Pensar a vida e viver o pensamento, de forma profunda e radical. Isso é filosofar.

PERÍODO MEDIEVAL - Filosofia e cristianismo

      Ao longo do século V d.C., o império romano do Ocidente sofreu ataques constantes dos povos bárbaros. Os sucessivos e violentos confrontos, principalmente as invasões germânicas, levaram ao seu esfacelamento. Desenvolveu-se, a partir de então, uma nova estruturação da vida social europeia, que corresponde ao período medieval.

Povos bárbaros — para os romanos, "bárbaros" eram os povos que habitavam fora das fronteiras do império e falavam outras línguas que não o latim, sua língua oficial.

      Em meio a todas as mudanças, a Igreja Católica conseguiu manter-se como instituição social. Consolidou sua organização religiosa e difundiu o cristianismo, preservando, também, muitos elementos da cultura greco-romana.
      Apoiada em sua crescente influência religiosa, a Igreja passou a exercer importante papel político na sociedade medieval. Desempenhou, às vezes, a função de órgão supranacional, conciliador das elites dominantes, contornando os problemas da rivalidades internas da nobreza feudal. Conquistou, também, uma enorme quantidade de bens materiais: tornou-se dona de aproximadamente um terço das áreas cultiváveis da Europa ocidental, em uma época em que a terra era a principal base da riqueza.
      No plano cultural, a Igreja exerceu ampla influência, traçando um quadro intelectual em que a fé cristã tornou-se o pressuposto (isto é, o antecedente necessário) de toda vida espiritual, o que marcou exponencialmente o pensamento filosófico produzido nesse período. Em que consistia a fé cristã?


Cristianismo
    O cristianismo é uma religião que surgiu no interior do império romano, a partir do ano 1 de nossa era, com os seguidores dos ensinamentos de Jesus Cristo. Constituía originalmente uma corrente heterodoxa do judaísmo e, como tal, manteve o que os cristãos chamam de Velho Testamento (as estruturas hebraicas) como parte de seu livro sagrado (a Bíblia), mas incorporou a ele o Novo Testamento (as escrituras gregas), redigido pelos apóstolos e primeiros cristãos durante o século I d.C.


Interior da Basílica de São Marcos, Veneza, Itália. Como a instituição mais rica e influente da Idade Média, a Igreja Católica — ou figuras poderosas do Clero — financiou e inspirou grande parte da arte e da produção cultural desse período.

Heterodoxo — que contraria ou não está em consonância com as opiniões predominantes ou com normas ou dogmas estabelecidos dentro de certo contexto.

      O desenvolvimento inicial do cristianismo ocorreu juntamente com a edificação da Igreja Católica, instituição que foi a única representante da fé cristã por muitos séculos, até o Início da Idade Moderna. Era uma época de grande penetração da filosofia grega entre as autoridades e as camadas mais cultas da população de Roma e de suas províncias e, posteriormente, da Europa medieval.
      Devido a essa influência, boa parte da doutrina cristã — elaborada nesse período — integra elementos de diversas correntes do pensamento grego. A tarefa de construir essa doutrina foi realizada pelos padres da Igreja e outros líderes cristãos, com o propósito de explicar e justificar diversos aspectos de sua fé. Nesse processo, porém, não se poderia, de modo algum, contrariar as verdades reveladas por Deus aos humanos ou as interpretações das escrituras sagradas que foram sendo estabelecidas pela Igreja.

Padres da Igreja — denominação dada aos primeiros pensadores e escritores da Igreja Católica, especialmente aqueles que viveram entre os séculos IV e VIII. A palavra padre significa aqui "pai", no sentido de que foram esses padres que formularam os primeiros conceitos da fé e tradição católica.

      Nos primeiros séculos de nossa era, as obras de Platão e de Aristóteles haviam desaparecido. Assim, as principais concepções gregas absorvidas pelo cristianismo, nesse período, vieram de escolas filosóficas helenísticas e greco-romanas, com destaque para o estoicismo e o neoplatonismo. Este surgiu por volta do século III, realizando uma síntese entre a filosofia de Platão e certos elementos místicos, como a metafísica hindu. Propunha uma realidade suprema o Uno, do qual emanariam todas as outras realidades, senso a primeira delas o logos.



versus razão
    O cristianismo, como a maioria das religiões, baseia-se na , isto é, na crença irrestrita ou adesão incondicional às verdades reveladas por Deus aos seres humanos — verdades expressas nas Sagradas Escrituras (Bíblia) e interpretadas segundo a autoridade da Igreja.
      De acordo com a doutrina católica, a fé em si mesma seria a fonte mais elevada das verdades reveladas, especialmente aquelas consideradas essenciais ao ser humano e que dizem respeito à sua salvação. Nesse sentido, Santo Ambrósio (c. 340-397), teólogo e bispo de Milão, uma das figuras eclesiásticas mais influentes do século IV, teria afirmado: "Toda verdade, dita por quem quer que seja, é do Espírito Santo".
      Isso significa que toda investigação filosófica ou científica não poderia, de modo algum, contrariar as verdades estabelecidas pela fé católica. Em outras palavras, os filósofos não precisavam mais se dedicar à busca da verdade, pois ela já teria sido revelada por Deus aos seres humanos. Restava-lhes, apenas, demonstrar racionalmente as verdades da fé.
      Não foram poucos, porém, aqueles que dispensaram até mesmo essa comprovação racional da fé. Foi o caso de religiosos que desprezavam a filosofia grega, sobretudo porque viam nessa forma pagã de pensamento uma porta aberta para o pecado, a dúvida, o descaminho e a heresia.

Heresia — qualquer ato, palavra ou doutrina contrários ao que foi estabelecido pela Igreja, em termos de fé. Em sua origem grega, heresia significava escolha, uma preferência por uma doutrina. Herege era a pessoa que escolheu determinada heresia.


Razão e fé juntas
    De outro lado, surgiram pensadores cristãos que defenderam o conhecimento da filosofia grega, percebendo a possibilidade de utilizá-la como instrumento a serviço do cristianismo. Conciliado com a fé cristã, o estudo da filosofia grega permitiria à Igreja enfrentar os descrentes e derrotar os hereges com as armas racionais da argumentação lógica. O objetivo era convencer os descrentes, tanto quanto possível, pela razão, para depois fazê-los aceitar a imensidão dos mistérios divinos, somente acessíveis pela fé.
      Nesse contexto, a filosofia medieval pode ser dividida em quatro momentos principais:
• o dos padres apostólicos, do início do cristianismo (séculos I e II), entre os quais se incluem os apóstolos, que disseminavam a palavra de Cristo, sobretudo em relação a temas morais. Entre estes se destaca a figura de São Paulo pelo volume e valor literário de suas epístolas (cartas escritas pelos apóstolos);
• o dos padres apologistas (séculos III e IV), que faziam a apologia do cristianismo contra a filosofia pagã. Entre os apologistas destacam-se Orígenes, Justino e Tertuliano, este o mais intransigente na defesa da fé contra a filosofia grega;
• o da patrística (de meados do século IV ao século VIII), que pretendia uma conciliação entre a razão e a fé. Destacam-se aqui a figura de Santo Agostinho e a influência da filosofia platônica;
• o da escolástica (do século IX a XVI), em que se buscou uma sistematização da filosofia cristã, sobretudo a partir da interpretação da filosofia de Aristóteles, com destaque para a figura de Santo Tomás de Aquino.
      Sua característica fundamental é a ênfase na questões teológicas, destacando-se temas como: o dogma da Trindade, a encarnação de Deus-filho, a liberdade e a salvação, a relação entre fé e razão.

Observação: Há também uma produção filosófica medieval que progressivamente se desvinculou da tradição cristã (Roger Bacon, Guilherme de Ockham, entre outros), bem como uma filosofia não europeia e não cristã (Avicena, Averróis, Maimônides, entre outros).
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