Pensar a vida e viver o pensamento, de forma profunda e radical. Isso é filosofar.

PRÉ-SOCRÁTICOS - Os primeiros filósofos gregos

      De acordo com a tradição histórica, a fase inaugural da filosofia grega é conhecida como período pré-socrático (isto é, anterior a Sócrates). Assim, esse período abrange o conjunto das reflexões filosóficas desenvolvidas desde Tales de Mileto, no século VII a.C., até o surgimento de Sócrates, no século V a.C.
      É difícil conhecer o pensamento desse período em toda a sua dimensão, pois são poucos os escritos encontrados dos seus pensadores, e até mesmo as datas de nascimento e morte são incertas.
      Cabe ressaltar, também, que alguns filósofos chamados de "pré-socráticos" foram contemporâneos de Sócrates, mas são assim designados porque mantiveram o tipo de investigação de seus predecessores, centrado na natureza. Sócrates, por sua vez, inaugurou outro tipo de reflexão, centrada no ser humano, dando início a outra tradição filosófica.
      No vasto mundo grego, a filosofia teve como berço a cidade de Mileto, situada na Jônia, litoral ocidental da Ásia Menor. Caracterizada por múltiplas influências culturais e por um rico comércio, Mileto abrigou os três primeiros pensadores da história ocidental a quem atribuímos a denominação filósofos. São eles: Tales, Anaximandro e Anaxímenes.
      Destaca-se, entre os objetivos desses primeiros filósofos, a construção de uma cosmologia — explicação sobre a origem do universo baseada nos mitos.
      Por isso, tentaram descobrir, com base na razão e não na mitologia, o princípio substancial ou substância primordial (a arché, em grego) existente em todos os seres materiais. Ou seja, pretendiam encontrar a "matéria-prima" de que são feitas todas as coisas). Qual era a arché para cada pensador pré-socrático? É o que detalharemos em seguida.


Tales: a água


Acredita-se que Tales teria aprendido boa parte de seus conhecimentos com egípcios e babilônios. Considerado o primeiro pensador grego, "o pai da filosofia", e o mais antigo dos sete sábios da Grécia, buscou a construção do pensamento racional em diversos campos do conhecimento, como a astronomia e a geometria.

   
Tales de Mileto (c. 623-546 a.C.) é tido como o pensador que deu início à indagação racional sobre o universo. Inspirando-se provavelmente em concepções egípcias, acrescidas de suas próprias observações de corpos hídricos — como rios e mares —, bem como da vida animal e vegetal, ele dizia: "Tudo é água".
      Para ele, a água — por permanecer basicamente a mesma, em todas as transformações dos corpos, apesar de assumir diferentes estados (sólido, líquido e gasoso) — seria a árche, a substância primordial, a origem de todas as coisas, presente em tudo o que existe.
      Como princípio vital, a água penetraria todas as coisas e tudo seria animado por ela, de tal modo que tudo teria alma (isto é, anima ou psyché). Por isso, tudo seria divino (ou "cheio de deuses"), não havendo separação entre o sagrado e o mundano. O universo seria uno e homogêneo.
      Apesar da simplicidade da afirmação de Tales a respeito da água — e considerando que a água não representava para ele o mesmo que representa hoje para nós —, pela primeira vez tentava-se explicar a multiplicidade da realidade de maneira sintética e simples, empregando um elemento natural e concreto, visível para todos.
      Era também a primeira concepção monista da filosofia, isto é, que considera que tudo o que existe pode ser reduzido a um princípio único ou realidade fundamental. Muitas outras surgiriam depois.


Anaximandro: o indeterminado


Anaximandro teria desenvolvido diversos estudos e trabalhos nas áreas de geometria, geografia e astronomia. A ele são atribuídas, por exemplo, a confecção de um mapa celeste e de um mapa terrestre das regiões habitadas, a introdução do gnômon (relógio d sol) na Grécia e a tese de que a Terra é cilíndrica e estaria no centro do universo.

    Outro milésio, Anaximandro (c. 610-547 a.C.), discípulo de Tales, procurou aprofundar as concepções do mestre sobre a origem única de todas as coisas e resolver os problemas que este lançara.
      Em meio aos diversos elementos observáveis e determinados no mundo natural, pares de contrários que se "devoram entre si" (água, terra, ar e fogo), Anaximandro acreditava não ser possível eleger uma única substância material como princípio primordial de todos os seres, a arché. Ele dizia que tinha de ser alguma substância diferente, ilimitada, e que dela nascessem o céu e todos os mundos nele contidos.
      Assim, para esse filósofo, o princípio primordial deveria ser algo que transcendesse os limites do observável, ou seja, não se situaria em uma realidade ao alcance dos sentidos, como a água. Por isso, denominou-o ápeiron, termo grego que significa "o indeterminado", "o infinito" no tempo.
      O ápeiron seria a "massa geradora" dos seres e do cosmo, contendo em si todos os elementos opostos. Segundo sua explicação, por diversos processos naturais de diferenciação entre contrários (por exemplo, frio e calor) e de evaporação teriam surgido o céu e a Terra, bem como os animais, em uma sucessão evolutiva que faz lembrar a bem posterior teoria da evolução das espécies (do século XIX).
      O cosmo se manteria por compensações cíclicas entre os contrários (as sucessivas estações do ano) até ser reabsorvido no ápeiron e recriado novamente a partir deste. Ou seja, trata-se de um cosmo dinâmico mas limitado no tempo (que é cíclico) e que tem sua origem e seu fim no ápeiron, o qual é infinito.
      Temos, desse modo, certo retorno a algumas concepções relativas aos deuses primordiais (ao Caos mítico, por exemplo), porém sem voltar diretamente a eles e com maior grau de abstração conceitual e justificação lógica (Bernhardt, O pensamento pré-socrático: de Tales aos sofistas, em Châtelet, História da filosofia: ideias, doutrinas, v. 1, p. 30).


Anaxímenes: o ar
    Um terceiro milésio, Anaxímenes (c. 588-524 a.C.), discípulo de Anaximandro, concordava que a origem de todas as coisas é indeterminada. Entretanto, recurou-se a atribuir essa indeterminação o caráter de arché.
      Para ele, esta não poderia ser um elemento situado fora dos limites da observação e da experiência sensível, como o ápeiron de Anaximandro.
      Em discordância com aspectos do pensamento dos dois mestres anteriores, mas buscando uma síntese entre eles, Anaxímenes incorporou argumentos de ambos e propôs o ar como princípio de todas as coisas: "Como nossa alma, que é ar, soberanamente nos mantém unidos, assim também todo o cosmo sopro e ar o mantém" (Anaxímenes, em Souza, Pré-socráticos, p. 51).
      O ar seria um elemento mais sutil que a água, quase inobservável, mas que nos animaria, nos daria vida, como testemunha nossa respiração. Infinito e ilimitado, penetrando todos os vazios do universo, o ar constituiria uma arché mais determinada que o ápeiron. Também seria um princípio ativo, gerador de movimento, como nos ventos.
      Segundo Anaxímenes, pelos processos de rarefação e condensação se formariam os outros elementos — que, para os antigos, eram a terra, a água e o fogo, além do próprio ar — e, a partir destes, todos os demais. A terra, por exemplo, seria o estado mais condensado (isto é, de menor volume) do ar, enquanto o fogo seria o mais rarefeito (isto é, de maior volume). Nascido do ar e movido por ele, o cosmo seria uma espécie de respiração gigante.

Anaxímenes nasceu em Mileto e foi discípulo e sucessor de Anaximandro. Teria defendido teses astronômicas acertadas e equivocadas, como as de que a Terra é plana e estaria assentada sobre o ar, a luz da Lua é reflexo da luz do Sol e seus eclipses são consequência de terem sido obstruídos por outro corpo celeste.


Pitágoras: os números


Conta-se que Pitágoras sofreu perseguição política em sua terra natal, a ilha de Samos (situada na costa jônica, não distante de Mileto), sendo obrigado a exilar-se em Crotona, na Magna Grécia, onde fundou uma sociedade secreta, de caráter mítico-filosófico. Por seu projeto político, foi expulso também de Crotona. As principais contribuições da escola pitagórica podem ser encontradas nos campos da matemática (lembre-se do célebre teorema de Pitágoras), da música e da astronomia.

   
Resposta bastante distinta na busca da arché veio de Pitágoras de Samos (c. 570-490) a.C.). Profundo estudioso da matemática, Pitágoras defendeu a tese de que todas as coisas são números.
      Conta-se que, para chegar a essa tese, primeiro teria percebido que à harmonia dos acordes musicais correspondiam certas proporções aritméticas. Supôs, então, que as mesmas relações se encontrariam na natureza. Unindo essa suposição aos seus conhecimentos de astronomia — que podia, por exemplo, calcular antecipadamente o deslocamento dos astros —, concebeu a ideia de um cosmo harmônico, regido por relações matemáticas (teoria da harmonia das esferas).
      Se para Pitágoras "tudo é número", isso quer dizer que o princípio fundamental (a arché) seria a estrutura numérica, matemática, da realidade. A diferença entre as coisas resultaria, essencialmente, de uma questão de números. Os pitagóricos entendiam, por exemplo, que os corpos eram constituídos por pontos e a quantidade de pontos de um corpo definiria suas propriedades.
      O mundo teria surgido da fixação de limites para o ilimitado (o ápeiron), da imposição de formas numéricas sobre o espaço. E da estrutura numérica da realidade derivariam problemas como finito e infinito, par e ímpar, unidade e multiplicidade, reta e curva, círculo e quadrado etc.
      Observe que, com Pitágoras, pela primeira vez na história da filosofia ocidental se introduzia, na explicação da realidade, um elemento mais formal, fundado na ordem e na medida.

Formal — que considera as relações existentes entre os termos de uma operação do entendimento, independentemente da matéria ou conteúdo dessa operação.

      Há, portanto, um monismo em Pitágoras, quando ele diz que tudo é número. No entanto, seu princípio sobre a origem do mundo pode também ser entendido como dualista. Segundo essa doutrina, o mundo surgiu de um ápeiron determinado pelo limite, princípios este que instaura o múltiplo, mas mantém a unidade e a ordem universal. O limite operaria como um deus, ou seria o próprio Deus (Bernhardt, O pensamento pré-socrático: de Tales aos sofistas, em Châtelet, História da filosofia: ideias, doutrinas, v. 1, p. 34).
      Apaixonados pela matemática os pitagóricos aliaram aos números concepções não apenas filosóficas, mas também míticas, desenvolvendo uma visão espiritual da existência. Por isso, propunham e praticaram um estilo de vida baseado na crença de que a alma é prisioneira do corpo e que dele se libera com a morte. Poderia, então, reencarnar-se em uma forma de existência mais elevada, dependendo do grau de crescimento e virtude que a pessoa tivesse alcançado. Assim, para eles, o principal propósito da existência humana seria o de purificar a alma e elevar suas virtudes.
      As doutrinas pitagóricas tiveram grande influência sobre Platão e o platonismo. Recordemos, por último, que se atribui a Pitágoras o uso da palavra filosofia pela primeira vez.

Em sua opinião, seria possível estabelecer alguma relação entre o pensamento de Pitágoras e a ciência moderna? Por quê?


Heráclito: fogo e devir


Heráclito nasceu no seio da nobreza governante de Éfeso. Também conhecido como "o Obscuro", desenvolveu um pensamento assistemático e polêmico. Escreveu sob a forma de aforismos, isto é, frases curtas e marcantes, muitas vezes de sentido simbólico.

    Em outra cidade jônica, Éfeso, também se desenvolveu um pensamento distinto e original. Isso se deveu a Heráclito (c. 535-475 a.C.), estudioso da natureza e preocupado com a arché.
      Assim como os pensadores de Mileto, Heráclito observava que a realidade é dinâmica e que a vida está em constante transformação. Mas, diferentemente dos milésios — que buscavam na mudança aquilo que permanece —, decidiu concentrar sua reflexão sobre o que muda. Assim, o filósofo dirá que tudo flui, nada persiste nem permanece o mesmo. O ser não é mais que o vir a ser. "Tu não podes descer duas vezes no mesmo rio, porque novas águas correm sobre ti" (Heráclito, em Souza, Pré-socráticos, p. XXXI).
      Heráclito também observou, como seus predecessores, a atuação dos opostos na natureza (frio e calor,  seco e úmido etc.), mas radicalizou essa observação, conferindo papel essencial a esse conflito em sua cosmologia. Para ele, o fluxo constante da vida seria impulsionado justamente pela luta de forças contrárias: a ordem e a desordem, o bem e o mal, o belo e o feio, a construção e a destruição, a justiça e a injustiça, o racional e o irracional, a alegria e a tristeza etc. Assim, afirmava que "a luta (guerra) é a mãe, rainha e princípio d todas as coisas". É pela luta das forças opostas que o mundo se modifica e evolui.
      Por isso, Heráclito imaginou que, se devia haver um elemento primordial na natureza, este teria que ser o fogo, com chamas vivas e eternas, governando o constante movimento dos seres.

"Este mundo, que é o mesmo para todos, nenhum dos deus ou dos homens o fez; mas foi sempre, é e sera um fogo eternamente vivo, que se acende com medida e se apaga com medida." (Heráclito, em Souza, Pré-socráticos, p. XXVIII).

      A medida desse acender e apagar do fogo seria determinada pelo logos — o pensamento, a razão —, que, para Heráclito, era a razão criadora e unificadora das tensões opostas, a razão-discurso do filósofo: "É sábio escutar não a mim, mas a meu discurso" (Heráclito, em Souza, Pré-socráticos, p. xxx). Ele resgatava, assim, a unidade, mas uma unidade descortinada pela mente atenta, desperta, em vigília.
      Pela importância que deu ao movimento, a escola heraclitiana de pensamento é chamada de mobilista. Apesar de não ter sido muito bem visto entre seus contemporâneos e estudiosos posteriores, Heráclito é considerado um dos mais destacados filósofos pré-socráticos e o primeiro grande representante do pensamento dialético. Teria inspirado filósofos como Nietzsche, Hegel e Heidegger, entre outros.


Pensadores de Eleia
    As diversas cosmologias que acabamos de estudar despertaram, na época, uma nova questão. Por que tanta divergência? Por que tantas opiniões contrárias?
      Foi assim que surgiu na cidade de Elena outra forma de reflexão sobre a realidade, a qual se oporia tanto à preponderância fisicista dos pensadores de Mileto como ao mobilismo de Heráclito. Trata-se da chamada escola eleática, da qual Parmênides foi o principal expoente.


Parmênides: o ser

Parmênides nasceu em Eleia, na Magna Grécia (litoral sul e sudoeste da península Itálica), no seio de uma família nobre. Para muitos, foi o principal filósofo pré-socrático, exercendo grande impacto no pensamento de Platão, que o chamava de Grande Parmênides. Suas reflexões sobre o ser constituíram os primeiros passos da ontologia e da lógica.

    Parmênides (c. 510-470 a.C.) entendia que o equívoco das pessoas e dos demais pensadores era conceder demasiada importância aos dados fornecidos pelos sentidos (Descartes diria algo parecido mais de dois mil anos depois). Embora também percebesse pela via sensorial a mudança e o movimento no mundo, achava contraditório buscar a essência (a arché) naquilo que não é essencial, buscar a permanência naquilo que não permanece (a mudança, o movimento) ou supor que aquilo que é permanente pudesse converter-se em algo impermanente.
      Assim, Parmênides optou por escutar o que lhe dizia a razão — e não os sentidos, que o faziam sentir a mudança — e proclamou que existe o ser e não é concebível sua não existência. Desse modo: "O quer é e o não ser não é". Tentemos compreender melhor essa frase, aparentemente tão óbvia:

• da primeira oração ("o ser é") podemos extrair que o ser (aquilo que é) é eternamente, pois o ser constitui, para ele, a substância permanente das coisas. Portanto, o ser é de maneira imutável e imóvel, e é o único que existe. O ser é a arché de Parmênides, não identificada com nenhum elemento natural, sensível, mas, ao mesmo tempo, equivalente a toda corporeidade, com tudo o que existe, pois o ser é uno, pleno, contínuo e absoluto;
• na segunda oração ("o não ser não é"), temos que o não ser (a negação do ser) não é, não tem ser, substância, essência. Portanto é nada, não existe. Essa é uma conclusão lógica, pois se o ser é tudo, o não ser só pode não existir. Para Parmênides, o não ser se identificaria com a mudança (o devir), pois mudar é justamente não ser mais aquilo que era, nem ser ainda algo que é.

      Em vista dessa formulação, Parmênides é considerado o primeiro filósofo a expor o princípio de identidade (A = A) e de não contradição (se A = A, é impossível, ao mesmo tempo e na mesma relação, A = não A), cuja argumentação seria depois mais bem desenvolvida por Aristóteles.
      Em seu poema filosófico Sobre a natureza (aliás, nessa época, a maioria dos pensadores escrevia sob a forma de poemas), Parmênides expôs que dois caminhos para a compreensão da realidade têm sido trilhados. O primeiro é o da verdade, da razão, da essência. O segundo é o da opinião, da aparência enganosa, que ele considerava a via de Heráclito. Quando a realidade é pensada pelo caminho da aparência, tudo se confunde em movimento, pluralidade e devir. De acordo com Parmênides, essa via precisaria ser evitada para não termos de concluir que "o ser e o não ser são e não são a mesma coisa", o que seria um contrassenso, uma formulação ilógica.
      Foi a partir dessa discussão sobre os contrários, sobre o ser e o não ser, que se iniciaram a lógica e a ontologia e suas relações recíprocas.


Zenão


Junto com Parmênides e Xenófanes (pensador não estudado nesta postagem), Zenão de Eleia é considerado um dos principais filósofos da escola eleática.

    Discípulo de Parmênides, Zenão de Eleia (c. 488-430 a.C.) elaborou argumentos para defender a doutrina de seu mestre. Com eles pretendia demonstrar que a própria noção de movimento era inviável e contraditória.
      Desses argumentos, talvez o mais célebre seja o paradoxo de Zenão, que se refere à corrida de Aquiles (herói grego, segundo a mitologia) com uma tartaruga. Dizia Zenão:
a) Se, na corrida, a tartaruga saísse à frente de Aquiles, para alcançá-la ele precisaria percorrer uma distância superior à metade da distância inicial que os separava no começo da competição.
b) Entretanto, como a tartaruga continuaria se locomovendo, essa distância, por menor que fosse, teria se ampliado. Aquiles deveria percorrer, então, mais da metade dessa nova distância.
c) A tartaruga, contudo, continuaria se movendo, e a tarefa de Aquiles se repetiria ao infinito, pois o espaço pode ser dividido em infinitos pontos.

      Na observação que fazemos do mundo, através de nossos sentidos, é evidente que o argumento de Zenão não corresponde à realidade. Por isso, é chamado de paradoxo, isto é, um raciocínio que parece correto e bem fundamentado, mas cujo resultado entra em contradição com a experiência do mundo real.
      Geralmente isso ocorre porque se trata, na verdade, de uma falácia, ou seja, um raciocínio logicamente equivocado que leva a uma conclusão errônea, com aparência de verdadeira. Mas enquanto não se sabe se existe e onde está a falácia, o que temos é um paradoxo (Bunch, Matemática insólita: paradojas y paralogismos, p. 1-2).

Os paradoxos de Zenão foram debatidos durante séculos por filósofos, físicos e matemáticos. E hoje já existe um cálculo que demonstra que Aquiles alcançou a tartaruga.

      Os argumentos usados por Zenão demonstram as dificuldades pelas quais passou o pensamento racional para compreender conceitos como movimento, espaço, tempo e infinito, entre tantos outros.


Empédocles: quatro elementos


O filósofo, médico, professor, místico e poeta Empédocles nasceu em Aeragas, hoje Agrigento, então parte da Magna Grécia. Além de defensor da democracia, foi um profundo teórico da evolução dos seres vivos. É considerado o primeiro sanitarista da história.

    Empédocles (c. 490-430 a.C., aproximadamente) esforçou-se por conciliar as concepções de Parmênides e Heráclito. Aceitava de Parmênides a racionalidade de que afirma a existência e permanência do ser ("o ser é"), mas procurava encontrar uma maneira de tornar racional os dados captados por nossos sentidos.
      Defendeu, assim, a existência de quatro elementos primordiais, que constituem as raízes de todas as coisas percebidas: o fogo, a terra, a água e o ar. Esses elementos seriam movidos e misturados de diferentes maneiras em função de dois princípios universais opostos:
amor (philia, em grego) — responsável pela força de atração e união e pelo movimento de crescente harmonização das coisas;
 ódio (neikos, em grego) — responsável pela força de repulsão e desagregação e pelo movimento de decadência, dissolução e separação das coisas.
      Para Empédocles, todas as coisas existentes na realidade estão submetidas às forças cíclicas desses dois princípios.


Demócrito: o átomo


Demócrito nasceu em Abdera, cidade situada no litoral mediterrâneo, entre a Macedônia e a Trácia (região que hoje pertence ao nordeste da Grécia). Teria sido discípulo de Leucipo, supostamente o verdadeiro fundador do pensamento atomista. No entanto, a existência real de Leucipo ainda é discutível para alguns estudiosos.

    Finalmente, destacou-se na busca pela arché a resposta concedida por Demócrito (c. 460-370 a.C.). Antes, porém, é preciso ressaltar que, embora seja considerado um pré-socrático, Demócrito viveu na mesma época de Sócrates de Atenas, sendo talvez apenas cerca de 10 anos mais novo que este. Apesar da simultaneidade cronológica, essa classificação tradicional justifica-se pelo fato de que o pensamento democrático inscreve-se na tradição de busca de uma arché explicativa de tudo o que existe, própria dos pré-socráticos.
      Demócrito foi o filósofo responsável — junto com seu mestre, Leucipo — pelo desenvolvimento de uma doutrina conhecida pelo nome de atomismo. Concordava com a necessidade de plenitude e unidade do ser (como havia afirmado Parmênides), mas não aceitava que o não ser (o movimento, a multiplicidade) fosse uma ilusão. Para ele, a experiência do movimento era justamente a prova da existência de um não ser, que em sua concepção era o vazio. Sem espaço vazio, nenhuma coisa poderia se mover, argumentava o filósofo.
      Segundo sua doutrina, todas as coisas que formam a realidade são constituídas por partículas invisíveis (porque muito minúsculas) e indivisíveis. Denominou-as, por isso, átomos, palavra de origem grega que significa "não divisível" (a, negação; tomo, "parte, divisão"). O átomo democrítico seria equivalente ao ser parmenídico: uno, pleno e eterno.
      No entanto, além dos átomos, Demócrito concebeu a noção de que toda a realidade é composta também do vazio, que representaria a ausência de ser (o não ser). Devido ao vazio, torna-se possível o movimento do ser — que é o movimento dos átomos, segundo a teoria atomista.
      Os átomos seriam homogêneos entre si, isto é, teriam o mesmo ser, a mesma natureza fundamental. No entanto, seriam infinitos em número por sua figura ou configuração. Nesse sentido, seriam heterogêneos e nunca se converteriam uns nos outros, razão pela qual o atomismo é considerado uma doutrina pluralista por grande parte dos autores.
      Há também um dualismo em sua concepção, pelo fato de afirmar que toda a realidade é composta de átomos e vazio. Mas sabemos que o vazio era entendido por Demócrito como não ser, de tal maneira que não era uma substância, não constituindo, portanto, uma arché em seu sentido pleno.
      Demócrito também entendeu que os átomos estão em constante movimento espiralado (de vórtices), chocando-se uns com os outros, ao acaso. Nesses entrechoques, podem atrair-se e aglomerar-se ou repelir-se e separar-se. Quando os átomos se aglomeram (sempre com certo vazio entre eles para que realizem sua movimentação eterna), formam-se os distintos corpos, com suas qualidades específicas, que nossos sentidos percebem.
      As distintas e infinitas composições dos átomos eram explicadas por Demócrito de acordo com três fatores básicos:
figura — a forma geométrica de cada átomo que compõe o corpo, bem como sua grandeza e seu peso. Assim, átomo de figura A ≠ átomo de figura B. O fogo, por exemplo, seria um aglomerado de átomos de mesma figura, todos redondos, pequenos e leves, de acordo com Demócrito;
ordem — a sequência espacial dos átomos de mesma figura que compõem um corpo. Assim, AB ≠ BA;
posição — a situação de cada átomo em relação às coordenadas espaciais.
      Os pensamentos e a alma eram explicados de maneira semelhante, pela aglomeração de átomos mais leves e sutis. E o nascimento e a morte não existiriam, no sentido de uma geração ou corrupção da matéria (isto é, transformações qualitativas); seriam apenas o resultado da união ou separação de átomos, e estes se manteriam sempre os mesmos, eternos. Daí a afirmação de Demócrito de que "nada nasce do nada, nada retorna ao nada". Tudo tem uma causa. E os átomos seriam a causa última do mundo.
      Por essa razão, o atomismo passou à história como uma teoria mecanicista, pois explica tudo a partir dos átomos (matéria) e seus movimentos. No mecanicismo, a sucessão dos acontecimentos é necessária — no sentido de que segue uma lei natural que a determina —, mas ocorre ao acaso — no sentido de que não tem um projeto ou finalidade (não que não tenha uma causa). É como o mecanismo de uma máquina, que não define nada, apenas funciona de acordo com as leis físicas. Assim devia pensar Demócrito quando disse que tudo o que existe no universo nasce do acaso ou da necessidade.


Observação: Com exceção das escolas eleática e pitagórica de pensamento (que propuseram uma arché mais abstrata), as concepções dos pré-socráticos costuram ser consideradas fisicalistas ou materialistas, seja porque seu enfoque deu-se principalmente sobre a physis, seja porque tenderam a identificar entidades físicas como princípios explicativos de toda a realidade. Isso não quer dizer que esses filósofos negassem a existência da alma ou dos deuses. O enfrentamento entre matéria e espírito ou corpo e mente não havia surgido ainda na história das ideias. Para eles, tanto a alma como os deuses participavam dos mesmos princípios, da mesma arché que concebiam para tudo, como fica claro no atomismo. Essa noção começaria a mudar com o dualismo platônico.
Compartilhar:
← Anterior Proxima → Inicio

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagens mais lidas

O QUE É CIÊNCIA - Do método científico às leis científicas

      Comecemos nossa investigação sobre a ciência buscando o significado básico dessa palavra. O termo ciência vem do latim scientia , que...