Os dois textos seguintes apresentam reflexões sobre a ciência e o fazer científico. O primeiro contextualiza a ciência no interior do conhecimento humano. Nele, o filósofo da ciência G. Kneller procurou estabelecer os limites e as peculiaridades do conhecimento científico, bem como as características de outras espécies de conhecimento (artístico, histórico, religioso, filosófico) que completam a visão do ser humano sobre a realidade.
No segundo texto, Karl Popper analisa que não existe observação pura e por que a ciência só pode formular conjeturas (hipóteses) sobre a realidade, e não verdades irrefutáveis.
Leia-os atentamente, relacione-os entre si e responda às questões que seguem.
1. A ciência e outras espécies de conhecimento
"A ciência é apenas uma parte da tentativa da humanidade de compreender o mundo em todos os seus aspectos. O homem esforça-se por descobrir uma ordem no fluxo da experiência, quer essa ordem seja observada, como na repetição das estações, quer seja postulada por teorias refinadas como as da relatividade, mecânica quântica e evolução. A busca da ordem na experiência une ciência, literatura, história, religião, filosofia e arte. A ciência procura essa ordem na experiência da natureza adquirida pelo homem; a literatura e a arte procuram-na na experiência interior do homem e em suas relações com os seus semelhantes; a história, no passado humano; a religião, na relação do homem com um Ser Supremo; e a filosofia em todos esses empreendimentos humanos.
A ciência tanto restringe como amplia a experiência da natureza. Restringe essa experiência quando se empenha em eliminar tudo o que nela for puramente pessoal. Procura remover tudo o que for único no cientista, individualmente considerado; recordações, emoções e sentimentos estéticos despertados pelas disposições de átomos, as cores e os hábitos de pássaros, ou a imensidão da Via-Láctea. Também se esforça por banir seja o que for que as pessoas experienciam mas em diferentes graus, dependendo da perspectiva e das condições físicas da experiência. Por conseguinte, a ciência elimina a maior parte da aparência sensual e estética da natureza, Poentes e cascatas são descritos em termos de frequências de raios luminosos, coeficientes de refração e forças gravitacionais ou hidrodinâmicas. Evidentemente, essa descrição, por mais elucidativa que seja, não é uma explicação completa daquilo que realmente experienciamos.
Ao esforçar-se por ser objetiva, a ciência exclui toda e qualquer referência à experiência subjetiva, individual ou coletiva. Logo, a ciência descreve um mundo de coisas sem valor, interatuando como se a humanidade não existisse. Mas como a natureza que experienciamos está impregnada de nossas avaliações — como no terror dos furacões, na calma das lagoas e na tristeza doce e suave do cair das folhas —, a descrição científica da natureza permanece fria, incompleta e insatisfatória.
Por outro lado, a ciência amplia o conhecimento ao corrigir a nossa experiência imediata da natureza. A ciência não substitui essa experiência mas transcende-a, pois a experiência imediata é o nosso primeiro e sumamente tendencioso encontro com a natureza, e está frequentemente errada. Na experiência imediata, deparamos com objetos sólidos e cores, mas a ciência demonstrou que um objeto sólido é, na realidade, um aglomerado de partículas e que as suas cores não lhe são inerentes. A ciência começa precisamente porque não podemos entender ou controlar de forma adequada a natureza, dentro dos limites da experiência comum.
[...]
Ciência, literatura, arte, história, religião e misticismo iluminam aspectos da realidade. A filosofia esforça-se por ver a realidade total. Analisa a natureza e as descobertas dos diferentes ramos do conhecimento, examina os pressupostos em que elas assentam e os problemas a que dão origem, e procura estabelecer uma visão coerente do domínio total da experiência. Cada uma dessas formas do conhecimento merece ser cultivada per se. À sua maneira própria, cada uma delas familiariza-nos com uma parte da realidade. Devemos ver a ciência em seu lugar e não esperar que ela assimile ou desacredite essas outras atividades."
2. Não sabemos: podemos apenas conjeturar
"A ciência não é um sistema de enunciados certos ou bem estabelecidos, nem um sistema que avança constantemente em direção a um estado final. Nossa ciência não é conhecimento (epistême): ela nunca pode pretender haver atingido a verdade [...]
O avanço da ciência não se deve ao fato de se acumularem mais e mais experiências perceptivas no decorrer do tempo. Nem se deve ao fato de fazermos uso cada vez melhor de nossos sentidos.
[...] Nossos únicos meios de interpretar a natureza são as ideias ousadas, as antecipações injustificadas e o pensamento especulativo [...].
Mesmo o teste cuidadoso e sério de nossas ideias pela experiência inspira-se, por sua vez, em ideias: a experimentação é uma ação planejada na qual a teoria guia todos os passos. Não topamos com nossas experiências, nem deixamos que elas nos inundem como um rio. Pelo contrário, temos de ser ativos: devemos 'fazer' nossas experiências. Somos sempre nós que formulamos as questões propostas à natureza; somos nós que repetidas vezes tentamos colocar essas questões para obter um nítido 'sim' ou 'não' (pois a natureza não dá uma resposta a menos que seja pressionada a fazê-lo).
E, finalmente, somos nós também que damos uma resposta; somos nós próprios que, após severo escrutínio, decidimos sobre a resposta à questão que colocamos à natureza — após tentativas insistentes e sérias de obter dela um inequívoco 'não'. [...]
[...] o que faz o homem de ciência não é sua posse do conhecimento, da verdade irrefutável, mas sua persistência e destemida indagação crítica da verdade."
No segundo texto, Karl Popper analisa que não existe observação pura e por que a ciência só pode formular conjeturas (hipóteses) sobre a realidade, e não verdades irrefutáveis.
Leia-os atentamente, relacione-os entre si e responda às questões que seguem.
1. A ciência e outras espécies de conhecimento
"A ciência é apenas uma parte da tentativa da humanidade de compreender o mundo em todos os seus aspectos. O homem esforça-se por descobrir uma ordem no fluxo da experiência, quer essa ordem seja observada, como na repetição das estações, quer seja postulada por teorias refinadas como as da relatividade, mecânica quântica e evolução. A busca da ordem na experiência une ciência, literatura, história, religião, filosofia e arte. A ciência procura essa ordem na experiência da natureza adquirida pelo homem; a literatura e a arte procuram-na na experiência interior do homem e em suas relações com os seus semelhantes; a história, no passado humano; a religião, na relação do homem com um Ser Supremo; e a filosofia em todos esses empreendimentos humanos.
A ciência tanto restringe como amplia a experiência da natureza. Restringe essa experiência quando se empenha em eliminar tudo o que nela for puramente pessoal. Procura remover tudo o que for único no cientista, individualmente considerado; recordações, emoções e sentimentos estéticos despertados pelas disposições de átomos, as cores e os hábitos de pássaros, ou a imensidão da Via-Láctea. Também se esforça por banir seja o que for que as pessoas experienciam mas em diferentes graus, dependendo da perspectiva e das condições físicas da experiência. Por conseguinte, a ciência elimina a maior parte da aparência sensual e estética da natureza, Poentes e cascatas são descritos em termos de frequências de raios luminosos, coeficientes de refração e forças gravitacionais ou hidrodinâmicas. Evidentemente, essa descrição, por mais elucidativa que seja, não é uma explicação completa daquilo que realmente experienciamos.
Ao esforçar-se por ser objetiva, a ciência exclui toda e qualquer referência à experiência subjetiva, individual ou coletiva. Logo, a ciência descreve um mundo de coisas sem valor, interatuando como se a humanidade não existisse. Mas como a natureza que experienciamos está impregnada de nossas avaliações — como no terror dos furacões, na calma das lagoas e na tristeza doce e suave do cair das folhas —, a descrição científica da natureza permanece fria, incompleta e insatisfatória.
Por outro lado, a ciência amplia o conhecimento ao corrigir a nossa experiência imediata da natureza. A ciência não substitui essa experiência mas transcende-a, pois a experiência imediata é o nosso primeiro e sumamente tendencioso encontro com a natureza, e está frequentemente errada. Na experiência imediata, deparamos com objetos sólidos e cores, mas a ciência demonstrou que um objeto sólido é, na realidade, um aglomerado de partículas e que as suas cores não lhe são inerentes. A ciência começa precisamente porque não podemos entender ou controlar de forma adequada a natureza, dentro dos limites da experiência comum.
[...]
Ciência, literatura, arte, história, religião e misticismo iluminam aspectos da realidade. A filosofia esforça-se por ver a realidade total. Analisa a natureza e as descobertas dos diferentes ramos do conhecimento, examina os pressupostos em que elas assentam e os problemas a que dão origem, e procura estabelecer uma visão coerente do domínio total da experiência. Cada uma dessas formas do conhecimento merece ser cultivada per se. À sua maneira própria, cada uma delas familiariza-nos com uma parte da realidade. Devemos ver a ciência em seu lugar e não esperar que ela assimile ou desacredite essas outras atividades."
Kneller, A ciência como atividade humana, p. 149-152.
2. Não sabemos: podemos apenas conjeturar
"A ciência não é um sistema de enunciados certos ou bem estabelecidos, nem um sistema que avança constantemente em direção a um estado final. Nossa ciência não é conhecimento (epistême): ela nunca pode pretender haver atingido a verdade [...]
O avanço da ciência não se deve ao fato de se acumularem mais e mais experiências perceptivas no decorrer do tempo. Nem se deve ao fato de fazermos uso cada vez melhor de nossos sentidos.
[...] Nossos únicos meios de interpretar a natureza são as ideias ousadas, as antecipações injustificadas e o pensamento especulativo [...].
Mesmo o teste cuidadoso e sério de nossas ideias pela experiência inspira-se, por sua vez, em ideias: a experimentação é uma ação planejada na qual a teoria guia todos os passos. Não topamos com nossas experiências, nem deixamos que elas nos inundem como um rio. Pelo contrário, temos de ser ativos: devemos 'fazer' nossas experiências. Somos sempre nós que formulamos as questões propostas à natureza; somos nós que repetidas vezes tentamos colocar essas questões para obter um nítido 'sim' ou 'não' (pois a natureza não dá uma resposta a menos que seja pressionada a fazê-lo).
E, finalmente, somos nós também que damos uma resposta; somos nós próprios que, após severo escrutínio, decidimos sobre a resposta à questão que colocamos à natureza — após tentativas insistentes e sérias de obter dela um inequívoco 'não'. [...]
[...] o que faz o homem de ciência não é sua posse do conhecimento, da verdade irrefutável, mas sua persistência e destemida indagação crítica da verdade."
Popper, A lógica da pesquisa científica, p. 278-281.
1. O primeiro texto, de Kneller, compara a ciência a outras áreas de conhecimento e as coloca todas em um mesmo patamar, afirmando que o conhecimento científico não deve pretender assimilar nem desacreditar as outras atividades. Que conhecimentos são esses? Que argumentos usa Kneller para justificar essa conclusão?
2. Em que sentido a filosofia distingue-se dos demais tipos de conhecimento, segundo Kneller?
3. O primeiro texto também destaca duas características da ciência: uma que pode ser considerada uma debilidade e outra que pode ser interpretada como uma fortaleza. Quais são elas? Explique-as.
4. Como, no segundo texto, Popper argumenta a favor de sua tese de que não existe observação pura e de que a ciência só pode formular conjeturas sobre a realidade?
5. Que mensagem positiva você pode extrair do parágrafo final do segundo texto: "o que faz o homem de ciência não é sua posse do conhecimento, da verdade irrefutável, mas sua persistência e destemida indagação crítica da verdade"?
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