Apresentarei, a seguir, um texto sobre os pré-socráticos e depois pequenos textos que ilustram a importância desses pensadores. Leia-os e responda às questões que seguem.
"A ciência se inicia com problemas
Um problema significa que há algo errado ou não resolvido com os fatos.
O seu objetivo é descobrir uma ordem invisível que transforme os fatos de enigma em conhecimento. [...]
Aqui somos forçados a viajar séculos para trás, para os tempos em que nossos pais, os gregos, começaram a pensar sobre o mundo e a se fazerem perguntas com que os cientistas lutam até hoje. Porque as perguntas que eles fizeram não admitiam uma resposta única e final. Eram como portas que, uma vez abertas, vão dar numa outra porta, muito maior, é verdade, que por sua vez dá em outra, indefinidamente. E aqui estamos nós abrindo portas com as perguntas que geraram as nossas chaves. Vamos seguir o seu pensamento.
Você já notou que a nossa experiência cotidiana, o que vemos, ouvimos, sentimos, é um fluxo permanente de impressões que não se repete nunca? 'Tudo flui, nada permanece. Não se pode entrar duas vezes num mesmo rio', dizia Heráclito de Éfeso.
A respeito disso — e aqui está algo que é muito curioso — nós somos capazes de falar sobre as coisas, de ser entendidos, de ter conhecimento.
Nunca mais haverá nuvens idênticas àquelas que produziram o temporal de ontem. A despeito disto serei capaz de identificar nuvens como nunca existiram antes e dizer que delas a chuva virá. Também nunca mais terei uma laranjeira como aquela que morreu de velhice. Mas serei capaz de identificar uma outra da mesma qualidade e de prever quanto tempo levará para começar a dar os seus frutos.
Como explicar que o meu discurso sobre as coisas não fique colado às suas aparências? Parece que, ao falar, eu sou capaz de enunciar verdades escondidas, ausentes do visível, expressivas de uma natureza profunda das coisas. Tanto assim que, quando falo, pretendo que estou dizendo a verdade não apenas sobre aquele momento transitório, mas também sobre o passado e o futuro. Laranjas são doces, a água mata a sede, as estrelas giram em torno da Terra, o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos: estas não são afirmações sobre o sensório imediato. Elas têm pretensões universais.
Esta foi a grande obsessão da filosofia grega: estabelecer um discurso que falasse sobre a natureza íntima das coisas, que permanece a mesma em meio à multiplicidade de suas manifestações. [...]
A leitura da filosofia grega nos introduz, passo a passo, às diferentes fases desta busca, a partir dos filósofos milesianos que achavam que as coisas mantinham sua unidade em meio à multiplicidade porque, lá no fundo, todas se reduziam a um mesmo suco, uma mesma essência. Progressivamente houve uma passagem desta posição, que explica a unidade em termos de substância, para uma outra que considera que a questão fundamental são as relações e funções."
"A ciência se inicia com problemas
Um problema significa que há algo errado ou não resolvido com os fatos.
O seu objetivo é descobrir uma ordem invisível que transforme os fatos de enigma em conhecimento. [...]
Aqui somos forçados a viajar séculos para trás, para os tempos em que nossos pais, os gregos, começaram a pensar sobre o mundo e a se fazerem perguntas com que os cientistas lutam até hoje. Porque as perguntas que eles fizeram não admitiam uma resposta única e final. Eram como portas que, uma vez abertas, vão dar numa outra porta, muito maior, é verdade, que por sua vez dá em outra, indefinidamente. E aqui estamos nós abrindo portas com as perguntas que geraram as nossas chaves. Vamos seguir o seu pensamento.
Você já notou que a nossa experiência cotidiana, o que vemos, ouvimos, sentimos, é um fluxo permanente de impressões que não se repete nunca? 'Tudo flui, nada permanece. Não se pode entrar duas vezes num mesmo rio', dizia Heráclito de Éfeso.
A respeito disso — e aqui está algo que é muito curioso — nós somos capazes de falar sobre as coisas, de ser entendidos, de ter conhecimento.
Nunca mais haverá nuvens idênticas àquelas que produziram o temporal de ontem. A despeito disto serei capaz de identificar nuvens como nunca existiram antes e dizer que delas a chuva virá. Também nunca mais terei uma laranjeira como aquela que morreu de velhice. Mas serei capaz de identificar uma outra da mesma qualidade e de prever quanto tempo levará para começar a dar os seus frutos.
Como explicar que o meu discurso sobre as coisas não fique colado às suas aparências? Parece que, ao falar, eu sou capaz de enunciar verdades escondidas, ausentes do visível, expressivas de uma natureza profunda das coisas. Tanto assim que, quando falo, pretendo que estou dizendo a verdade não apenas sobre aquele momento transitório, mas também sobre o passado e o futuro. Laranjas são doces, a água mata a sede, as estrelas giram em torno da Terra, o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos: estas não são afirmações sobre o sensório imediato. Elas têm pretensões universais.
Esta foi a grande obsessão da filosofia grega: estabelecer um discurso que falasse sobre a natureza íntima das coisas, que permanece a mesma em meio à multiplicidade de suas manifestações. [...]
A leitura da filosofia grega nos introduz, passo a passo, às diferentes fases desta busca, a partir dos filósofos milesianos que achavam que as coisas mantinham sua unidade em meio à multiplicidade porque, lá no fundo, todas se reduziam a um mesmo suco, uma mesma essência. Progressivamente houve uma passagem desta posição, que explica a unidade em termos de substância, para uma outra que considera que a questão fundamental são as relações e funções."
Alves, A filosofia da ciência, p. 40-41.
Sobre Tales
"A filosofia grega parece começar com uma ideia absurda, com a proposição: a água é a origem e a matriz de todas as coisas. Será mesmo necessário determo-nos nela e levá-la a sério? Sim, e por três razões: em primeiro lugar, porque essa proposição enuncia algo sobre a origem das coisas; em segundo lugar, porque o faz sem imagem e fabulação; e, enfim, em terceiro lugar, porque nela, embora apenas em estado de crisálida (estado latente, prestes a se transformar), está contido o pensamento: 'Tudo é Um'. A razão citada em primeiro lugar deixa Tales ainda em comunidade com os religiosos e supersticiosos, a segunda o tira dessa sociedade e no-lo mostra como investigador da natureza, mas, em virtude da terceira, Tales se torna o primeiro filósofo grego."
Nietzsche, A filosofia na época trágica dos gregos, em Souza, Pré-socráticos, p. 10.
Sobre Heráclito
"Heráclito diz em alguma passagem que todas as coisas se movem e nada permanece imóvel. E, ao comparar os seres com a corrente de um rio, afirma que não poderia entrar duas vezes num mesmo rio. Heráclito retira do universo a tranquilidade e a estabilidade, pois isso é próprio dos mortos; e atribui movimento a todos os seres, eterno aos eternos, perecível aos perecíveis."
Platão, Crátilo, em Souza, Pré-socráticos, p. 77.
Sobre Parmênides
"O ser É; o não ser Não é. [...] Este princípio, descoberto por Parmênides, é o princípio lógico da identidade.
Parmênides tem uma importância histórica imensa para a filosofia ocidental. Mas desde Parmênides, e por sua culpa, temos do ser uma concepção estática em lugar de uma concepção dinâmica.
A própria ciência física sente-se apertada dentro do conceito parmenídico da realidade. Mas o que não entra de maneira alguma dentro de tal conceito do ser é a ciência do homem. A concepção do homem como uma essência quieta, imóvel, eterna, e que se trata de descobrir e conhecer [...] tem que ser substituída por outra concepção de vida na qual o estático, o quieto, o imóvel, o eterno da definição parmenídica não nos impeça de penetrar por baixo e chegar a uma região vital, a uma região vivente, onde o ser [...] seja precisamente o contrário: um ser ocasional, um ser circunstancial, um ser que não se deixe espetar numa cartolina como a borboleta naturalista.
Parmênides tomou o ser, espetou-o na cartolina há vinte e cinco séculos e lá continua ainda, preso na cartolina, e agora os filósofos atuais não veem o modo de tirar-lhe o alfinete e deixá-lo voar livremente.
Este voo, este movimento, esta funcionalidade, esta concepção de vida como circunstância, como chance, como resistência que nos revele a existência de algo anterior à posse do ser, algo do qual Parmênides não podia ter ideia, é isto que o homem tem que conquistar. Mas antes de reconquistá-lo reconheçamos que um filósofo que influenciou durante vinte e cinco séculos de maneira tão decidida o curso do pensamento filosófico merece algo mais que as poucas páginas que lhe costumam dedicar os manuais de filosofia.
García Morente, Fundamentos de filosofia, p. 70-77.
1. O educador brasileiros Rubem Alves (1933-2014) estabelece uma relação entre o início da filosofia e o início da ciência. Que relação é essa?
2. Como esse autor sintetiza a evolução da filosofia grega em seus primórdios?
3. Interprete as razões apontadas pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) para levarmos a sério a proposição de Tales de que "a água é a origem e a matriz de todas as coisas".
4. Justifique com trechos do texto de Platão a seguinte afirmação: "Heráclito proclama o permanente fluir da realidade. O ser é sempre dinâmico".
5. Interprete o significado da frase de Platão: "Heráclito retira do universo a tranquilidade e a estabilidade".
6. Interprete a afirmação do filósofo espanhol Manuel García Morente (1886-1942): "A própria ciência física sente-se apertada dentro do conceito parmenídico da realidade". Por que "apertada"? Como a física tem compreendido a realidade física através do tempo?
7. Segundo García Morente, a ciência do ser humano não se encaixa de maneira nenhuma no conceito parmenídico da realidade. Por quê? O que ele propõe?
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