Pensar a vida e viver o pensamento, de forma profunda e radical. Isso é filosofar.

BELEZA - A experiência do prazer

      Iniciemos nossa investigação sobre o tema deste capítulo, a estética, verificando a etimologia dessa palavra. Ela vem do termo grego aisthetiké, que significa "perceptível pelos sentidos". Seu uso consagrou-se, no entanto, mais especificamente para referir-se a tudo o que pode ser percebido como agradável e belo pelos sentidos.
      Assim, dizemos que "algo é estético" quando causa uma sensação aprazível, de beleza. De modo semelhante, chamamos "centro de estética" a um lugar onde se cuida da boa aparência ou beleza corporal.
      A palavra estética também designa uma área específica de estudos filosóficos, definida pelo filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) como o estudo das condições da percepção pelos sentidos. Teria sido, porém, o alemão Alexander Baumgarten (1714-1764) o primeiro a utilizar esse termo no sentido de teoria do belo e das suas manifestações através da arte.
      Assim, como estudo e teoria do belo, a estética constitui um campo de investigação filosófica que pretende alcançar um tipo específico de conhecimento: aquele que se refere ao que é captado pelos sentidos.
      Seria, portanto, o extremo oposto do conhecimento lógico-matemático "claro e distinto", conforme o ideal de saber proposto pelo filósofo francês René Descartes, no século XVII.
      A estética, por sua vez, parte da experiência sensorial, da sensação, da percepção sensível para chegar a um resultado que não apresenta a mesma clareza e distinção da lógica e da matemática, como veremos adiante. Seu principal objeto de investigação é o fenômeno artístico que se traduz na obra de arte.

Estudo em mi menor (1992) — Antonio Peticov. O que torna tão belos esses pássaros coloridos voando sobre uma pauta musical? Muitas vezes a obra de arte é um enigma a ser decifrado. Ou talvez seja mesmo indecifrável e exista justamente para instigar ou surpreender.


O que é belo?
    O ser humano pode fazer juízos de fato (dizer o que são as coisas) e juízos de valor (julgar se determinada coisa é boa, ruim, agradável, bonita, feia, etc.). Entre os juízos de valor, podemos distinguir o juízo moral e o juízo estético. E é este último que nos interessa neste capítulo.
      Pelo juízo estético, julgamos se algum objeto, algum acontecimento, alguma pessoa ou algum outro ser é belo. Mas o que é a beleza?
      De forma geral, a maioria das pessoas concordaria que belo é algo que nos agrada, que nos satisfaz os sentidos, que nos proporciona prazer sensível e espiritual. No entanto, essas mesmas pessoas não chegariam a um consenso quanto à beleza de determinado objeto. Tanto assim que já se tornou senso comum a afirmação de que "gosto não se discute".
      Também os filósofos que se dedicaram à investigação do que é a beleza não são unânimes quanto a essa questão: para uns, a beleza é algo que está objetivamente nas coisas; para outros, é apenas um juízo subjetivo, pessoal e intransferível a respeito das coisas.
      Onde se encontra a beleza?


Visões idealista e empirista
    Para os filósofos idealistas — cuja tradição começa na Antiguidade com o filósofo grego Platão —, a beleza é algo que existe em si, é objetiva. De acordo com a teoria platônica, a beleza seria uma forma ideal que subsistiria por si mesma, como um modelo, no mundo das ideias. E o que percebemos no mundo sensível e achamos bonito só pode ser considerado belo porque se assemelharia à ideia de beleza que trazemos guardada em nossa alma.
      Para os materialistas-empiristas, como o filósofo escocês David Hume (1711-1776), a beleza não está propriamente nos objetos (não é algo puramente objetivo), mas depende do gosto individual, da maneira como cada pessoa vê e valoriza o objeto — ou seja, o juízo do que é ou não belo é subjetivo. Esse gosto estético seria, em grande parte, desenvolvido sob a influência da cultura em que se vive.


Visão de Kant
    Tentanto superar esse impasse, Immanuel Kant buscou mostrar em seu livro Crítica da faculdade do juízo, que, embora o juízo estético sobre as coisas seja uma capacidade subjetiva, pessoal, há aspectos universais na percepção estética dos indivíduos. Ou seja, nossa estrutura sensível (os órgãos dos sentidos) e nossa imaginação são as condições que tornam possível a percepção estética, mas essas condições são comuns a todos os seres humanos e, nesse sentido, pode haver certa universalidade nas avaliações estéticas. Vejamos como o filósofo justifica isso (cf. Crítica da faculdade do juízo, p. 93-104).
      Kant entendia que o juízo estético não é guiado pela razão e sim pela faculdade da imaginação. Julgamos belo aquilo que nos proporciona prazer, o que não é nada lógico ou racional, e sim algo subjetivo, já que se relaciona ao prazer ou desprazer individual. Para o filósofo, "todos os juízos de gosto são juízos singulares".
      No entanto, Kant também diz que "belo é o que apraz universalmente sem conceito". Isso significa que é impossível conceituar, definir racionalmente o belo, pois "quando se julgam objetos simplesmente segundo conceitos, toda a representação da beleza é perdida". Mas, quando dizemos que algo é belo, pretendemos que esse juízo esteja afirmando algo que realmente pertence ao objeto, ou seja, não dizemos "isto é belo para mim", mas sim "isto é belo", esperando que os demais concordem com esse julgamento. Portanto, esse julgamento pretende ser voz universal, pois contém uma expectativa de que aquilo que julgamos belo seja, de fato, belo.
      Essa expectativa torna-se possível, para Kant, devido ao fundamento do juízo de gosto, que seria a vinculação universal entre o belo e o sentimento de prazer. E, como determinados objetos despertam em grande quantidade de pessoas o mesmo sentimento de prazer, é possível supor a existência de certa universalidade nos juízos estéticos.

Admirada em todas as épocas, a obra-prima do gênio Leonardo da Vinci, Mona Lisa (1503-1507), é provavelmente o quadro mais famoso da história da pintura.


Visão de Hegel
    Diferentemente de Kant, que em sua reflexão levou em consideração apenas as condições da própria estrutura da sensibilidade humana, o filósofo alemão Georg W. Friedrich Hegel (1770-1831) trabalhou a questão da beleza em uma perspectiva histórica.
      Para ele, o relativo consenso acerca de quais são as coisas belas mostra apenas que o entendimento do que é belo depende do momento histórico e do desenvolvimento cultural. Esses dois fatores determinariam certa visão de mundo, a partir da qual algumas coisas seriam consideradas belas e outras não.
      Hegel procurou demonstrar essa tese analisando a história da arte, da Antiguidade até seu tempo, e demonstrando que a noção de belo variava conforme a época e o lugar.
      Por isso, em Hegel, a beleza artística não diz respeito apenas à sensação de prazer que determinada obra possa proporcionar, mas à capacidade que ela tem de sintetizar um dado conteúdo cultural de um determinado momento histórico.
      Em outras palavras, a arte não é apenas fruição: tem como função mostrar, de modo sensível, a evolução espiritual dos seres humanos ao longo da história. Se uma obra consegue isso, ela é bela, de acordo com Hegel. Mesmo a representação de algo feio pode ser bela, e o será quanto mais conseguir comunicar às pessoas o sentido de mostrar "aquele feio".
      Essa concepção hegeliana implica também a ideia de que a percepção da beleza é uma construção social que depende do alargamento da capacidade de recepção do indivíduo, ou seja, de sua capacidade de ver, ouvir, sentir. Em outras palavras, a capacidade estética, que é subjetiva, seria formada a partir das relações objetivas da vivência social de cada um. Portanto, para Hegel, tanto a definição do que é beleza quanto a capacidade individual de percebê-la são construções histórico-sociais.
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