Pensar a vida e viver o pensamento, de forma profunda e radical. Isso é filosofar.

Schopenhauer - O Homem



      Schopenhauer nasceu em Dantzig no dia 22 de fevereiro de 1788. Seu pai era um comerciante conhecido por sua capacidade, mau gênio, independência de caráter e amor pela liberdade. Mudou-se de Dantzig para Hamburgo quando Arthur estava com cinco anos de idade, porque Dantzig perdera sua liberdade na anexação à Polônia em 1793. O jovem Schopenhauer, portanto, cresceu em meio aos negócios e às finanças; e embora com pouco tempo abandonasse a carreira comercial para a qual o pai o empurrara, ela deixou sua marca sobre ele numa certa aspereza no trato, numa mentalidade prática e no conhecimento do mundo e dos homens; ela o tornou antípoda daquele tipo fechado ou acadêmico de filósofo que ele tanto desprezava. O pai morreu, aparentemente pelas próprias mãos, em 1805. Sua avó paterna havia morrido louca.
      "O caráter, ou vontade", diz Schopenhauer, "é herdado do pai; o intelecto, da mãe." (O Mundo como Vontade e Ideia; Londres, 1883; III, 300). A mãe tinha intelecto ― tornou-se uma das mais populares romancistas de sua época ― mas também era temperamental e tinha mau gênio. Tinha sido infeliz com o seu prosaico marido; e quando ele morreu, ela adotou o amor livre e mudou-se para Weimar, por ser o clima mais adequado àquele tipo de vida. Arthur Schopenhauer reagiu a isso como Hamlet ao novo casamento de sua mãe; e suas discussões com ela ensinaram-lhe uma grande parte daquelas meias verdades sobre as mulheres com as quais ele iria temperar a sua filosofia. Uma das cartas que ela lhe escreveu revela a situação entre os dois: "Você é insuportável e incômodo, é muito difícil viver ao seu lado; todas as suas boas qualidades são ofuscadas pelo seu convencimento e tornadas inúteis para o mundo simplesmente porque você não pode conter sua propensão a achar defeitos nos outros" (In Walince: Life of Schopenhauer; Londres, sem data; p.59). Assim, combinaram morar separados; ele ficaria comparecendo apenas às recepções que ela desse, sendo um convidado entre os demais; assim, os dois poderiam ser tão delicados um com o outro como se fossem estranhos, em vez de se odiarem como se fossem parentes. Goethe, que gostava da Sra. Schopenhauer porque ela lhe permitia levar a sua Christiane com ele, tornou as coisas piores ao dizer à mãe que o filho iria se tornar um homem muito famoso; a mãe nunca ouvia falar em dois gênio na mesma família. Por fim, numa discussão culminante, a mãe empurrou seu filho e rival escada abaixo; depois disso, o nosso filósofo lhe disse, com rispidez, que ela só seria conhecida pela posteridade através dele. Schopenhauer deixou Weimar pouco depois; e, embora sua mãe vivesse mais 25 anos, nunca voltou a vê-la. Byron, também uma criança em 1788, parece ter tido uma sorte semelhante com sua mãe. Esses homens estavam, quase que devido a essas circunstâncias, fadados ao pessimismo; o homem que não conheceu o amor de mãe ― e, o que é pior, que conheceu o ódio de mãe ― não tem motivos para estar apaixonado pelo mundo.
      Nesse ínterim, Schopenhauer havia passado pelo ginásio e pela universidade, e aprendera mais do que estava nos respectivos currículos. Experimentou o amor e o mundo, com resultados que afetaram o seu caráter e a sua filosofia. Tornara-se melancólico, cínico e desconfiado; era obcecado por temores e pesadelos; mantinha seus cachimbos trancados a sete chaves e jamais confiava o pescoço à navalha de um barbeiro; e dormia com pistolas carregadas ao lado da cama ― presumivelmente para comodidade do ladrão. Não suportava barulho: "Há muito que sou de opinião", escreveu ele, "de que o volume de barulho que qualquer pessoa pode suportar sem se perturbar está na proporção inversa de sua capacidade mental e pode, portante, ser considerado com uma boa medida dessa capacidade. (...) O barulho é uma tortura para todos os intelectuais. (...) A superabundante demonstração de vitalidade que assume a forma de bater, martelar e derrubar as coisas de um lado para o outro tem sido meu tormento a vida toda" (O Mundo como Vontade e Ideia, II, 199; Ensaios, "Sobre o Barulho"). Tinha um sentido quase paranoico de grandeza não reconhecida; sem conseguir sucesso e fama, voltava-se para dentro e roía a própria alma.
      Ele não tinha mãe, não tinha mulher, não tinha filho, família nem pátria. "Ele estava absolutamente sozinho, sem um só amigo; e entre um e nenhum existe um infinito." (Nietzsche: Schopenhauer como Educador; Londres, 1910). Mais ainda do que Goethe, ele era imune às febres nacionalistas de sua época. Em 1813, deixou-se influenciar tanto pelo entusiasmo de Fichte por uma guerra de libertação contra Napoleão, que pensou em se apresentar como voluntário, chegando mesmo a comprar um conjunto de armas. Mas a prudência o conteve a tempo; alegou que "Napoleão, afinal de contas, limitou-se a dar uma vazão concentrada e desimpedida àquela confiança em si mesmo e àquela ânsia de viver mais que os mortais mais fracos sentem mas são obrigados a disfarçar" (Wallace: Verbete "Schopenhauer" na Encyclopedia Brittanica). Em vez de ir para a guerra, foi para o interior e escreveu uma tese de doutorado em filosofia.
      Depois de sua dissertação Sobre a Quádrupla Raiz da Razão Suficiente (1813) [Schopenhauer insiste, dificilmente com razão suficiente, e quase como se estivesse numa campanha de vendas, que este livro deve ser lido antes que O Mundo como Vontade e Ideia possa ser compreendido. Apesar disso, o leitos pode ter a satisfação de saber que o "princípio de razão suficiente" é a "lei de causa e efeito" sob quatro formas: 1. Lógica, como a determinação de conclusão à base de premissas; 2. Física, como a determinação do efeito pela causa; 3. Matemática, como a determinação estrutura pelas leis da matemática e da mecânica; e 4. Moral, como a determinação da conduta pelo caráter], Schopenhauer dedicou todo o seu tempo e todas as suas forças àquela que seria a sua obra-prima ― O Mundo como Vontade e Ideia. Enviou o manuscrito ao editor magna cum laude; aqui, disse ele, não se tratava de mera apresentação nova de velhas ideias, mas de uma estrutura altamente coerente de pensamento original, "perfeitamente inteligível, vigoroso, e não sem beleza"; um livro "que seria, daqui por diante, a fonte e a ocasião de uma centena de outros livros" (In Wallace, Life, p. 107).
      Tudo excessivamente egoísta e absolutamente verdade. Muitos anos mais tarde, Schopenhauer estava tão certo de ter resolvido os principais problemas da filosofia, que pensou em mandar gravar em seu anel de sinete a figura da Esfinge lançando-se no abismo, como ela havia prometido no caso de seus enigmas serem decifrados.
      Apesar de tudo, o livro praticamente não atraiu atenção alguma; o mundo estava demasiado pobre e exaurido para ler sobre sua pobreza e sua exaustão. Dezesseis anos depois da publicação, Schopenhauer foi informado de que a maior parte da edição tinha sido vendida como papel velho. No seu ensaio sobre a Fama, em "A Sabedoria da Vida", ele cita, com uma evidente alusão à sua obra-prima, duas observações de Lichtenberger: "Trabalhos como este são como um espelho: se um burro olhar para ele, não se pode esperar que veja um anjo"; e "quando uma cabeça e um livro se chocam, e um deles produz um som como se estivesse oco, é sempre o livro?" Schopenhauer continua, com a voz da vaidade ferida: "Quanto mais um homem pertence à posteridade ― em outras palavras, à Humanidade de modo geral ―, mais ele é um estranho para os seus contemporâneos; porque uma vez que sua obra não é feita especialmente para eles, mas apenas na medida em que eles façam parte da Humanidade como um todo, não existe nada daquela cor local em suas produções que lhes interessaria". E então ele se toma tão eloquente quanto a raposa da fábula: "Será que um músico iria se sentir lisonjeado pelo ruidoso aplauso de uma plateia que ele soubesse quase surda, e na qual, para esconder sua enfermidade, apenas uma ou duas pessoas aplaudissem? E o que diria ele se descobrisse que aquelas pessoas tinham muitas vezes sido subornadas para garantir o mais caloroso aplauso para o mais sofrível dos executantes?" Em alguns homens, o egoísmo é uma compensação pela ausência da fama; em outros, dá uma generosa cooperação para a presença da fama.
      Schopenhauer colocou-se tão completamente neste livro, que seus trabalhos posteriores não passam de comentários sobre ele; tornou-se talmudista para a sua própria Torah, exegeta para suas próprias jeremiadas. Em 1836, publicou um ensaio Sobre a Vontade na Natureza, que foi, até certo ponto, incluído na edição aumentada de O Mundo como Vontade e Ideia que apareceu em 1844. Em 1841 saiu Os Dois Problemas Fundamentais da Ética, e em 1851, dois substanciais volumes de Parergos e Paralipômenos ― literalmente, "Subprodutos e Sobras" ―, que foram traduzidos para o inglês como Essays. Por este, o mais legível de seus trabalhos e repleto de sabedoria e espírito, Schopenhauer receber, como remuneração total, dez exemplares grátis. O otimismo fica difícil, em tais circunstâncias.
      Só houve uma aventura que perturbou a monotonia de seu consciencioso isolamento depois de sair de Weimar. Ele tinha a esperança de uma oportunidade de apresentar sua filosofia em uma das grandes universidades da Alemanha; a oportunidade chegou em 1822, quando foi convidado para Berlim como privat-docent. De propósito, escolheu para suas aulas o mesmo horário em que o então poderoso Hegel estava escalado para ensinar; Schopenhauer confiava em que os estudantes iriam olhar para ele e Hegel com os olhos da posteridade. Mas os estudantes não podiam fazer uma previsão dessas, e Schopenhauer viu-se falando para cadeiras vazias. Pediu demissão e vingou-se por meio das virulentas diatribes contra Hegel que maculam as edições posteriores de sua obra-prima. Em 1831, irrompeu em Berlim uma epidemia de cólera; Hegel e Schopenhauer fugiram; mas Hegel voltou antes do tempo, apanhou a infecção e morreu em poucos dias. Schopenhauer só parou quando chegou a Frankfurt, onde passou o restante de seus 72 anos.
      Como pessimista sensato, evitou a armadilha dos otimistas ― a tentativa de ganhar a vida com a pena. Ele havia herdado uma participação na firma do pai, e viveu com modesto conforto com a renda que isso lhe proporcionava. Investiu seu dinheiro com uma sabedoria que não condiz com um filósofo. Quando uma empresa da qual ele havia adquirido ações faliu, e os outros credores concordaram com um acerto na base de 70%, Schopenhauer lutou pelo pagamento integral, e ganhou. Ficou com o suficiente para alugar dois quartos numa pesão; ali viveu os últimos trinta anos de sua vida, sem nenhum companheiro a não ser um cachorro. Chamava o pequeno poodle de Atma (o termo brâmane para indicar a Alma do Mundo), mas o galhofeiros da cidade o chamavam de "Jovem Schopenhauer". Jantava, em geral, no Englischer Hof. No início de cada refeição, colocava uma moeda de ouro sobre a mesa, à sua frente; e ao final de cada refeição tornava a colocar a moeda no bolso. Foi, sem dúvida, um garçom indignado que afinal lhe perguntou o significado daquela invariável cerimônia. Schopenhauer respondeu que era sua aposta silenciosa depositar a moeda na caixa de coleta de esmolas no primeiro dia em que os oficiais ingleses que jantavam lá falassem sobre outra coisa qualquer que não fosse cavalos, mulheres ou cachorros (Wallace, 171).
      As universidades ignoravam a ele e a seus livros, como se para confirmar sua declaração de que todos os progressos da filosofia são feitos fora das paredes acadêmicas.
      "Nada", diz Nietzsche, "ofendia tanto os sábios alemães quanto a dessemelhança entre Schopenhauer e eles." Mas ele aprendera um pouco de paciência; confiava em que, embora atrasado, o reconhecimento viria. E afinal, lentamente, chegou. Homens das classes médias ― advogados, médicos, comerciantes ― encontravam nele um filósofo que lhes oferecia não um mero jargão pretensioso de irrealidades metafísicas, mas um exame inteligível dos fenômenos da vida real. Uma Europa desiludida com os ideais e os esforços de 1848 voltou-se quase que por aclamação para aquela filosofia que expressara o desespero de 1815. O ataque da ciência contra a teologia, a indicação socialista da pobreza e da guerra, o estresse biológico sobre a luta pela existência ― todos esses fatores ajudaram Schopenhauer a finalmente obter a fama.
      Ele não estava velho demais para gozar de sua popularidade: lia com avidez todos os artigos que apareciam sobre ele; pedia aos amigos que lhe enviassem qualquer comentário impresso que encontrassem ― ele pagaria o selo. Em 1854, Wagner enviou-lhe um exemplar de O Anel dos Nibelungos, com uma palavra de agradecimento pela filosofia da música de Schopenhauer. Assim, o grande pessimista tornou-se quase um otimista na velhice; tocava flauta com assiduidade depois do jantar e agradecia ao Tempo por tê-lo livrado dos ardores da juventude. De todo o mundo, vinha gente visitá-lo; e no seu septuagésimo aniversário, em 1858, choveram cumprimentos vindos de todos os pontos cardeais e todos os continentes.
      Já não era sem tempo; estavam-lhe apenas mais dois anos de vida. No dia 21 de setembro de 1860, sentou-se sozinho para o café da manhã, aparentemente bem. Uma hora depois, sua senhoria o encontrou ainda sentado à mesa, morto.


Livro: A História da Filosofia, de Will Durant.
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