FRIEDRICH NIETZSCHE
"Deus está morto." Essa é a citação mais famosa do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900). Mas como Deus poderia morrer? Supostamente, Deus é imortal. E seres imortais não morrem, mas vivem para sempre. De certa forma, porém, a questão é essa. É por isso que a morte de Deus soa tão estranha: não há como ser diferente. Nietzsche estava deliberadamente brincando com a ideia de que Deus não poderia morrer. Ele não estava dizendo literalmente que Deus estivera vivo em algum momento e que agora não estava mais, e sim que a crença em Deus havia deixado de ser razoável. Em seu livro A gaia ciência (1882), Nietzsche colocou a frase "Deus está morto" na boca de um personagem que segura um lampião e procura por Deus em todos os lugares, mas não consegue encontrá-lo. Os habitantes do vilarejo pensam que ele é louco.
Nietzsche foi um homem memorável. Nomeado professor da Universidade de Basel aos 24 anos, ele parecia decidido a seguir uma distinta carreira acadêmica. Contudo, esse pensador excêntrico e autêntico não se adaptou e parecia gostar de dificultar a própria vida. Ele acabou deixando a universidade em 1879, em parte devido à sua saúde debilitada, e viajou para a Itália, a França e a Suíça, escrevendo livros que quase ninguém lia na época, mas que hoje são famosos como obras tanto literárias quanto filosóficas. Sua saúde mental piorou, e ele passou grande parte do fim da vida em um manicômio.
Em oposição completa à apresentação ordenada das ideias de Kant, Nietzsche arrebata-nos por todos os cantos. Grande parte de seus escritos é na forma de parágrafos curtos e fragmentários, com comentários incisivos de uma única frase, alguns irônicos, outros sinceros, muitos deles arrogantes e provocadores. Às vezes, parece que Nietzsche está gritando conosco; outras vezes, que sussurra algo profundo em nossos ouvidos. Muitas vezes, ele quer que sejamos coniventes com ele, como se dissesse que nós, que o lemos, sabemos como as coisas são, mas aquelas pessoas lá do outro lado estão todas sofrendo de ilusões. Um dos temas recorrentes na obra dele é o futuro da moral.
Se Deus está morto, o que acontece depois? Esta é a questão que Nietzsche faz a si mesmo. Sua resposta é a de que ficamos sem uma base para a moral. Nossas ideias de certo, errado, bem e mal fazem sentido em um mundo onde há Deus, e não em um mundo sem Deus. Quando tiramos Deus da jogada, tiramos com ele a possibilidade de diretrizes claras sobre como devemos viver e sobre o que devemos valorizar. É uma mensagem dura, algo que a maioria dos contemporâneos de Nietzsche não queria ouvir. Ele descrevia a si mesmo como "imoralista", não alguém que faz o mal deliberadamente, mas alguém que acredita que precisamos ir além de toda a moral: nas palavras do título de um de seus livros, "para além do bem e do mal".
Para Nietzsche, a morte de Deus abriu novas possibilidades para a humanidade tanto terrificantes quanto estimulantes. A desvantagem é que não havia uma rede de segurança, tampouco regras sobre como as pessoas deveriam ser ou viver. Onde outrora a religião deu um significado à ação moral e impôs limites a ela, a ausência de Deus tornou tudo possível e rompeu todos os limites. A vantagem, ao menos na perspectiva de Nietzsche, era que os indivíduos agora podiam criar seus próprios valores. Podiam transformar suas vidas no equivalente a obras de arte ao desenvolver seu próprio estilo de vida.
Nietzsche concluiu que, quando aceitamos que não há Deus, não podemos simplesmente nos agarrar a uma visão cristã de certo e errado. Isso seria auto-enganação. Os valores que sua cultura herdou, como compaixão, bondade e consideração aos interesses dos outros, podiam ser todos recusados. Sua maneira de recusá-los era especular sobre a origem desses valores. Segundo Nietzsche, as virtudes cristãs de cuidar dos mais fracos e indefesos tinham origens surpreendentes. Podemos pensar que a compaixão e a bondade são obviamente boas. Provavelmente você foi educado para louvar a bondade e desprezar o egoísmo. O que Nietzsche sustentava é que os nossos padrões de pensamento e sentimento têm uma história. Depois que conhecemos a história ou "genealogia" de como passamos a ter os conceitos que temos, fica difícil pensar neles como conceitos fixos o tempo inteiro, como fatos de alguma forma objetivos sobre como deveríamos agir.
No livro Genealogia da moral, ele descreve a situação na Grécia antiga, quando poderosos heróis aristocratas construíam suas vidas tendo como base as ideias de honra, vergonha e heroísmo na batalha, e não as ideias de bondade, generosidade e culpa por agir errado. Esse é o mundo descrito pelo poeta grego Homero na Odisseia e na Ilíada. Nesse mundo de heróis, quem tinha menos poder, ou seja, os escravos e os fracos, invejava os poderosos. Os escravos canalizavam a inveja e o ressentimento para os poderosos. Eles usavam os valores dos aristocratas de uma maneira bastante equivocada. Em vez de celebrar a força e o poder como os aristocratas, os escravos transformavam a generosidade e o cuidado com os mais fracos em virtudes. Essa moral escrava, como Nietzsche a chama, tratava os atos dos poderosos como maus e os sentimentos dos companheiros como bons.
A ideia de que uma moral da bondade teve início no sentimento de inveja foi desafiadora. Nietzsche demonstrou uma forte preferência pelos valores dos aristocratas, a celebração dos heróis fortes e guerreiros, em relação à moral cristã da compaixão pelos fracos. O cristianismo e a moral derivada dele supõem que todos os indivíduos têm o mesmo valor; Nietzsche considerava que isso era um grande erro. Seus heróis da arte, como Beethoven e Shakespeare, eram muito mais superiores do que o rebanho. A mensagem parece ser a de que os valores cristãos, que surgiram da inveja em primeiro lugar, estavam refreando a humanidade. Talvez o custo disso fosse que os fracos seriam pisoteados, mas valia a pena pagar esse preço pela glória e pela realização que isso daria aos mais poderosos.
Em Assim falou Zaratustra (1883-1892), Nietzsche escreveu sobre o Übermensch ou "sobre-homem". O termo descreve uma pessoa imaginada no futuro que não está presa aos códigos morais convencionais, mas vai além deles, criando novos valores. Talvez influenciado pelo próprio entendimento da teoria da evolução de Charles Darwin, Nietzsche tenha visto o Übermensch como o próximo passo no desenvolvimento da humanidade. Isso é um pouco preocupante, porque parece dar suporte às pessoas que se veem como heroicas e querem seguir o próprio caminho sem pensar nos interesses dos outros. E, pior ainda, foi uma ideia que os nazistas tiraram da obra de Nietzsche e usaram para sustentar suas visões deformadas sobre uma raça dominante, embora a maioria dos acadêmicos diga que os nazistas distorceram o que Nietzsche realmente escreveu.
Nietzsche foi infeliz no que se refere ao fato de sua irmã Elisabeth ter controlado o destino de sua obra depois de perder a sanidade e ainda por mais 35 anos depois de sua morte. Ela era uma nacionalista alemã do pior tipo, além de antissemita. Ela passou em revista os cadernos do irmão, selecionando as ideias com as quais ela concordava e deixando de fora tudo o que criticava a Alemanha ou não servisse de base para o seu ponto de vista racista. Sua versão das ideias de Nietzsche, publicada como A vontade da potência, transformou sua obra em uma propaganda para o nazismo, e Nietzsche tornou-se um autor permitido no Terceiro Reich. É altamente improvável que, se tivesse vivido mais tempo, ele tivesse alguma relação com o nazismo. Contudo, é inegável que há diversas linhas em sua obra que defendem o direito dos mais fortes de destruírem os mais fracos. Segundo ele, não é à toa que os carneiros odeiam aves de rapina. Mas isso não significa que devemos desprezar as aves de rapina por capturarem e devorarem os carneiros.
Ao contrário de Immanuel Kant, que celebrava a razão, Nietzsche sempre enfatizou como as emoções e as forças irracionais exercem um papel importante na construção dos valores humanos.
Livro: Uma breve história da Filosofia, de Nigel Warburton
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