A análise epistemológica contemporânea tem levado à compreensão da atividade científica como um procedimento que admite falhas.
Esse questionamento tem relativizado o conhecimento científico em relação aos outros tipos de conhecimento e jogado luz sobre o processo de conhecer, que não depende exclusivamente da atividade lógica. É interessante a observação de Einsteins sobre esse tema:
Esse questionamento tem relativizado o conhecimento científico em relação aos outros tipos de conhecimento e jogado luz sobre o processo de conhecer, que não depende exclusivamente da atividade lógica. É interessante a observação de Einsteins sobre esse tema:
"Não existe nenhum caminho lógico que nos conduza [às grandes leis do universo]. Elas só podem ser atingidas por meio de intuições baseadas em algo semelhante a um amor intelectual pelos objetos da experiência." (Como vejo o mundo, p. 46).
Mito da ciência
Apesar dessas novas percepções, para a sociedade em geral a ciência ainda é um mito. O pensador brasileiro Rubem Alves (1933-2014) chama a atenção para o perigo de mitificar a ciência e os cientistas. Ele afirma:
"O cientista virou um mito. E todo mito é perigoso, porque ele induz o comportamento e inibe o pensamento. Este é um dos resultados engraçados (e trágicos) da ciência. Se existe uma classe especializada em pensar de maneira correta (os cientistas), os outros indivíduos são liberados da obrigação de pensar e podem simplesmente fazer o que os cientistas mandam." (Filosofia da ciência, p. 11).
Ao fazer essa observação, Rubem Alves propõe algumas questões em relação ao conhecimento científico e ao poder que esse conhecimento adquiriu na sociedade contemporânea.
A primeira diz respeito à diferença entre o conhecimento científico e o conhecimento comum, isto é, o senso comum, da maioria das pessoas: será o conhecimento científico superior?
A segunda concerne ao estatuto do conhecimento científico, encarado como modo de pensar correto: será a ciência sempre correta, perfeita, absoluta?
Finalmente, a terceira refere-se propriamente ao poder que o saber científico confere a quem o detém, poder de induzir o comportamento das pessoas e autoproclamar-se conhecedor da verdade sobre determinados assuntos: será o cientista neutro?
A questão da superioridade
Quanto à primeira questão, vimos, ao tratar das formas de conhecimento, que o senso comum se caracteriza por certa ausência de fundamentação, por uma aceitação acrítica ou pouco criteriosa daquilo que parece ser a verdade para as pessoas em geral. A ciência, por sua vez, seria, ao contrário, a busca dessa fundamentação, a procura rigorosa dos nexos e relações entre os fatos observáveis, de forma a encontrar a razão de ser dos fenômenos estudados.
No entanto, essa oposição tão rígida, que culmina em uma valorização da ciência em detrimento do senso comum, não corresponde exatamente à prática do acesso ao saber. Em outras palavras, nem o senso comum é tão ingênuo quanto costuma ser pintado, nem a ciência é tão rigorosa e infalível quanto se apresenta.
Primeiramente, não devemos nos esquecer de que as observações que levam ao conhecimento científico nascem de problemas com os quais o senso comum lida, a ponto de o economista sueco Gunnar Myrdal (1898-1987) afirma que "a ciência nada mais é que o senso comum refinado e disciplinado" (citado em Alves, Filosofia da ciência, p. 9).
Mas também devemos considerar que o comportamento científico se distingue do senso comum por não se manter preso às primeiras observações. Vai além do observável ao promover a elaboração de teorias, muitas das quais de complexidade tal que fogem ao entendimento comum. É o próprio Myrdal que afirma também: "Os fatos não se organizam em conceitos e teorias se simplesmente contemplarmos". Isso significa que o trabalho científico envolve outros elementos, além da observação: o levantamento de hipóteses, experimentações, generalizações, até se constituir em teorias, que são abstrações razoáveis acerca do observado.
Apesar de suas diferenças, o problema da oposição extremada entre senso comum e ciência deu-se a partir do positivismo, que valorizou exageradamente o saber científico em detrimento de outras formas de conhecimento, como o mito, a religião, a arte e até a filosofia.
O positivismo criou o mito do cientificismo, a ideia de que o conhecimento científico é perfeito, a ciência caminha sempre em direção ao progresso e a tecnologia desenvolvida pela ciência pode responder a todas as necessidades humanas — crenças que têm sido postas em xeque.
Questão da correção
Com isso, chegamos à segunda questão: o estatuto do conhecimento científico. Será ele sempre perfeito, o mais correto?
A reflexão sobre o assunto indica que não. Não há, como vimos antes, certezas absolutas em relação à validade de nenhuma teoria científica. Essa é uma das questões mais debatidas entre filósofos da ciência e cientistas. Muitos deles encaram a ciência como uma atividade contínua e não como uma doutrina enrijecida pela pretensão de ter atingido um saber perfeito e absoluto.
Além disso, a complexidade dos fenômenos é uma interrogação sempre constante no campo do conhecimento científico. Os muitos problemas ambientais decorrentes da ação tecnocientífica são exemplos dessa incapacidade da ciência de tudo prever. Como apontou, ironicamente, o dramaturgo irlandês Bernard Shaw (1856-1950), "a ciência nunca resolve um problema sem criar pelo menos dez outros".
Aliado fiel do capitalismo, o desenvolvimento tecnológico, resultante dos avanços no conhecimento científico, tem mostrado pouca preocupação pelo meio ambiente e qualidade de vida das pessoas. |
Questão da neutralidade
Chegamos à terceira questão aqui proposta: a relação entre saber e poder, formulada por Francis Bacon (1561-1626). O filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) já havia afirmado que o conhecimento se dá por meio de alguma forma de dominação, isto é, todo conhecimento implica poder.
Com o conhecimento científico ocorre o mesmo. Ele não é neutro, e seu uso é menos neutro ainda. A produção científica insere-se no conjunto dos interesses das sociedades. E, frequentemente, é direcionada por verbas e financiamentos vinculados aos objetivos dos grupos que exercem poder social.
Crítica da ciência
Não é, portanto, apenas em relação à possibilidade de verdade das teorias científicas que a filosofia da ciência deve se debruçar. Outras questões concernentes à ciência ainda surgem no mundo contemporâneo. Elas dizem respeito ao sentido, ao valor e aos limites éticos do conhecimento científico nos contextos das sociedades.
Uma parte da filosofia contemporânea tem-se dedicado à análise dos rumos tomados pelo conhecimento científico e sua aplicação prática, isto é, o desenvolvimento tecnológico. Vejamos alguns pontos dessa análise.
Dominação social
Nos filósofos da Escola de Frankfurt, a crítica do papel da ciência e da tecnologia no mundo atual está vinculada à crítica da própria razão contemporânea, dominadora e manipuladora, uma razão instrumental.
Segundo essa interpretação, essa racionalidade — que, a partir dos ideais iluministas, apresentava-se como libertadora — passou a servir à dominação e destruição da natureza. A vida dos indivíduos também foi submetida a mecanismos de racionalização, como a especialização do trabalho nas indústrias, que se apresentou como científica, quer dizer, neutra, desinteressada. Mas nem sempre foi assim.
Outro filósofo que denunciou os mecanismos de controle social pela indução racional e científica dos comportamentos foi, como vimos, Michel Foucault (1926-1984). Ele procurou mostrar que o saber especializado é usado como forma de convencimento racional das pessoas em geral, exercendo poder sobre elas.
Essa utilização do discurso científico só é possível a partir do mito do cientificismo, ou seja, a crença no poder da ciência de tudo explicar e, sobretudo, a crença em sua naturalidade, a ideia de que o conhecimento científico é desinteressado e imparcial.
Interesses políticos e econômicos
O que define a finalidade da pesquisa científica? Apenas o bem-estar social e a emancipação do ser humano, como geralmente se crê, ou há outros interesses?
Os cientistas envolvidos na construção da bomba atômica, por exemplo, não detinham o controle de seu uso. O físico estado-unidense Julius Robert Oppenheimer (1904-1967), diretor do centro de pesquisas nucleares de Los Alamos durante parte dos trabalhos relativos a tal projeto, redigiu uma declaração na qual revelou sua ignorância política, ou seja, o desconhecimento do uso previsto para suas pesquisas.
Também é sabido que muitos países dependem economicamente da indústria armamentista, responsável por grande parte do produto interno bruto mundial. Isso estimula o investimento de mais recursos nesse tipo de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, em detrimento de outros, pois estão envolvidos interesses de dominação política e econômica.
Levando tudo isso em consideração, percebemos que a ciência também está atrelada a outros interesses que norteiam sua própria ação. Desse modo, devemos ser cautelosos quando avaliamos o sentido e o valor dos conhecimentos científicos. A reflexão filosófica pode ajudar-nos nessa tarefa.
Sugestões de filmes
• A ilha do Dr. Moreau (1977, EUA, direção de Don Taylor)
Ficção acerca da ideia do cientista como criador, à semelhança de Deus. Em uma ilha isolada, cientista realiza experimentos de engenharia genética, criando seres, a partir de células humanas e animais, que são controlados por ele através de dispositivos que causam dor.
• O óleo de Lorenzo (1992, EUA, direção de George Miller)
Baseado em história real, o filme conta a luta dos pais de um garoto, que sofre de uma rara doença degenerativa, para conseguir criar um remédio que paralise o desenvolvimento do mal. Mostra a ciência como uma atividade interessada, que principia com um problema e pode ser desenvolvida pelas pessoas comuns.
• Frankenstein (1931, EUA, direção de James Whale)
Filme baseado no romance de Mary Shelley, Frankenstein ou O Prometeu moderno, de 1818. Crítica romântica à pretensão de verdade da ciência, que no seu desenvolvimento pode acabar criando monstros. Boris Karloff faz o papel do monstro criado pelo Dr. Frankenstein.
• Epidemia (1995, EUA, direção de Wolfgang Petersen)
Obra que trata de uma epidemia causada por um vírus letal e desconhecido que assola uma região da África. Uma equipe de médicos do Exército norte-americano é designada para o caso. Porém, além de descobrir o vírus causador da doença, os membros da equipe ainda têm de descobrir e desfazer a trama política que encobre a descoberta da doença. Mostra os interesses políticos e econômicos nos quais a ciência tropeça.
Chegamos à terceira questão aqui proposta: a relação entre saber e poder, formulada por Francis Bacon (1561-1626). O filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) já havia afirmado que o conhecimento se dá por meio de alguma forma de dominação, isto é, todo conhecimento implica poder.
Com o conhecimento científico ocorre o mesmo. Ele não é neutro, e seu uso é menos neutro ainda. A produção científica insere-se no conjunto dos interesses das sociedades. E, frequentemente, é direcionada por verbas e financiamentos vinculados aos objetivos dos grupos que exercem poder social.
Crítica da ciência
Não é, portanto, apenas em relação à possibilidade de verdade das teorias científicas que a filosofia da ciência deve se debruçar. Outras questões concernentes à ciência ainda surgem no mundo contemporâneo. Elas dizem respeito ao sentido, ao valor e aos limites éticos do conhecimento científico nos contextos das sociedades.
Uma parte da filosofia contemporânea tem-se dedicado à análise dos rumos tomados pelo conhecimento científico e sua aplicação prática, isto é, o desenvolvimento tecnológico. Vejamos alguns pontos dessa análise.
Dominação social
Nos filósofos da Escola de Frankfurt, a crítica do papel da ciência e da tecnologia no mundo atual está vinculada à crítica da própria razão contemporânea, dominadora e manipuladora, uma razão instrumental.
Segundo essa interpretação, essa racionalidade — que, a partir dos ideais iluministas, apresentava-se como libertadora — passou a servir à dominação e destruição da natureza. A vida dos indivíduos também foi submetida a mecanismos de racionalização, como a especialização do trabalho nas indústrias, que se apresentou como científica, quer dizer, neutra, desinteressada. Mas nem sempre foi assim.
Outro filósofo que denunciou os mecanismos de controle social pela indução racional e científica dos comportamentos foi, como vimos, Michel Foucault (1926-1984). Ele procurou mostrar que o saber especializado é usado como forma de convencimento racional das pessoas em geral, exercendo poder sobre elas.
Essa utilização do discurso científico só é possível a partir do mito do cientificismo, ou seja, a crença no poder da ciência de tudo explicar e, sobretudo, a crença em sua naturalidade, a ideia de que o conhecimento científico é desinteressado e imparcial.
Interesses políticos e econômicos
O que define a finalidade da pesquisa científica? Apenas o bem-estar social e a emancipação do ser humano, como geralmente se crê, ou há outros interesses?
Os cientistas envolvidos na construção da bomba atômica, por exemplo, não detinham o controle de seu uso. O físico estado-unidense Julius Robert Oppenheimer (1904-1967), diretor do centro de pesquisas nucleares de Los Alamos durante parte dos trabalhos relativos a tal projeto, redigiu uma declaração na qual revelou sua ignorância política, ou seja, o desconhecimento do uso previsto para suas pesquisas.
Também é sabido que muitos países dependem economicamente da indústria armamentista, responsável por grande parte do produto interno bruto mundial. Isso estimula o investimento de mais recursos nesse tipo de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, em detrimento de outros, pois estão envolvidos interesses de dominação política e econômica.
Levando tudo isso em consideração, percebemos que a ciência também está atrelada a outros interesses que norteiam sua própria ação. Desse modo, devemos ser cautelosos quando avaliamos o sentido e o valor dos conhecimentos científicos. A reflexão filosófica pode ajudar-nos nessa tarefa.
Sugestões de filmes
• A ilha do Dr. Moreau (1977, EUA, direção de Don Taylor)
Ficção acerca da ideia do cientista como criador, à semelhança de Deus. Em uma ilha isolada, cientista realiza experimentos de engenharia genética, criando seres, a partir de células humanas e animais, que são controlados por ele através de dispositivos que causam dor.
• O óleo de Lorenzo (1992, EUA, direção de George Miller)
Baseado em história real, o filme conta a luta dos pais de um garoto, que sofre de uma rara doença degenerativa, para conseguir criar um remédio que paralise o desenvolvimento do mal. Mostra a ciência como uma atividade interessada, que principia com um problema e pode ser desenvolvida pelas pessoas comuns.
• Frankenstein (1931, EUA, direção de James Whale)
Filme baseado no romance de Mary Shelley, Frankenstein ou O Prometeu moderno, de 1818. Crítica romântica à pretensão de verdade da ciência, que no seu desenvolvimento pode acabar criando monstros. Boris Karloff faz o papel do monstro criado pelo Dr. Frankenstein.
• Epidemia (1995, EUA, direção de Wolfgang Petersen)
Obra que trata de uma epidemia causada por um vírus letal e desconhecido que assola uma região da África. Uma equipe de médicos do Exército norte-americano é designada para o caso. Porém, além de descobrir o vírus causador da doença, os membros da equipe ainda têm de descobrir e desfazer a trama política que encobre a descoberta da doença. Mostra os interesses políticos e econômicos nos quais a ciência tropeça.
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