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C. S. Peirce e William James
Filosofia pragmática
Um esquilo agarra-se firmemente ao tronco de uma grande árvore. Do outro lado da árvore, bem perto do tronco, está um caçador. Toda vez que o caçador se move para a esquerda, o esquilo também se move, apressando-se para rodear o tronco, preso com as garras. O caçador continua tentando encontrar o esquilo, mas este consegue se manter fora do campo de visão. Isso continua durante horas, e o caçador sequer vê o esquilo de relance. Seria verdadeiro dizer que o caçador está circundando o esquilo? Pense nisso. O caçador realmente circunda sua presa?
Sua resposta provavelmente será outra pergunta: "O que você quer saber?". O filósofo e psicólogo norte-americano William James (1842-1910) se aproximou de um grupo de amigos perguntando sobre esse exemplo. Os amigos dele não concordaram com uma única resposta, mas discutiram a questão como se houvesse uma verdade absoluta que eles precisavam descobrir. Alguns disseram que sim, o caçador estava circundando o esquilo; outros disseram que não, com certeza não. Eles pensaram que James seria capaz de ajudá-los a responder a pergunta de um jeito ou de outro. Sua resposta foi baseada na filosofia pragmática.
Ele disse o seguinte: se o que queremos dizer com circundar é que o homem está primeiro a norte, depois a leste, depois a sul e depois a oeste do esquilo, que é um dos sentidos de "circundar", é verdade que o caçador está circundando o esquilo. Ele rodeia o esquilo nesse sentido. Mas se o que queremos dizer é que o homem primeiro está na frente do esquilo, depois à direita dele, depois atrás e depois nas costas, que é outro significado de "circundar", então a resposta é não. Como o esquilo sempre estará de frente para o caçador, o caçador não o circunda nesse sentido. Eles estão o tempo todo um de frente para o outro, com uma árvore no meio, enquanto dançam em círculo, um fora da visão do outro.
O objetivo desse exemplo é mostrar que o pragmatismo preocupa-se com as consequências práticas ― o "valor prático" do pensamento. Se não há nada que dependa da resposta, não importa o que decidirmos. Tudo depende de por que queremos saber a resposta e qual a diferença que ela de fato vai fazer. Aqui não há verdade além do nosso interesse particular em relação à questão e aos sentidos precisos em que usamos o verbo "circundar" em diferentes contextos. Se não há diferença prática, então não há nenhuma verdade da questão. Não é como se a verdade estivesse "lá fora" em algum lugar, esperando ser descoberta. Verdade, para James, era simplesmente o que funciona, o que tem um impacto em nossa vida.
O pragmatismo é uma abordagem filosófica que se tornou popular nos Estados Unidos no final do século XX. Ela começou com o filósofo e cientista C. S. Peirce (pronunciado como no inglês de "purse"), que queria tornar a filosofia mais científica do que era. Peirce (1839-1914) acreditava que, para uma sentença ser verdadeira, tem de haver algum experimento ou observação possível que a apoie. Quando dizemos "o vidro é frágil", isso quer dizer que, se batermos no vidro com um martelo, ele se quebrará em pequenos fragmentos. Isso é o que torna verdadeira a declaração "o vidro é frágil". O vidro não tem nenhuma propriedade invisível de "fragilidade", exceto o que acontece quando o atingimos. "O vidro é frágil" é uma declaração verdadeira por causa dessas consequências práticas. "O vidro é transparente" é verdadeiro porque podemos ver através dele, não por causa de alguma propriedade misteriosa no vidro. Peirce detestava teorias abstratas que não faziam a menor diferença na prática. Ele considerava que todas eram contrassensos. Verdade, para ele, é o que resta depois que fizermos todos os experimentos e investigações que gostaríamos de fazer.
A obra de Peirce não foi amplamente lida, mas a de William James foi. Ele era um excelente escritor ― tão bom quanto ou talvez melhor que seu irmão, o famoso romancista e cientista Henry James. William passava longas horas discutindo pragmática com Peirce quando os dois lecionavam na Universidade de Harvard. James desenvolveu sua própria versão da teoria, que popularizou em ensaios e conferências. Para ele, o pragmatismo resume-se a isto: a verdade é o que funciona. No entanto, ele era um pouco vago sobre o que significava "o que funciona". Embora fosse psicólogo desde cedo, ele não se interessava apenas por ciência, mas também por questões sobre o que é certo e errado e sobre religião. Na verdade, sua obra mais controversa foi sobre religião.
A abordagem de James é muito diferente da visão tradicional de verdade. Nesta, a verdade significa correspondência aos fatos. O que torna uma frase verdadeira na teoria da correspondência da verdade é o fato de ela descrever com precisão como o mundo é. "O gato está no tapete" é verdadeira quando o gato de fato está sentado no tapete e falsa quando ele não está lá; por exemplo, é falsa quando o gato está lá fora no jardim procurando ratos. Segundo a teoria pragmática de James, o que torna a frase "o gato está no tapete" verdadeira é acreditar que ela produz resultados práticos úteis para nós. Ela funciona para nós. Então, por exemplo, acreditar que "o gato está no tapete" nos dá o resultado de que sabemos que não podemos brincar com nosso hamster de estimação no tapete até que o gato saia de lá.
Ora, quando usamos um exemplo como "o gato está no tapete", os resultados da teoria pragmática da verdade não parecem particularmente perturbadores ou importantes. Mas tente fazer isso com a frase "Deus existe". O que pensa que James diria sobre isso? É verdade que Deus existe? O que você acha? As principais respostas são "Sim, é verdade que Deus existe", "Não, não é verdade que Deus existe" e "Eu não sei". Presumivelmente, você deu uma dessas três respostas caso tenha tido a chance de responder antes de continuar a leitura. Essas posições têm nomes: teísmo, ateísmo e agnosticismo. Os que dizem "Sim, é verdade que Deus existe" geralmente querem dizer que há um ser supremo em algum lugar e que a declaração "Deus existe" seria verdadeira mesmo que não houvesse nenhum ser humano vivo e mesmo que nenhum ser humano tivesse existido. "Deus existe" e "Deus não existe" são declarações verdadeiras e falsas. Mas não é o que pensamos delas que as tornam verdadeiras ou falsas, pois isso independe do que pensamos sobre elas. Nós apenas esperamos estar acertando quando pensamos sobre elas.
James fez uma análise bem diferente da frase "Deus existe". Ele pensava que a declaração era verdadeira porque, segundo ele, era uma crença útil. Ao chegar a essa conclusão, ele se concentrou nos benefícios da crença de que Deus existe. Essa questão era importante para ele, e ele escreveu um livro, As variedades da experiência religiosa (1902), que examinava uma grande variedade de efeitos que a crença religiosa pode ter. Para James, dizer que "Deus existe" é uma declaração verdadeira é o mesmo que dizer que, de algum modo, é bom acreditar nela. Trata-se de uma posição bastante surpreendente. Ela se parece em parte com o argumento de Pascal: que os agnósticos se beneficiariam da crença de que Deus existe. Pascal, no entanto, pensava que "Deus existe" era verdadeira por causa da existência real de Deus, e não porque os seres se sentem melhor quando acreditam em Deus. Sua aposta era apenas uma forma de fazer com que os agnósticos acreditassem no que pensava ser verdade. Para James, é o suposto fato de que a crença em Deus "funciona satisfatoriamente" que torna a declaração "Deus existe" verdadeira.
Para esclarecer essa questão, tomemos a frase "Papai Noel existe". Ela é verdadeira? Um homem, bem-humorado e de rosto corado desce pela chaminé toda véspera de Natal com um saco de presentes? Não leia o restante do parágrafo se você acredita que isso realmente acontece. Suponho, contudo, que você não acredite que Papai Noel exista, ainda que pense que seria interessante se existisse. O filósofo inglês Bertrand Russel ridicularizou a teoria pragmática da verdade de William James dizendo que, segundo a teoria, James tinha de acreditar que "Papai Noel existe" era uma frase verdadeira. Sua razão para dizer isso era que James acreditava que tudo o que torna uma frase verdadeira é o efeito que a crença na verdade dessa frase exerce sobre quem nela acredita. E, ao menos para a maioria das crianças, acreditar em Papai Noel é fantástico. Essa crença torna o Natal um dia muito especial para elas: faz com que se comportem bem e tenham foco nos dias que antecedem o Natal. Funciona para elas. Portanto, como acreditar no Papai Noel funciona de alguma maneira, parece que a crença torna verdadeira a frase "Papai Noel existe", segundo a teoria de James. O problema é que existe uma diferença entre o que seria legal se fosse verdadeiro e o que de fato é verdadeiro. James poderia ter destacado que, embora acreditar em Papai Noel funcione para as crianças, não funciona para todo mundo. Se os pais acreditassem que o Papai Noel entregaria presentes na véspera de Natal, eles não comprariam presentes para os filhos. Bastaria esperar até a manhã de Natal para perceber que algo não estava funcionando com a crença "Papai Noel existe". Isso significa que, para as crianças, é verdade que Papai Noel existe, mas é mentira para os adultos? E isso não torna a verdade subjetiva, uma questão de como nos sentimos em relação às coisas, em vez de como o mundo é?
Pensemos em outro exemplo. Como sei que as outras pessoas realmente têm mentes? Sei pela minha experiência que não sou simplesmente uma espécie de zumbi sem vida interior. Tenho meus pensamentos, minhas intenções etc. Mas como posso saber se as pessoas ao meu redor realmente têm pensamentos? Talvez elas não sejam conscientes. Seriam elas apenas zumbis agindo de modo automático, zumbis sem mente própria? Este é o problema das outras mentes sobre o qual os filósofos se debruçaram durante muito tempo. Trata-se de um enigma difícil de resolver. A resposta de James é que tem de ser verdade que as outras pessoas têm mentes, do contrário, não seríamos capazes de satisfazer nossos desejos de sermos reconhecidos e admirados pelas outras pessoas. Trata-se de um argumento estranho, que faz o seu pragmatismo parecer com um puro devaneio ― acreditar no que gostaríamos que fosse verdadeiro, independentemente de ser ou não verdadeiro. Mas só porque é bom acreditar que, quando uma pessoa nos elogia, estamos diante de um ser consciente, e não de um robô, não torna a pessoa um ser consciente. Ela ainda pode não ter vida interior.
No século XX, o filósofo norte-americano Richard Rorty (1931-2007) levou adiante esse estilo de pensamento pragmático. Assim como James, ele acreditava que as palavras eram ferramentas com as quais fazemos as coisas, e não símbolos que de alguma forma refletem o como como o mundo é. As palavras nos permitem lidar com o mundo, e não copiá-lo. Ele disse que "A verdade é o que seus contemporâneos engolem", ou que nenhum período da história entende a realidade melhor do que qualquer outro. Quando as pessoas descrevem o mundo, acreditava ele, elas são como críticos literários interpretando uma peça de Shakespeare: não há uma única maneira "correta" de lê-la e com a qual todos devemos concordar. Diferentes pessoas de diferentes épocas interpretam o texto de maneira diferente. Rorty simplesmente rejeitava a ideia de que uma visão fosse correta para todas as épocas. Ou, pelo menos, que minha interpretação funcione Ele presumivelmente acreditava que não havia interpretação correta disso, no mesmo sentido que não há resposta "certa" para a questão do caçador que circunda ou não o esquilo que se move agarrado na árvore.
Uma breve história da Filosofia, de Nigel Warburton
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