Pensar a vida e viver o pensamento, de forma profunda e radical. Isso é filosofar.

KARL MARX - O materialismo dialético e histórico

Não se sabe com certeza as razões que levaram Marx a abraçar a causa do proletariado. O certo é que ele foi o primeiro grande pensador a romper com uma longa tradição de pensadores e artistas sempre inclinados ao lado dos senhores e a defender a emancipação dos trabalhadores. Ele dizia: "A cabeça desta emancipação é a filosofia; seu coração, o proletariado".

      Karl Marx (1818-1883) nasceu na cidade alemã de Trier, no seio de uma família judaica rica e culta. É provavelmente um dos pensadores que maior influência exerceu sobre a filosofia contemporânea. Sua importância está destacada na afirmação do pensador francês Raymond Aron de que se a grandeza de um filósofo fosse medida pelos debates que suscitou, nenhum deles, nos últimos séculos, poderia ser comparado a Karl Marx.
      Nos tempos da universidade, Marx revelou entusiasmo pelo estudo do direito, da filosofia e da história. Formado em filosofia no círculo do idealismo alemão, tentou seguir a carreira universitária como professor, mas não conseguiu seu intento devido a questões políticas.
      Em 1844 conheceu Friedrich Engels (1820-1895) em Paris, e ambos se tornaram amigos inseparáveis por toda a vida. Em 1848, lançaram o célebre Manifesto comunista. Segundo o lema de que a filosofia deve ser também prática, participaram juntos de diversas atividades políticas e escreveram várias obras, que lhes custaram duras perseguições dos governos constituídos. O conjunto de suas ideias foi depois interpretado e desenvolvido por outros pensadores, ficando conhecido como marxismo.


Crítica ao idealismo hegeliano
    Marx fez uma crítica radical ao idealismo hegeliano, na qual afirma que Hegel inverte a relação entre o que é determinante — as representações e conceitos acerca dessa realidade. A filosofia idealista seria, assim, uma grande mistificação que pretende entender o mundo real, concreto, como manifestação de uma razão absoluta.
      Contrapondo sua filosofia ao idealismo hegeliano, Marx afirma na introdução ao livro A ideologia alemã:

"As premissas de que partimos não constituem bases arbitrárias, nem dogmas; são antes bases reais de que só é possível abstrair no âmbito da imaginação. As nossas premissas são os indivíduos reais, a sua ação e as suas condições materiais de existência [...]." (p. 4).

      Marx procurou, portanto, compreender a história real dos seres humanos em sociedade a partir das condições materiais nas quais eles vivem. Essa visão da história foi chamada posteriormente por Engels de materialismo histórico.
      Vejamos então os principais pontos do materialismo de Marx, em que destacaremos as concepções contrárias ao idealismo de Hegel.


Materialismo histórico
    De acordo com o pensamento de Marx, os seres humanos não podem ser pensado de forma abstrata, como na filosofia de Hegel, nem de forma isolada, como nas filosofias de Feuerbach, Proudhon e tantos outros que Marx criticou, como Schopenhauer e Kierkegaard.
      Para Marx, não existe o indivíduo formado fora das relações sociais. Ele enfatiza esse ponto ao afirmar: "A essência humana [...] é o conjunto das relações sociais" (Teses contra Feuerbach, p. 52). Isso significa que a forma como os indivíduos se comportam, agem, sentem e pensam vincula-se à forma como se dão as relações sociais. Essas relações sociais, por seu lado, são determinadas pela forma de produção da vida material, ou seja, pela maneira como os seres humanos trabalham e produzem os meios necessários para a sustentação material das sociedades. Em A ideologia alemã, escrita em conjunto com Engels, Marx desenvolve essa reflexão dizendo:

"A forma como os homens produzem esses meios depende em primeiro lugar da natureza, isto é, dos meios de existência já elaborados e que lhes é necessário reproduzir; mas não deveremos considerar esse modo de produção deste único ponto de vista, isto é, enquanto mera reprodução da existência física dos indivíduos. Pelo contrário, já constitui um modo determinado de atividade de tais indivíduos, uma forma determinada de manifestar a sua vida, um modo de vida determinado. A forma como os indivíduos manifestam a sua vida reflete muito exatamente aquilo que são. O que são coincide portanto com a sua produção, isto é, tanto com aquilo que produzem como com a forma como produzem. Aquilo que os indivíduos são depende portanto das condições materiais da sua produção." (p. 4).

      Esse é um ponto fundamental da filosofia de Marx. Ao falar da produção material da vida, ele não se refere apenas à produção das inúmeras coisas necessárias à manutenção física dos indivíduos. Considera também o fato de que, ao produzirem todas essas coisas, os seres humanos constroem a si mesmos como indivíduos. Isso ocorre porque, segundo o filósofo, "o modo de produção da vida material condiciona o processo geral de vida social, política e espiritual" (Para a crítica da economia política, prefácio).


Capital e trabalho
    Marx reconhece o trabalho como atividade fundamental do ser humano e analisa os fatores que o tornaram uma atividade massacrante e alienada no capitalismo.
      Essa demonstração desenvolve-se em vários textos, mas de forma mais rigorosa em O capital, livro em que o filósofo expõe a lógica do modo de produção capitalista, em que a força de trabalho é transformada em uma mercadoria com dupla face: de um lado, é uma mercadoria como outra qualquer, paga pelo salário; de outro, é a única mercadoria que produz valor, ou seja, que reproduz o capital.


Dialética marxista
    Marx também entende o desenvolvimento histórico-social como decorrente das transformações ocorridas no modo de produção. Nessa análise, ele se vale dos princípios da dialética, mas, como afirma no prefácio da segunda edição de O capital, "meu método dialético não só difere do hegeliano, mas é também a sua antítese direta". Marx reconhece o mérito de Hegel por ter sido o primeiro a expor as formas gerais da dialética, mas alega que é preciso desmistificá-la, evidenciando seu núcleo racional.
      Na concepção hegeliana, a dialética torna-se instrumento de legitimação da realidade existente. No pensamento de Marx, a dialética leva ao entendimento da possibilidade de negação dessa realidade "porque apreende cada forma existente no fluxo do movimento, portanto também com seu lado transitório". Ou seja, a dialética em Marx permite compreender a história em seu movimento, em que cada etapa é vista não como algo estático e definitivo, mas como algo transitório, que pode ser transformado pela ação humana.
      De acordo com Marx, as grandes transformações históricas deram-se primeiramente no campo da economia, causadas por contradições geradas no interior do próprio modo de produção. Diferentemente de Hegel, no entanto, Marx não concebe uma história que anda sozinha, guiada por uma razão ou um espírito, mas sim uma história feita pelos seres humanos, que interferem no processo histórico e podem, dessa forma, transformar a realidade social, sobretudo se alterarem seu modo de produção.


Modo de produção
    Modo de produção é a maneira como se organiza a produção material em um dado estágio de desenvolvimento social. Essa maneira depende do desenvolvimento das forças produtivas (a força de trabalho humano e os meios de produção, tais como máquinas, ferramentes etc.) e da forma das relações de produção.
      Embora a definição dos modos de produção seja um aspecto complexo na obra de Marx e entre os seus comentadores, lemos em A ideologia alemã a exposição dos seguintes modos de produção dominantes em cada época: o comunismo primitivo, o escravismo na Antiguidade, o feudalismo na Idade Média e o capitalismo na Idade Moderna.
      A passagem de um modo de produção a outro, segundo o filósofo, dá-se no momento em que o nível de desenvolvimento das forças produtivas entra em contradição com as relações sociais de produção. Quando isso ocorre, há um sufocamento da produção em virtude da inadequação das relações nas quais ela se dá. Nesse momento, surgem as possibilidades objetivas de transformação desse modo de produção.


Luta de classes
    De acordo com Marx, caberia à classe social que possui, nesse momento, um caráter revolucionário intervir por meio de ações concretas, práticas, para que essas transformações ocorram. Foi o que aconteceu, por exemplo, na passagem do feudalismo ao capitalismo, com as revoluções burguesas.
      Marx sintetiza essa análise na afirmação de que a luta de classes é o motor da história, isto é, a luta de classes faz a história se mover. Por isso, no Manifesto comunista (1848), escrito em parceria com Engels, Marx afirma:

"A história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história das lutas de classes.
Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, mestre de corporação e aprendiz; numa palavra, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; uma guerra que terminou sempre, ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em luta."

      De acordo com Marx, o capitalismo também criou uma classe revolucionária que, em virtude de suas condições de existência, deve se organizar para, no momento oportuno, fazer a revolução social rumo ao socialismo. Essa classe revolucionária seria o proletariado.

Cena do filme Germinal (1993, França, direção de Claude Berri). A imagem retrata o antagonismo de interesses entre grupos sociais e a luta das classes proletárias.
Compartilhar:
← Anterior Proxima → Inicio

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagens mais lidas

O QUE É CIÊNCIA - Do método científico às leis científicas

      Comecemos nossa investigação sobre a ciência buscando o significado básico dessa palavra. O termo ciência vem do latim scientia , que...