Agora, nossa digressão política terminou e estamos prontos, finalmente, para responder à pergunta com a qual começamos: o que é justiça? Existem apenas três coisas que valem neste mundo: justiça, beleza e verdade; e talvez nenhuma delas possa ser definida. Quatrocentos anos depois de Platão, um procurados romano da Judeia perguntou, desorientado: "O que é a verdade?" ― e os filósofos ainda não responderam, e tampouco nos disseram o que é a beleza. Para a justiça, porém, Platão arrisca uma definição. "Justiça", diz ele, "é ter e fazer o que nos compete".
Isso tem um som decepcionante; depois de tamanha demora, esperávamos uma revelação infalível. O que significa a definição? Simplesmente que cada homem irá receber o equivalente àquilo que produz e irá exercer a função para a qual esteja mais bem preparado. Um homem justo é aquele colocado justo no lugar certo, fazendo o que lhe for possível e dando o pleno equivalente daquilo que recebe. Uma sociedade de homens justos seria, portanto, um grupo altamente harmonioso e eficiente; porque todos os elementos estariam em seus lugares, exercendo sua função apropriada como as partes de uma orquestra perfeita. Justiça, numa sociedade, seria como aquela harmonia de relações graças à qual os planetas são mantidos unidos em seu movimento ordenado (ou, como teria dito Pitágoras, musical). Assim organizada, uma sociedade está apta a sobreviver; e a justiça recebe uma espécie de sanção darwiniana. Onde os homens o estadista, ou o soldado usurpa a posição do rei ― ali a coordenação das partes é destruída, as juntas se deterioram, a sociedade se desintegra e se dissolve. Justiça é coordenação eficiente.
E no indivíduo também, justiça é coordenação eficiente, o funcionamento harmonioso dos elementos em um homem, cada qual no seu lugar adequado e cada qual dando a sua contribuição cooperativa para o comportamento. Todo indivíduo é um cosmos ou um caos de desejos, emoções e ideias; deixe que eles entrem em harmonia, e o indivíduo sobrevive e obtém sucesso; deixe que eles percam seu lugar e sua função adequados, deixe que a emoção tente se tornar tanto a luz da ação como o seu calor (como no fanático), ou deixe que o pensamento tente se tornar tanto o calor da ação como a sua luz (como no intelectual) ― e começa a desintegração da personalidade, o fracasso avança como a noite inevitável. Justiça é taxis Kai Kosmos ― uma ordem e a beleza ― das partes da alma; ela está para a alma assim como a saúde está no corpo. Todo mal é desarmonia: entre o homem e a natureza, o homem e os homens, ou o homem e ele mesmo.
Por isso, Platão responde a Trasímaco, a Cálicles e a todos os nietzschianos para sempre: justiça não é força pura e simples, mas força harmoniosa ― desejos e homens entrando naquela ordem que constitui inteligência e organização; justiça não é o direito do mais forte, mas a efetiva harmonia do todo. E verdade que o indivíduo que sai do lugar para o qual sua natureza e seus talentos o preparam pode, durante algum tempo, obter certo lucro e certa vantagem; mas para uma Nêmesis, da qual não se pode escapar, o persegue ― como Anaxágoras falava das Fúrias que perseguiam qualquer planeta que saísse de sua órbita; a terrível batuta da Natureza das Coisas leva o instrumento refratário de volta ao seu lugar, ao seu tom e a sua nota naturais. O tenente corso pode tentar governar a Europa com um despotismo cerimonioso mais indicado para uma antiga monarquia do que uma dinastia nascida da noite para o dia; mas acaba em um rochedo-prisão no mar, reconhecendo, arrependido, que é "escravo da Natureza das Coisas". A injustiça será descoberta.
Não há nada bizarramente novo nesta concepção; e de fato faremos bem em desconfiar, em filosofia, de qualquer doutrina que se vanglorie de ser novidade. A verdade muda de roupa com frequência (como toda mulher atraente), mas sob o novo hábito continua sempre a mesma. Em moral não devemos esperar inovações surpreendentes: apesar das interessantes aventuras dos sofistas e dos nietzschianos, todas as concepções morais giram em torno do bem geral. A moralidade começa com associação, interdependência e organização; a vida em sociedade requer a concessão de uma parte da soberania do indivíduo à ordem comum; e a norma de conduta acaba se tornando o bem-estar do grupo. A natureza assim o quer, e o seu julgamento é sempre definitivo; um grupo sobrevive, em concorrência ou conflito com um grupo, segundo sua unidade e seu poder, segundo a capacidade de seus membros de cooperarem para fins comuns. E que melhor cooperação poderia haver do que aquela em que cada qual estivesse fazendo aquilo que melhor sabe fazer? Este é o objetivo da organização que toda sociedade deve perseguir, para que tenha vida. Moralidade, disse Jesus, é bondade para com os fracos; moralidade, disse Nietzsche, é a bravura dos fortes; moralidade, diz Platão, é a eficiente harmonia do todo. E provável que todas as três doutrinas devem ser combinadas para que se encontre uma ética perfeita; mas será que podemos duvidar de qual dos elementos é fundamental?
Nenhum comentário:
Postar um comentário