Pensar a vida e viver o pensamento, de forma profunda e radical. Isso é filosofar.

FRIEDRICH NIETZSCHE - Uma filosofia "a golpes de martelo"

Nietzsche foi professor titular de filosofia na Basileia. Durante muitos anos, padeceu de uma doença que o levaria a episódios de perda da consciência e crises de loucura.

      Nesta publicação veremos outro pensador que, nas últimas décadas do século XIX, questionou profundamente os rumos do pensamento filosófico vigente, bem como do mundo ocidental. Trata-se de Friedrich Nietzsche.
      Nietzsche (1844-1900) nasceu em Rocken, uma localidade da Alemanha atual. Filho de um culto pastor protestante, possuía um gênio brilhante, tendo estudado grego, latim, teologia e filosofia. A partir da leitura de O mundo como vontade e representação, de Schopenhauer, sentiu-se profundamente atraído pelas reflexões filosóficas.
      Realizou uma crítica radical e impiedosa à tradição filosófica e aos valores fundamentais da civilização ocidental, construindo um pensamento diferente e original, "a golpes de martelo". Exerceu grande influência sobre os pensadores das filosofia da existência, sendo, por isso, considerado às vezes um filósofo pré-existencialista.


Apolíneo e dionisíaco
    Em sua obra, Nietzsche critica a tradição da filosofia ocidental a partir de Sócrates, a quem acusa de ter negado a intuição criadora da filosofia anterior, pré-socrática.
      Nessa análise, o filósofo alemão estabelece a distinção entre dois princípios: o apolíneo e o dionisíaco, a partir, respectivamente, dos deuses gregos Apolo (deus da razão, da clareza, da ordem) e Dionísio (deus da aventura, da música, da fantasia, da desordem).
      Para Nietzsche, esses dois princípios ou dimensões complementares da realidade — o apolíneo e o dionisíaco — foram separados na Grécia socrática, que, optando pelo culto à razão, secou a seiva criadora da filosofia, contida na dimensão dionisíaca.


Genealogia da moral
    Posteriormente, Nietzsche desenvolveu uma crítica intensa dos valores morais, propondo uma nova abordagem: a genealogia da moral, isto é, o estudo da formação histórica dos valores morais.
      Sua conclusão foi de que não existem as noções absolutas de bem e de mal. Para Nietzsche, as concepções morais são elaboradas pelos homens, a partir dos interesses humanos. Ou seja, são produtos histórico-culturais. No entanto as religiões, como o judaísmo e o cristianismo, impõem esses valores humanos como se fossem produtos da "vontade de Deus".
      Para o filósofo, grande parte das pessoas acomoda-se a uma "moral de rebanho", baseada na submissão irrefletida aos valores dominantes da civilização cristã e burguesa.

"O que é tacitamente aceito por nós; o que recebemos e praticamos sem atritos internos e externos, sem ter sido por nós conquistado, mas recebido de fora para dentro, é como algo que nos foi dado; são dados que incorporamos à rotina, reverenciamos passivamente e se tornam peias (amarras que prendem os pés) ao desenvolvimento pessoal e coletivo. Ora, para que certos princípios, como a justiça e a bondade, possam atuar e enriquecer, é preciso que surjam como algo que obtivemos ativamente a partir da superação dos dados. [...] Para essa conquista das mais límidas (autênticas) virtualidades do ser é que Nietzsche ensina a combater a complacência, a mornidão das posições adquiridas, que o comodismo intitula moral, ou outra coisa bem soante." (Candido, O portador, posfácio a Nietzsche, p. 411).

      Assim, se compreendermos que os valores presentes em nossas vidas são construções humanas, se questionarmos o valor dos valores, estamos no dever de refletir sobre nossas concepções morais e enfrentar o desafio de viver por nossa própria conta e risco.



Niilismo
    Segundo a análise de Nietzsche, no momento em que o cristianismo deixou de ser a "única verdade" para se tornar uma das interpretações possíveis do mundo, toda a civilização ocidental e seus valores absolutos também foram postos em xeque. Nesse contexto, ocorre uma escalada do niilismo, que "deve ser entendido como um sentimento opressivo e difuso, próprio às fases agudas de acaso de uma cultura. O niilismo seria a expressão afetiva e intelectual da decadência" (Giacoia Jr., Nietzsche, p. 64-65).
      O niilismo moderno apontado por Nietzsche assenta-se, em grande parte, na ideia da morte de Deus. Em sua obra Gaia ciência, o filósofo decreta que "Deus está morto", mas esclarece que quem o matou fomos nós mesmos, ou seja, trata-se de um acontecimento cultural. Desse modo, teríamos destruído os fundamentos transcendentais (assentados em Deus) dos valores mais caros de nossas vidas.
      Assim, por meio do niilismo:

"[...] o homem moderno vivencia a perda de sentido dos valores superiores de nossa cultura. Por essa ótica, niilismo seria o sentimento coletivo de que nossos sistemas tradicionais de valoração, tanto no plano do conhecimento quanto no ético-religioso, ou sociopolítico, ficaram sem consistência e já não podem mais atuar como instâncias doadoras de sentido e fundamento para o conhecimento e a ação." (Giacoia Jr., Nietzsche, p. 65).

      Apesar desse niilismo em relação aos valores consagrados da civilização, Nietzsche defendeu também valores afirmativos da vida, capazes de expandir as energias latentes em nós.
      "Ouse conquistar a si mesmo" talvez seja a grande indicação nietzschiana àqueles que buscam viver a "liberdade da razão", sem conformismo, resignação ou submissão.


Sugestões de filmes

A época da inocência (1993, EUA, direção de Martin Scorsese)
      História que se desenrola em ambiente da burguesia norte-americana do final do século XIX. Um jovem vê-se dividido entre o sentimento romântico da paixão por uma mulher independente, separada de um nobre russo, e o realismo de submeter-se ao compromisso de noivado com uma jovem pertencente a importante família local.

Aguirre, a cólera dos deuses (1972, Alemanha, direção de Werner Herzog)
      Espetacular e implacável crônica do imperialismo enlouquecido, que narra a tentativa impossível de conquistar a cidade mítica de El Dorado, feita por uma expedição espanhola nos princípios da colonização.

Julia (1977, EUA, direção de Fred Zinnemann)
      Filme sobre episódios da vida da escritora norte-americana Lillian Hellman e de sua amiga Julia, ativista de movimentos políticos da década de 1930.

Era uma vez proletários (2009, China, direção de Guo Xiaolu)
      História de diversas pessoas, contada com humor: um velho camponês, um milionário que especula na bolsa de valores, um jovem migrante, um operário de uma fábrica de armamentos, um proprietário do hotel, crianças que sonham em se tornar artistas.
Compartilhar:
← Anterior Proxima → Inicio

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagens mais lidas

O QUE É CIÊNCIA - Do método científico às leis científicas

      Comecemos nossa investigação sobre a ciência buscando o significado básico dessa palavra. O termo ciência vem do latim scientia , que...