Pensar a vida e viver o pensamento, de forma profunda e radical. Isso é filosofar.

EXISTENCIALISMO - A aventura e o drama da existência

      O termo existencialismo designa o conjunto de tendências filosóficas que, embora divergentes em vários aspectos, têm na existência humana o ponto de partida e o objeto fundamental de reflexões. Por isso, podemos designá-las mais propriamente como filosofias da existência, no plural.
      Mas o que é existir? Se refletirmos sobre o tema, veremos que existir implica a relação do ser humano consigo mesmo, com outros seres humanos, com os objetos culturais e com a natureza. São relações múltiplas, concretas e dinâmicas. E também relações determinadas (aquelas, por exemplo, que resultam de leis da física) e indeterminadas (aquelas que resultam da nossa liberdade ou do acaso, sendo possíveis ou não de acontecer).
      Sobre esses temas, os filósofos existencialistas elaboraram diversas interpretações, cujo denominador comum é uma certa visão dramática da condição humana. O filósofo e escritor francês Albert Camus (1913-1960) ilustrava bem essa interpretação quando dizia que a única questão filosófica séria seria o suicídio.
      Vejamos algumas concepções características do existencialismo:
ser humano — é entendido como uma realidade imperfeita, aberta e inacabada, que foi "lançada" ao mundo e vive sob riscos e ameaças;
liberdade humana — não é plena, mas condicionada às circunstâncias históricas da existência. Nesse sentido, querer não se identifica com poder. Homens e mulheres agem no mundo superando ou não os obstáculos que se lhes apresentam;
vida humana — não é um caminho seguro em direção ao progresso, ao êxito e ao crescimento. Ao contrário, é marcada por situações de sofrimento, como doença, dor, injustiças, luta pela sobrevivência, fracassos, velhice e morte. Assim, não podemos ignorar o sofrimento humano, a angústia interior, a exploração social. É preciso considerar esses aspectos adversos da vida e encará-los de frente.
      As filosofias da existência propriamente ditas surgiram no século XX, mas sofreram grande influência do pensamento de alguns filósofos do período anterior, considerados por isso pré-existencialistas. Entre eles destacam-se Schopenhauer, Kierkegaard, Nietzsche e Husserl.


Edmund Husserl
    Edmund Husserl (1859-1938) nasceu na cidade de Prossnitz, situada na Morávia, região que pertencia ao império austro-húngaro (hoje República Tcheca). Formulou um método de investigação filosófica conhecido como fenomenologia.

Husserl estudou matemática, mas voltou-se para a filosofia por influência do filósofo alemão Franz Brentano (1838-1917). Morreu aos 79 anos de idade, proibido de lecionar e perseguido pelos nazistas devido à sua origem judaica.


Método fenomenológico
    A fenomenologia surgiu primeiramente na atmosfera rarefeita da matemática. Depois se desenvolveu na psicologia e na filosofia e acabou desembocando nas preocupações humanistas dos filósofos existencialistas contemporâneos. Seria, por definição, a ciência dos fenômenos.
      O que são os fenômenos? A palavra fenômeno vem do grego phaenomenon, que significa "coisa que aparece". Assim, o método fenomenológico consiste, basicamente, na observação e descrição rigorosa do fenômeno, isto é, daquilo que aparece ou se oferece aos sentidos ou à consciência.
      Dessa maneira, busca-se analisar como se forma, para nós, o campo de nossa experiência, sem que o sujeito ofereça resistência ao fenômeno estudado nem se desvie dele. O sujeito deve, portanto, orientar-se para e pelo fenômeno. Sua consciência será sempre a consciência de alguma coisa.
      Em resumo, a fenomenologia apresenta-se como a investigação das experiências conscientes (fenômenos), isto é, "o mundo da vida" (Lebenswelt, em alemão) como a denomina Husserl.
      Conforme analisou o filósofo francês Merleau-Ponty, Husserl tentou a reabilitação ontológica do sensível. Isso significou, na história da filosofia, uma volta às próprias coisas, das quais o sujeito tinha se afastado.


Martin Heidegger
    Nascido em Messkirch, na região de Baden, Alemanha, Martin Heidegger (1889-1976) desenvolveu sua formação filosófica na Universidade de Freiburg, onde Edmund Husserl era professor. Publicou, em 1927, uma de suas mais importantes obras, Ser e tempo.

Também fenomenologista, Heidegger tornou-se um dos pensadores fundamentais do século XX.

      Com a ascensão de Hitler ao poder, em 1933 afastou-se de seu antigo mestre e amigo Husserl, que era judeu. Não muito tempo depois, porém, talvez por tomar consciência das crescentes atrocidades nazistas, demitiu-se da Universidade de Freiburg, da qual era então reitor, e isolou-se em sua casa nas montanhas da Floresta Negra, mantendo poucos contatos até sua morte.


Ente e ser
    Rompendo com a tendência dominante da filosofia moderna, que desde Descartes estava voltada para a teoria do conhecimento, Heidegger retomou a questão da ontologia, a investigação do ser. Para ele, o problema central da filosofia é o ser, a existência de tudo.
      O filósofo negou que fosse um existencialista. Devemos, segundo afirmava, começar investigando nossa existência porque é dela que, primeiramente, temos consciência. Mas uma filosofia que colocasse apenas o ser humano como centro de preocupação seria antes uma antropologia. Por isso dizia que a questão que o preocupava não era a existência do ser humano, e sim a questão do ser em seu conjunto e enquanto tal. Essa sua intenção, no entanto, só ficou clara a partir de 1930, quando
publicou Da essência da verdade.
      Heidegger criticou aquilo que considerava uma confusão entre ente e ser, ocorrida ao longo da história da filosofia. Para ele, o ente é a existência, a manifestação dos modos de ser. O ser é essência, aquilo que fundamenta e ilumina a existência ou os modos de ser. A partir dessa diferenciação é possível estabelecer duas fases da filosofia heideggeriana. A primeira caracteriza-se pela busca do conhecimento do ser por meio da análise do ente humano, da existência humana. Na segunda, o ente sai do primeiro plano e o próprio ser torna-se a chave para a compreensão da existência.


Despertar pela angústia
    Um dos objetivos básicos de sua obra Ser e tempo é investigar o sentido do ser. Para efetuar tal tarefa, Heidegger começou pela análise do ser que nós próprio somos. Criando uma terminologia própria, e por vezes obscura, denominou o modo de ser do ser humano, nossa existência, com a palavra Dasein, cujo sentido é ser-aí, estar-aí.
      Analisando a vida humana, o filósofo descreveu três etapas que marcam a existência e que, para a maioria dos indivíduos, culminam em uma existência inautêntica:
fato da existência — o ser humano é "lançado" ao mundo, sem saber por quê. Ao despertar para a consciência da vida, já está aí, sem ter pedido para nascer;
desenvolvimento da existência — o ser humano estabelece relações com o mundo (ambiente natural e social historicamente situado). Para existir, projeta sua vida e procura agir no campo de suas possibilidades. Move uma busca permanente para realizar aquilo que ainda não é. Em outras palavras, existir é construir um projeto;
destruição do eu — tentando realizar seu projeto, o ser humano sofre a interferência de uma série de fatores adversos que o desviam de seu caminho existencial. Trata-se do confronto do eu com os outros, confronto no qual o indivíduo comum é, geralmente, derrotado. O seu eu é destruído, arruinado, dissolve-se na banalidade do cotidiano, nas preocupações da massa humana. Em vez de tornar si-mesmo, torna-se o que os outros são; assim, o eu é absorvido no com-o-outro e para-o-outro.
      O sentimento profundo que faz o ser humano despertar da existência inautêntica é a angústia, pois ela revela o quanto nos dissolvemos em atitudes impessoais, o quanto somos absorvidos pela banalidade do cotidiano, o quanto anulamos nosso eu para inseri-lo, alienadamente, no mundo do outro.

"O mundo surge diante do homem, aniquilando todas as coisas particulares que o rodeiam e, portanto, apontando para o nada. O homem sente-se, assim, como um ser-para-a-morte.
A partir desse estado de angústia, abre-se para o homem, segundo Heidegger, uma alternativa: fugir de novo para o esquecimento de sua dimensão profunda, isto é, o ser, e retornar ao cotidiano; ou superar a própria angústia, manifestando seu poder de transcendência sobre o mundo e sobre si mesmo. Aqui surge um dos temas-chave de Heidegger: o homem pode transcender, o que significa dizer que o homem está capacitado a atribuir um sentido ao ser." (Chauí, em Heidegger, Conferências e escritos filosóficos, p. 10).


A angústia é a experiência do tempo, da finitude da existência humana.


Jean-Paul Sartre
    Jean-Paul Sartre (1905-1980), nascido em Paris, França, recebeu significativa influência filosófica de Heidegger. Durante os anos da Segunda Guerra Mundial, participou da luta da resistência francesa contra o nazismo. Também aderiu ao marxismo, considerando-o a filosofia de sua época, embora, diante da intervenção soviética na Hungria, em 1956, tenha rompido com o Partido Comunista, acusando-o de se desviar do sentido autêntico do marxismo.

Em 1964, Sartre foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura, mas se recusou a recebê-lo. Não desejava reconhecer a autoridade dos juízes que lhe ofereceram o prêmio, nem aderir a essa instituição.

      Sartre tornou-se o filósofo mais conhecido da corrente existencialista. No entanto, grande parte de sua fama deve-se não propriamente à sua obra filosófica, mas às suas peças de teatro e romances, dentre os quais se destacam A náusea, O muro, A idade da razão, O diabo e o bom Deus.


Ente em-si e ente para-si
    A principal obra filosófica de Sartre é O ser e o nada, publicada em 1943. Nessa obra, ele ataca duramente a teoria aristotélica da potência. Aristóteles explicou as mudanças do ser pela passagem da potência ao ato. Para Sartre, o ser é o que é. Trata-se, na linguagem sartriana, do ente em-si. Esse ente "não é ativo nem passivo, nem afirmação nem negação, mas simplesmente repousa em si, maciço e rígido" (Bochenski, A filosofia contemporânea ocidental, p. 167).
      Além do ente em-si, Sartre concebe a existência do ser especificamente humano, denominando-o ente para-si. Este se opõe ao ente em-si, que representa a plenitude do ser. O ente para-si é o nada. Ou seja, para Sartre, a característica tipicamente humana é o nada, um "espaço aberto". Isso não significa que a totalidade do ser humano — que, por exemplo, inclui seu corpo — seja nada. Esse nada é nossa característica típica, singular, aquilo que faz de nós um ente não estático, não compacto, acessível às possibilidades de mudança.


Não-ser e liberdade humana
    Se o ser humano fosse um ser cheio, total, pleno, com uma essência definida, não poderia ter nem consciência nem liberdade. Primeiro, porque a consciência é um espaço aberto a múltiplos conteúdos e relações. Segundo, porque a liberdade representa a possibilidade de escolha. Por intermédio de suas escolhas, o indivíduo constrói a si mesmo e torna-se responsável pelo que faz.
      Assim, para Sartre, se o ser humano não expressasse esse "vazio de ser", sua consciência já estaria pronta, fechada. E, nesse caso, não poderia manifestar liberdade, pois estaria preso à realidade estática do ser pleno, do ser em-si.
      Outra consequência dessa característica específica do não-ser é que não podemos falar da existência de uma natureza humana previamente determinada. Assim, para Sartre, o que existiria é uma condição humana, isto é, "o conjunto de limites a priori que esboçam a sua [do ser humano] situação fundamental no Universo". E acrescenta:

"As situações históricas variam: o homem pode nascer escravo numa sociedade pagã — ou senhor feudal ou proletário. Mas o que não varia é a necessidade para ele de estar no mundo, de lutar, de viver com os outros e de ser mortal." (O existencialismo é um humanismo, p. 16).

      Portanto, um dos valores fundamentais da condição humana é, segundo Sartre, a liberdade. É o exercício da liberdade, em situações concretas, que move o ser humano, que gera a incerteza, que leva à produção de sentidos, que impulsiona a ultrapassagem de certos limites.
      Quando se tornou mais influenciado pelo marxismo, Sartre reconheceu que era demasiada a extensão da liberdade que atribuía às pessoas, pois tinha exagerado ao desprezar o peso das pressões sociais e os vínculos culturais.
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