Home »
Arthur Schopenhauer
» O mundo como ideia
O mundo como ideia
O que impressiona logo o leitor ao abrir O Mundo como Vontade e Ideia é o estilo. Não existe, nele, o enigma chinês da terminologia kantiana, a ofuscação hegeliana, a geometria spinozista; tudo é clareza e ordem; e tudo está admiravelmente centrado em torno da principal concepção do mundo como vontade, e portanto luta, e portanto angústia. Que rude honestidade, que vigor refrescante, que inflexível integridade! Onde seus predecessores são abstratos até a invisibilidade, com teorias que abrem poucas janelas de ilustração para o mundo real, Schopenhauer, como o filho de um homem de negócios, é rico no concreto, em exemplos, em aplicações, até em humor (É melhor enterrar um dos exemplos de seu humor na obscuridade de uma nota de rodapé. "O ator Unzelmann", famoso pelos "cacos" que acrescentava ao texto das peças, "foi proibido, no teatro de Berlim, de improvisar. Pouco depois, teve que aparecer no palco montado num cavalo." No exato momento em que os dois entraram, o cavalo portou-se de maneira seriamente imprópria para um palco público. "A plateia começou a rir; Unzelmann repreendeu com severidade o cavalo: 'Você não sabe que estamos proibidos de improvisar?" ― Vol. 11, p. 273). Depois de Kant, o humor em filosofia era uma inovação surpreendente.
Mas por que o livro foi rejeitado? Em parte porque atacava justamente aqueles que poderiam ter lhe dado publicidade ― os professores universitários. Hegel era o ditador filosófico da Alemanha em 1818; no entanto, Schopenhauer não perde tempo em atacá-lo. No prefácio da segunda edição, escreve:
Nenhum período pode ser mais desfavorável à filosofia do que aquele no qual ela é vergonhosamente usada de forma incorreta, de um lado para favorecer objetivos políticos, e de outro, como meio de vida. (...) Não haverá, então, nada para se opor à máxima que diz Primum vivere, deinde Philosophari? (Primeiro viver; depois, filosofar). Esses cavalheiros desejam viver e, na verdade, viver à custa da filosofia. A filosofia se dedicam, com suas esposas e filhos. (...) A regra que diz "eu canto a canção daquele cujo pão eu como" sempre esteve em vigor; ganhar dinheiro com a filosofia era considerado pelos antigos como sendo a característica dos sofistas. (...) Nada se consegue em troca de ouro, a não ser mediocridade. (...) E impossível que uma era que há vinte anos vem aplaudindo um Hegel ― esse Caliban intelectual ― como o maior dos filósofos (...) faça com que alguém que tenha observado isso fique desejoso de sua aprovação. (...) Mas certamente a verdade será sempre paucorum hominum (De poucos homens) e portanto deve esperar, tranquila e modestamente, pelos poucos que, por terem um modo de pensar fora do comum, possam achá-lo apreciável. (...) A vida é curta, mas a verdade vai longe e tem vida longa; falemos a verdade.
As últimas palavras são ditas com nobreza; mas há um certo despeito em tudo isso; ninguém esteve mais ansioso por uma aprovação do que Schopenhauer. Teria sido ainda mais nobre não dizer coisa alguma sobre Hegel; de vivis nil nisi bonum ― dos vivos, só falemos bem. E quanto a esperar modestamente o reconhecimento... "Não consigo entender", diz Schopenhauer, "que entre mim e Kant nada tenha sido feito em filosofia." (Vol. II, p. 5)
"Afirmo que essa teoria ― de que o mundo é vontade ― é aquilo que há muito tempo vem sendo procurado sob o nome de filosofia e cuja descoberta é considerada, portanto, por aqueles familiarizados com a história, tão impossível quanto a descoberta da pedra filosofal." (Vol. I, p. VII).
"Pretendo apenas transmitir uma única teoria. No entanto, apesar de todos os meus esforços, não encontrei maneira mais curta de transmiti-la do que todo este livro. (...) Leiam o livro duas vezes, a primeira com muita paciência." (Ibid., VIII. Na verdade, é exatamente isso que se deve fazer; muita gente achou até uma terceira leitura compensadora. Um grande livro é como uma grande sinfonia, que deve ser ouvida muitas vezes para que possa ser realmente compreendida). Não falemos mais em modéstia! "O que é a modéstia, a não ser uma humildade hipócrita, através da qual, em um mundo que vai se inchando de inveja, um homem procura obter perdão por excelências e méritos junto a quem não os tem." (I, 303). "Não há dúvida de que a transformação da modéstia em virtude foi de grande vantagem para os idiotas; porque se espera que todo mundo fale de si próprio como se fosse um deles." (Ensaios, "Sobre o Orgulho").
Não havia humildade com relação à primeira sentença do livro de Schopenhauer. "O mundo", começa ele, "é a minha ideia". Quando Fichte expressara uma proposição semelhante, até os metafisicamente sofisticados alemães haviam perguntado:
"O que é que a mulher dele diz disso?" Mas Schopenhauer não tinha mulher. Sua intenção, é claro, era bem simples: ele queria aceitar, logo de início, a posição kantiana, segundo a qual o mundo externo só chega ao nosso conhecimento através de nossas sensações e ideias. Segue-se uma exposição de idealismo que está bem clara e convincente, mas que constitui a parte menos original do livro; teria sido melhor que viesse no fim, e não no início. O mundo levou uma geração para descobrir Schopenhauer, porque ele empregou o pior de seus esforços ao esconder o seu pensamento atrás de uma barreira de duzentas páginas de idealismo de segunda mão (Em vez de recomendar livros sobre Schopenhauer, melhor seria remeter o leitor ao próprio Schopenhauer: todos os três volumes de sua obra principal [com exceção da 1° Parte de cada volume] são de fácil leitura e cheio de substância; e todos os Ensaios são valiosos e agradáveis. No que se refere a biografias, a Life, de Wallace, deve ser o suficiente. Neste ensaio foi considerado conveniente condensar os imensos volumes de Schopenhauer, não reescrevendo suas ideias, mas selecionando e coordenando os trechos notáveis, e deixando o pensamento na clara e brilhante linguagem do filósofo. O leitor terá o benefício de receber Schopenhauer em primeira mãe, embora de forma resumida).
A parte mais vital da primeira seção é um ataque ao materialismo. Como podemos explicar a mente como matéria, quando só conhecemos a matéria através da mente?
Se tivéssemos seguido o materialismo até agora com ideias claras, quando atingíssemos o ponto mais elevado seríamos tomados de um acesso do inextinguível riso dos olímpios. Como que acordando de um sonho, ficaríamos de imediato cientes de que o fatal resultado ― o conhecimento ― que ele atingira com tanto esforço estava pressuposto como condição indispensável de seu próprio ponto de partida. Pura matéria; e quando imaginávamos que pensávamos matéria, na realidade só pensávamos o sujeito que percebe a matéria: o olho que a vê, a mão que a sente, a compreensão que a conhece. Assim, o tremendo petitio principii revela-se de forma inesperada; porque subitamente se percebe que o último elo é o ponto de partida, a cadeia de um círculo; e o materialismo é como o barão de Münchausen, que, quando andava montado a cavalo, lançou o cavalo no ar com as pernas, e a si mesmo ao assegurar-se nas próprias tranças [...] O materialismo grosseiro que mesmo agora, em meados do século XIX (Vogt, Büchner, Moleschott, Feuerbach etc), tem sido novamente servido na ignorante ilusão de que é original (...), estupidamente nega a força vital e, antes de tudo, tenta explicar os fenômenos da vida com base em forças físicas e químicas, e estas também com base nos efeitos mecânicos da matéria (I, 159). [...] Mas eu nunca acreditarei que até mesmo a mais simples combinação química possa dar margem, alguma vez, a uma explicação mecânica; muito menos no caso das propriedades da luz, do calor e da eletricidade. Estas irão, sempre, exigir uma explicação dinâmica (III, 43).
Não: é impossível resolver o enigma metafísico, descobrir a essência secreta da realidade, examinando primeiro a matéria e depois passando a examinar o pensamento: temos que começar com aquilo que conhecemos direta e intimamente ― nós mesmos. "Nunca poderemos chegar à verdadeira natureza das coisas vindo de fora para dentro. Por mais que investiguemos, nunca poderemos alcançar outra coisa que não imagens e nomes. Parecemos o homem que anda em volta de um castelo procurando, em vão, uma entrada, e às vezes desenhando as fachadas." (1, 128) Passemos lá para dentro. Se pudermos pôr às claras a fundamental natureza de nossa mente, é provável que tenhamos a chave para o mundo exterior.
A História da Filosofia, de Will Durant.
Nenhum comentário:
Postar um comentário