A grande antologia do infortúnio, O Mundo como Vontade e Ideia, apareceu em 1818. Estava-se na era da "Santa" Aliança. Terminara a luta por Waterloo, a Revolução morrera, e o "Filho da Revolução" apodrecia num rochedo em um mar distante. Algo da apoteose da Vontade por parte de Schopenhauer era devido à magnífica e sangrenta aparição desta em carne e osso na figura do pequeno corso; e algo de seu desespero em relação à vida provinha da patética distância de Santa Helena ― a Vontade finalmente derrotada, e a sombria Morte, a única vencedora de todas as guerras. Os Bourbons foram restaurados, os barões feudais estavam voltando para reclamar suas terras, e o pacífico idealismo de Alexandre, sem o perceber, havia gerado uma liga para a supressão do progresso em toda parte. A grande era se acabara. "Agradeço a Deus", disse Goethe, "por não ser jovem em um mundo tão inteiramente liquidado."
A Europa inteira jazia prostrada. Milhões de homens fortes haviam morrido; milhões de hectares de terra tinham sido negligenciados ou devastados; por toda a parte, no Continente, a vida tinha que recomeçar do zero, para recuperar dolorosa e lentamente o civilizador excedente econômico que havia sido consumido na guerra. Schopenhauer, viajando pela França e pela Áustria em 1804, ficou impressionado com o caos e a sujeira das aldeias, a miserável pobreza dos agricultores, a inquietação e a miséria das cidades. A passagem dos exércitos napoleônicos e antinapoleônicos havia deixado cicatrizes de devastação no rosto de todos os países. Moscou estava em cinzas. Na Inglaterra, orgulhosa vitoriosa na luta, os agricultores estavam arruinados pela queda no preço do trigo; e os trabalhadores industriais experimentavam todos os horrores do nascente e descontrolado sistema fabril. A desmobilização aumentava o desemprego. "Ouvi meu pai dizer", escreveu Carlyle, "que nos anos em que a farinha de aveia chegava a custar dez xelins por 6,5 kg, ele havia visto os trabalhadores dirigindo-se separadamente até um riacho, para ali beberem em vez de jantar, ansiosos apenas por esconderem uns dos outros a miséria em que se encontravam." (Froude: Life and Letters of Thomas Carlyle, I, p. 52).
Nunca a vida parecera tão desprovida de significado ou tão miserável.
Sim, a Revolução morrera; e com ela a vida parecia ter deixado a alma da Europa. Aquele novo paraíso, chamado Utopia, cujo encanto havia reanimado o crepúsculo dos deuses, recuara para um futuro vago, onde só os olhos jovens podiam vê-lo; os olhos mais velhos haviam seguido aquela atração durante um tempo bastante longo, e agora desviavam-se dela por considerá-la uma zombaria das esperanças dos homens. Só os jovens podem viver no futuro, e só os velhos podem viver no passado; a maioria dos homens era obrigada a viver no presente, e o presente era uma ruína. Quantos milhares de heróis e crentes haviam lutado pela Revolução!
Como os corações da juventude de toda a Europa haviam se voltado para a jovem república e vivido à luz da esperança daquela república ― até que Beethoven rasgou em tiras a dedicatória de sua Sinfonia Heroica ao homem que deixara de ser o Filho da Revolução e se tornara o genro da reação. Quantos haviam lutado, mesmo então, pela grande esperança e haviam acreditado, com apaixonada incerteza, até o fim? E agora, ali estava o fim: Waterloo, Santa Helena e Viena; e no trono da França prostrada, um Bourbon que nada aprendera e que de nada se esquecera. Foi esse o glorioso fim de uma geração com uma esperança e um esforço que a história humana jamais conhecera antes. Que comédia era essa tragédia ― para aqueles cujo riso era amargado pelas lágrimas!
Muitos dos pobres tinham, naqueles dias de desilusão e sofrimento, o consolo da esperança religiosa; mas uma grande proporção das classes mais altas havia perdido a fé e olhava para o mundo em ruínas sem a visão atenuante de uma vida mais vasta em cuja justiça e beleza finais aqueles terríveis males seriam dissolvidos. E, na verdade, era bem difícil acreditar que um planeta tão lamentável quanto aquele que os homens viam em 1818 estivesse seguro na mão de um Deus inteligente e benevolente. Mefistófeles havia triunfado, e todos os Faustos estavam desesperados. Voltaire semeara o tovelinho, e Schopenhauer iria colher a safra.
Raramente o problema do mal fora lançado tão viva e intensamente em rosto da filosofia e da religião. Cada túmulo militar, de Boulogne a Moscou e às Pirâmides, erguia uma interrogação muda às estrelas indiferentes. Por quanto tempo, ó Deus, e Por Quê? Seria aquela calamidade quase universal a vingança de um Deus justo sobre a Era da Razão e a falta de fé? Seria um brado para que o intelecto penitente se curvasse diante das antiquíssimas virtudes da fé, esperança e caridade? Assim pensava Schlegel e pensavam Novalis, Chateaubriand, De Musset, Southey, Wordsworth e Gogol; e eles voltaram para a antiga fé como filhos pródigos perdidos, feliz por estarem novamente em casa. Mas houve outros que deram uma resposta mais dura: que o caos da Europa não fazia mais do que refletir o caos do universo; que, afinal de contas, não havia uma ordem divina, nem qualquer esperança celestial; que Deus, se Deus houvesse, era cego, e o Mal mediava com rancor sobre a face da terra. O mesmo faziam Byron, Heine, Lermontof, Leopardi e o nosso filósofo.
Arthur Schopenhauer |
Livro: A História da Filosofia, de Will Durant
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