racionalmente a realidade (cf. Bernhardt, O pensamento pré-socrático..., em Châtelet, História da filosofia, v. 1, p. 28).
Qual era a arché para cada pensador pré-socrático? Tales dizia ser a água, Anaximandro, o ápeiron, "o indeterminado"; Anaxímenes, o ar; Xenófanes, a terra; Heráclito, o fogo; Pitágoras, os números; Parmênides, o ser; Empédocles, os quatro elementos (terra, água, ar e fogo); Demócrito, os átomos.
Metafísicas gregas clássicas
No século IV a.C., período clássico da filosofia grega, Platão procurou explicar a realidade concebendo a existência de dois mundos separados: o mundo sensível (correspondente à matéria), que é temporário e ilusório, e o mundo inteligível (correspondente às ideias), que é eterno e verdadeiro. Uma terceira realidade, no entanto, teria operado na formação do universo: o demiurgo, uma espécie de "grande construtor", que buscou as ideias eternas, situadas no mundo inteligível, para dar forma à matéria, que estava ainda indeterminada.
Aristóteles, por sua vez, afirmou que em todas as coisas haveria dois princípios inseparáveis: a matéria (princípio indeterminado, mas determinável pela forma) e a forma (princípio determinado e determinante em relação à matéria). Com relação à origem do universo, o filósofo entendia que o mundo é eterno, mas que um primeiro motor o colocou em movimento, por sua força de atração.
Noção de cosmos
Aristóteles também concebeu um modelo de universo extremamente organizado e racional (cosmos) no qual a Terra tinha um lugar privilegiado, o centro (geocentrismo), embora fosse também o de menor perfeição (concepção platônica, o mundo corruptível da matéria).
De acordo com esse modelo, o universo seria infinito espacialmente e composto de diversas esferas concêntricas. A menor seria a da Terra; a maior, a das estrelas fixas. A esfera correspondente à Lua dividiria o espaço em duas regiões, com qualidades totalmente distintas: a região terrestre (mundo sublunar), mutável e imperfeita, e a região celeste (mundo supralunar), imutável e perfeita, onde habitariam os deuses.
Organizado hierarquicamente, o cosmos aristotélico trazia consigo a noção de espaço qualitativo: cada corpo (ou ser) teria uma qualidade e um lugar que lhe seria próprios, e a esse lugar ele tenderia por natureza. Assim, de acordo com Aristóteles, quando atiramos uma pedra para cima e ela volta ao chão, isso ocorre porque esse é seu lugar natural. Pela mesma razão, a água tende a descer, enquanto o ar e o fogo tendem a subir.
Durante a Idade Média, essa concepção do universo pôde ser incorporada pelos pensadores cristãos e adotada oficialmente pela Igreja católica, pois garantia um posto privilegiado para o ser humano (no centro da criação), além de permitir que Deus pudesse ser identificado com o primeiro motor e tivesse seu lugar natural no céu (fora do mundo), de onde podia comandar sua obra. Não havia, portanto, conflito com as escrituras sagradas, que ganhavam em racionalidade com o modelo aristotélico.
Dissolução do cosmos
A partir do século XV iniciou-se uma série de transformações nas sociedades europeias (políticas, econômicas, sociais), comumente relacionadas com a construção de uma nova mentalidade, isto é, uma nova maneira de entender as coisas. No plano cultural, o movimento que acompanhou, expressou e sustentou essas mudanças ficou conhecido como Renascimento (séculos XV e XVI). Foi também nesse contexto que se assentaram os fundamentos da chamada ciência moderna.
Filósofos e cientistas de então construíram novas teorias que não apenas modificaram sistemas antigos de explicação da natureza e do real, como também destruíram um mundo, substituindo-o por outro. Essas teorias forçaram, progressivamente, uma reforma na estrutura do pensamento, uma mudança na maneira de entender as coisas, da qual somos herdeiros. Foi, enfim, uma verdadeira "revolução espiritual" (Koyré, Estudos de história do pensamento científico, p. 154-155).
Essa revolução espiritual esteve vinculada, em boa medida, à física e à astronomia, cujos sucessivos êxitos em explicar a realidade concreta contribuíram para que o racionalismo materialista se tornasse a visão de mundo predominante nas sociedades ocidentais contemporâneas. Uma das novidades trazidas pela astronomia do início da Idade Moderna foi a teoria heliocêntrica, que propôs uma reorganização do universo físico. Assim se iniciou um processo de descentralização do mundo que dissolveu a antiga noção de cosmos, formulada desde os gregos. Vejamos isso com mais detalhe.
Espaço infinito
A concepção geocêntrica do universo coincide, basicamente, com a percepção do senso comum, pois se trata de uma representação daquilo que podemos observar diretamente: nós aqui, no centro (o ponto fixo, a referência), com os astros girando à nossa volta.
No entanto, como apontou o sacerdote e astrônomo Nicolau Copérnico (1473-1543) em sua obra Da evolução das esferas celestes, o que vemos com nossos próprios olhos é apenas o movimento aparente dos astros. O movimento real é o da Terra — e os demais astros — girando em torno do Sol (heliocentrismo). Copérnico chegou a essa conclusão ao perceber, como estudioso dedicado aos cálculos e às mediações celestes, que o modelo geocêntrico era insuficiente para explicar vários movimentos que ele observava.
A tese heliocêntrica não constituiu total novidade — segundo alguns historiadores, Aristarco de Samos (c. séculos IV-III a.C.) já a defendia na Antiguidade —, mas foi a partir do sistema proposto por Copérnico que o heliocentrismo começou a ser aceito, investigado e aperfeiçoado por seus seguidores, destruindo completamente a cosmologia medieval.
Ora, se a Terra não estava no centro de tudo, a noção aristotélica de espaço hierarquizado deixava de fazer sentido. Progressivamente, foi sendo substituída pela de espaço homogêneo, ou seja, em que os lugares são equivalentes, sem um ponto fixo, pois o heliocentrismo de Copérnico constituiu apenas o primeiro passo de um processo de descentralização e expansão do mundo: aos poucos muitos abraçaram a tese de que o universo é infinito (questão que se mantém aberta até hoje).
Matematização da natureza
Paralelamente, os pensadores modernos desenvolveram uma visão da natureza baseada na geometrização do espaço e na matematização dos fenômenos naturais. Essa expressão deve-se ao fato de que os cientistas foram abandonando a abordagem tradicional, fundada no estudo das qualidades dos corpos e de suas causas (orientação aristotélica), e passaram a observar mais atentamente as regularidades entre as propriedades dos corpos ou fenômenos, adotando o viés quantitativo. O espaço passou a ser homogêneo. Por exemplo, o movimento começou a ser pensado em termos das relações espaço-tempo (velocidade) e impulso-duração (aceleração), expressas em linguagem geométrica ou matemática.
Assim, com o advento dessa nova mentalidade, conhecer o mundo começou a ter um novo significado. Essa mudança ficou magistralmente registrada nas palavras de Galileu, um dos fundadores da física moderna, que, como bom filósofo da natureza, afirmou:
Acredita-se que o problema do mundo e de como tudo surgiu habita a mente dos seres humanos desde épocas bastante remotas. Entre as primeiras explicações conhecidas encontram-se lendas e mitos de culturas muito antigas — egípcia, indiana, chinesa, grega, romana, asteca e outras — e suas respectivas cosmogonias ou cosmogêneses, isto é, exposições sobre a origem e formação do universo.
No caso dos gregos, um conjunto de deuses primordiais representava, segundo a narrativa mítica, o surgimento do cosmos (conceito grego referente a um "universo ordenado"). De acordo com o poema Teogonia ("origem dos deuses"), de Hesíodo, escrito por volta de VIII a.C., a primeira divindade teria sido Caos (o abismo, o vazio indeterminado e ilimitado), mas logo apareceram Gaia (a Terra), Tártaro (o mundo subterrâneo, de trevas profundas) e Eros (o amor). De cada uma dessas divindades vieram outras e, da união entre elas, nascem outras mais, conformando assim várias estirpes de deuses e deusas, heróis e heroínas e outras entidades.
Desse modo, as forças e os fenômenos da natureza e dos seres naturais estavam simbolicamente representados em seres divinos e sobrenaturais, geralmente concebidos segundo a imagem humana, antropomorfizados. A cosmogonia contida nos mitos equivalia praticamente à genealogia de suas deidades.
Genealogia — estudo da origem e história de um indivíduo em relação a seus antepassados ou família. Por extensão, em alguns filósofos, estudo das concepções e acontecimentos que determinaram ou favoreceram a formação de certas ideias, valores ou crenças.
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Representação de divindades mesoamericanas (final do século XV) no calendário dos povos dessa região (Biblioteca dell'Assemblea Nazionale, Palais Bourbon, Paris, França). |
Primeiras cosmologias
A partir do século VII a.C., os primeiros filósofos gregos — conhecidos como pré-socráticos — iniciaram um processo de ruptura com as explicações míticas e antropomórficas do universo. Dedicaram-se a investigar diretamente o mundo físico, a natureza (que se diz physis, em grego), e a construir uma cosmologia, ou seja, uma explicação sobre a origem, formação e principais características do cosmos. Nada — ou bem pouco — de deuses ou histórias familiares. A nova tendência era buscar argumentos baseados na observação do mundo natural e no uso da razão para formar um sistema coerente de concepções.
Busca da arché
A investigação empreendida pelos pensadores pré-socráticos caracterizou-se principalmente pela busca da arché, palavra grega que significa literalmente "o que está na frente, a origem, o começo". A arché pode ser entendida como:
• realidade primeira que deu origem a tudo o que existe;
• substrato fundamental que compõem as coisas;
• força ou princípio que determina todas as transformações que ocorrem nas coisas.
Como vimos, a ideia de que todos os seres da natureza provêm ou participam de uma unidade primordial já estava presente nas diversas cosmogonias. Mas a busca da arché dos primeiros filósofos trouxe a novidade, entre outras, de superar o antropomorfismo da perspectiva mítica, procurando identificar elementos naturais (ou não sobrenaturais) que explicassem racionalmente a realidade (cf. Bernhardt, O pensamento pré-socrático..., em Châtelet, História da filosofia, v. 1, p. 28).
Qual era a arché para cada pensador pré-socrático? Tales dizia ser a água, Anaximandro, o ápeiron, "o indeterminado"; Anaxímenes, o ar; Xenófanes, a terra; Heráclito, o fogo; Pitágoras, os números; Parmênides, o ser; Empédocles, os quatro elementos (terra, água, ar e fogo); Demócrito, os átomos.
Metafísicas gregas clássicas
No século IV a.C., período clássico da filosofia grega, Platão procurou explicar a realidade concebendo a existência de dois mundos separados: o mundo sensível (correspondente à matéria), que é temporário e ilusório, e o mundo inteligível (correspondente às ideias), que é eterno e verdadeiro. Uma terceira realidade, no entanto, teria operado na formação do universo: o demiurgo, uma espécie de "grande construtor", que buscou as ideias eternas, situadas no mundo inteligível, para dar forma à matéria, que estava ainda indeterminada.
Aristóteles, por sua vez, afirmou que em todas as coisas haveria dois princípios inseparáveis: a matéria (princípio indeterminado, mas determinável pela forma) e a forma (princípio determinado e determinante em relação à matéria). Com relação à origem do universo, o filósofo entendia que o mundo é eterno, mas que um primeiro motor o colocou em movimento, por sua força de atração.
Noção de cosmos
Aristóteles também concebeu um modelo de universo extremamente organizado e racional (cosmos) no qual a Terra tinha um lugar privilegiado, o centro (geocentrismo), embora fosse também o de menor perfeição (concepção platônica, o mundo corruptível da matéria).
De acordo com esse modelo, o universo seria infinito espacialmente e composto de diversas esferas concêntricas. A menor seria a da Terra; a maior, a das estrelas fixas. A esfera correspondente à Lua dividiria o espaço em duas regiões, com qualidades totalmente distintas: a região terrestre (mundo sublunar), mutável e imperfeita, e a região celeste (mundo supralunar), imutável e perfeita, onde habitariam os deuses.
Organizado hierarquicamente, o cosmos aristotélico trazia consigo a noção de espaço qualitativo: cada corpo (ou ser) teria uma qualidade e um lugar que lhe seria próprios, e a esse lugar ele tenderia por natureza. Assim, de acordo com Aristóteles, quando atiramos uma pedra para cima e ela volta ao chão, isso ocorre porque esse é seu lugar natural. Pela mesma razão, a água tende a descer, enquanto o ar e o fogo tendem a subir.
Durante a Idade Média, essa concepção do universo pôde ser incorporada pelos pensadores cristãos e adotada oficialmente pela Igreja católica, pois garantia um posto privilegiado para o ser humano (no centro da criação), além de permitir que Deus pudesse ser identificado com o primeiro motor e tivesse seu lugar natural no céu (fora do mundo), de onde podia comandar sua obra. Não havia, portanto, conflito com as escrituras sagradas, que ganhavam em racionalidade com o modelo aristotélico.
Dissolução do cosmos
A partir do século XV iniciou-se uma série de transformações nas sociedades europeias (políticas, econômicas, sociais), comumente relacionadas com a construção de uma nova mentalidade, isto é, uma nova maneira de entender as coisas. No plano cultural, o movimento que acompanhou, expressou e sustentou essas mudanças ficou conhecido como Renascimento (séculos XV e XVI). Foi também nesse contexto que se assentaram os fundamentos da chamada ciência moderna.
Filósofos e cientistas de então construíram novas teorias que não apenas modificaram sistemas antigos de explicação da natureza e do real, como também destruíram um mundo, substituindo-o por outro. Essas teorias forçaram, progressivamente, uma reforma na estrutura do pensamento, uma mudança na maneira de entender as coisas, da qual somos herdeiros. Foi, enfim, uma verdadeira "revolução espiritual" (Koyré, Estudos de história do pensamento científico, p. 154-155).
Essa revolução espiritual esteve vinculada, em boa medida, à física e à astronomia, cujos sucessivos êxitos em explicar a realidade concreta contribuíram para que o racionalismo materialista se tornasse a visão de mundo predominante nas sociedades ocidentais contemporâneas. Uma das novidades trazidas pela astronomia do início da Idade Moderna foi a teoria heliocêntrica, que propôs uma reorganização do universo físico. Assim se iniciou um processo de descentralização do mundo que dissolveu a antiga noção de cosmos, formulada desde os gregos. Vejamos isso com mais detalhe.
Espaço infinito
A concepção geocêntrica do universo coincide, basicamente, com a percepção do senso comum, pois se trata de uma representação daquilo que podemos observar diretamente: nós aqui, no centro (o ponto fixo, a referência), com os astros girando à nossa volta.
No entanto, como apontou o sacerdote e astrônomo Nicolau Copérnico (1473-1543) em sua obra Da evolução das esferas celestes, o que vemos com nossos próprios olhos é apenas o movimento aparente dos astros. O movimento real é o da Terra — e os demais astros — girando em torno do Sol (heliocentrismo). Copérnico chegou a essa conclusão ao perceber, como estudioso dedicado aos cálculos e às mediações celestes, que o modelo geocêntrico era insuficiente para explicar vários movimentos que ele observava.
A tese heliocêntrica não constituiu total novidade — segundo alguns historiadores, Aristarco de Samos (c. séculos IV-III a.C.) já a defendia na Antiguidade —, mas foi a partir do sistema proposto por Copérnico que o heliocentrismo começou a ser aceito, investigado e aperfeiçoado por seus seguidores, destruindo completamente a cosmologia medieval.
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A ideia do Sol como centro do universo foi sendo dissolvida nos séculos seguintes. Hoje o que se sabe é que essa estrela é o centro gravitacional (não geométrico) apenas do Sistema Solar. |
Ora, se a Terra não estava no centro de tudo, a noção aristotélica de espaço hierarquizado deixava de fazer sentido. Progressivamente, foi sendo substituída pela de espaço homogêneo, ou seja, em que os lugares são equivalentes, sem um ponto fixo, pois o heliocentrismo de Copérnico constituiu apenas o primeiro passo de um processo de descentralização e expansão do mundo: aos poucos muitos abraçaram a tese de que o universo é infinito (questão que se mantém aberta até hoje).
Matematização da natureza
Paralelamente, os pensadores modernos desenvolveram uma visão da natureza baseada na geometrização do espaço e na matematização dos fenômenos naturais. Essa expressão deve-se ao fato de que os cientistas foram abandonando a abordagem tradicional, fundada no estudo das qualidades dos corpos e de suas causas (orientação aristotélica), e passaram a observar mais atentamente as regularidades entre as propriedades dos corpos ou fenômenos, adotando o viés quantitativo. O espaço passou a ser homogêneo. Por exemplo, o movimento começou a ser pensado em termos das relações espaço-tempo (velocidade) e impulso-duração (aceleração), expressas em linguagem geométrica ou matemática.
Assim, com o advento dessa nova mentalidade, conhecer o mundo começou a ter um novo significado. Essa mudança ficou magistralmente registrada nas palavras de Galileu, um dos fundadores da física moderna, que, como bom filósofo da natureza, afirmou:
"A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto." (O ensaiador, p. 119).
Observação: Lembre-se de que, como vimos aqui, até a Idade Moderna não havia ocorrido ainda uma separação entre ciência e filosofia. O estudo da natureza (que hoje corresponde às ciências naturais) era um ramo filosófico chamado de filosofia natural. Vários dos pensadores que hoje conhecemos como filósofos realizaram também estudos científicos ou eram inventores — entre eles Francis Bacon, Descartes, Pascal e Leibniz —, assim como muitos cientistas denominavam seus estudos de filosofia natural.
Mecanicismo
Com Isaac Newton (1642-1727)) floresceu plenamente a revolução do pensamento no campo da investigação da natureza, aliando-se de maneira definitiva a matematização da natureza à experimentação. O mundo passou a ser visto como uma grande máquina cujas partes poderiam ser conhecidas por meio da observação, da elaboração de hipóteses e da realização de experiências para confirmá-las.
Entre as principais características desse mecanismo natural gigante — ou sistema mundo, conforme Newton — estariam a uniformidade e a simplicidade.
"Não se hão de admitir mais causas das coisas naturais do que as que sejam verdadeiras e, ao mesmo tempo, bastem para explicar os fenômenos de tudo. A natureza, com efeito, é simples e não se serve de luxo de causas supérfluas das coisas." (Princípios matemáticos da filosofia natural, p. 18).
Essa regra, fundamental nas ciências naturais até nossos dias, é uma reelaboração do princípio da parcimônia, formulado antes por Guilherme de Ockham (1230-1349) e que se resume na seguinte máxima: é tolice fazer com mais o que se pode fazer com menos. Em outras palavras, deve-se preferir a explicação mais simples em lugar de uma mais complexa sempre que a primeira seja capaz de abranger o maior número de casos relacionados a um determinado fenômeno. Nada mais distinto das múltiplas causas de Aristóteles. Esse princípio ficou também conhecido como navalha de Ockham.
Materialismo versus idealismo
Nesse breve histórico que fizemos, você pôde perceber que, desde a Antiguidade, uma gama profusamente variada de concepções sobre a origem, estrutura e organização da realidade foi formulada por profetas, sábios, filósofos e cientistas de todas as partes, constituindo distintas visões de mundo. E a visão que as pessoas têm da realidade influi no que elas pensam, sentem e fazem.
Trabalhemos agora essas distintas cosmovisões empregando o ponto de vista ontológico, especialmente em relação às teorias filosóficas da realidade. Você poderá observar que, de modo geral, em cada uma delas há um aspecto ou princípio do real mais enfatizado que outro. Os aspectos mais considerados e problematizados são habitualmente matéria (ou algum princípio material) e espírito (ou algum princípio imaterial). Por isso, boa parte das concepções sobre o real costuma ser enquadrada em uma destas duas categorias:
• materialista ou fisicalista — doutrina que concebe, implícita ou explicitamente, a matéria (ou algum princípio físico, como átomo ou energia) como realidade primeira e fundamental de tudo o que existe, sendo possível, a partir dela, explicar fenômenos naturais e mentais, até mesmo sociais. O materialismo moderno serve-se com frequência do mecanicismo, isto é, da noção de que os fenômenos se explicam por um conjunto de causas mecânicas, que envolvem forças e movimentos. Existem vários tipos de materialismo;
• idealista — toda doutrina que concebe, implícita ou explicitamente, o pensamento, a ideia ou algum princípio imaterial como realidade primeira e fundamental de tudo o que existe, ou como realidade independente e distinta da matéria, mas tendo precedência sobre esta. Essa concepção também pode ser qualificada como espiritualista ou imaterialista, conforme o caso. Há vários tipos de idealismo.
Monismo, dualismo e pluralismo
• monista — doutrina que considera que tudo o que existe pode ser reduzido (convertido, simplificado) a um princípio único ou realidade fundamental (a palavra monismo deriva do grego monos, que significa "único, isolado"). Por exemplo: a matéria (monismo materialista), a mente ou o espírito (monismo idealista ou espiritualista) ou qualquer outra entidade. As explicações monistas tendem a compor grandes sistemas, em que todas as esferas da existência estariam interligadas pelo princípio fundamental;
• dualista — doutrina que defende a existência de dois princípios primeiros (ou substâncias fundamentais) no universo, irredutíveis entre si (isto é, um não pode ser convertido ou fundamentado no outro). Existem vários tipos de dualismo, conforme veremos adiante, mas geralmente o termo refere-se à contraposição mente-corpo, espírito-matéria;
• pluralista — doutrina que concebe o universo composto de uma multiplicidade de entidades ou substâncias individuais e independentes, opondo-se principalmente à ideia de realidade fundamental única do monismo. As explicações pluralistas tendem a compor cenários mais abertos, incompletos ou indeterminados da realidade.
As teorias dos primeiros pensadores pré-socráticos são exemplos claros de monismo, pois propõem a existência de um princípio fundamental para tudo o que existe: água, ar, fogo, etc.
Platão costuma ser considerado um dualista por conceber duas realidades distintas e separadas (o mundo sensível e o mundo inteligível). O mesmo se pode dizer de Aristóteles, mas seu dualismo seria "moderado", tendo em conta que supõe dois princípios inseparáveis (matéria e forma), constituindo a unidade do real.
Por último, como exemplos claros de pluralismo, temos as concepções de Empédocles (dos quatro elementos) e de Demócrito (a multiplicidade dos átomos).
Observação: Tenha sempre em mente que não existem classificações rígidas. Elas são pautas que nos ajudam a fazer certas distinções, e sua determinação depende do aspecto doutrinário que se quer abordar, perdendo às vezes varias até para um mesmo autor. A metafísica de Platão, por exemplo, embora seja tradicionalmente considerada dualista, também costuma ser classificada como idealista (portanto, monista), já que as ideias são, para ele, o ser verdadeiro e essencial de todas as coisas.
Materialismo versus idealismo
Nesse breve histórico que fizemos, você pôde perceber que, desde a Antiguidade, uma gama profusamente variada de concepções sobre a origem, estrutura e organização da realidade foi formulada por profetas, sábios, filósofos e cientistas de todas as partes, constituindo distintas visões de mundo. E a visão que as pessoas têm da realidade influi no que elas pensam, sentem e fazem.
Trabalhemos agora essas distintas cosmovisões empregando o ponto de vista ontológico, especialmente em relação às teorias filosóficas da realidade. Você poderá observar que, de modo geral, em cada uma delas há um aspecto ou princípio do real mais enfatizado que outro. Os aspectos mais considerados e problematizados são habitualmente matéria (ou algum princípio material) e espírito (ou algum princípio imaterial). Por isso, boa parte das concepções sobre o real costuma ser enquadrada em uma destas duas categorias:
• materialista ou fisicalista — doutrina que concebe, implícita ou explicitamente, a matéria (ou algum princípio físico, como átomo ou energia) como realidade primeira e fundamental de tudo o que existe, sendo possível, a partir dela, explicar fenômenos naturais e mentais, até mesmo sociais. O materialismo moderno serve-se com frequência do mecanicismo, isto é, da noção de que os fenômenos se explicam por um conjunto de causas mecânicas, que envolvem forças e movimentos. Existem vários tipos de materialismo;
• idealista — toda doutrina que concebe, implícita ou explicitamente, o pensamento, a ideia ou algum princípio imaterial como realidade primeira e fundamental de tudo o que existe, ou como realidade independente e distinta da matéria, mas tendo precedência sobre esta. Essa concepção também pode ser qualificada como espiritualista ou imaterialista, conforme o caso. Há vários tipos de idealismo.
Monismo, dualismo e pluralismo
• monista — doutrina que considera que tudo o que existe pode ser reduzido (convertido, simplificado) a um princípio único ou realidade fundamental (a palavra monismo deriva do grego monos, que significa "único, isolado"). Por exemplo: a matéria (monismo materialista), a mente ou o espírito (monismo idealista ou espiritualista) ou qualquer outra entidade. As explicações monistas tendem a compor grandes sistemas, em que todas as esferas da existência estariam interligadas pelo princípio fundamental;
• dualista — doutrina que defende a existência de dois princípios primeiros (ou substâncias fundamentais) no universo, irredutíveis entre si (isto é, um não pode ser convertido ou fundamentado no outro). Existem vários tipos de dualismo, conforme veremos adiante, mas geralmente o termo refere-se à contraposição mente-corpo, espírito-matéria;
• pluralista — doutrina que concebe o universo composto de uma multiplicidade de entidades ou substâncias individuais e independentes, opondo-se principalmente à ideia de realidade fundamental única do monismo. As explicações pluralistas tendem a compor cenários mais abertos, incompletos ou indeterminados da realidade.
As teorias dos primeiros pensadores pré-socráticos são exemplos claros de monismo, pois propõem a existência de um princípio fundamental para tudo o que existe: água, ar, fogo, etc.
Platão costuma ser considerado um dualista por conceber duas realidades distintas e separadas (o mundo sensível e o mundo inteligível). O mesmo se pode dizer de Aristóteles, mas seu dualismo seria "moderado", tendo em conta que supõe dois princípios inseparáveis (matéria e forma), constituindo a unidade do real.
Por último, como exemplos claros de pluralismo, temos as concepções de Empédocles (dos quatro elementos) e de Demócrito (a multiplicidade dos átomos).
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A imagem traduz a questão relativa a como é, verdadeiramente, a realidade. |
Observação: Tenha sempre em mente que não existem classificações rígidas. Elas são pautas que nos ajudam a fazer certas distinções, e sua determinação depende do aspecto doutrinário que se quer abordar, perdendo às vezes varias até para um mesmo autor. A metafísica de Platão, por exemplo, embora seja tradicionalmente considerada dualista, também costuma ser classificada como idealista (portanto, monista), já que as ideias são, para ele, o ser verdadeiro e essencial de todas as coisas.
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