Pensar a vida e viver o pensamento, de forma profunda e radical. Isso é filosofar.

POSSIBILIDADES - O que podemos conhecer?

      Vejamos aqui uma das mais importantes questões da gnosiologia: somos capazes de conhecer a verdade? É possível ao sujeito apreender o objeto? Afinal, quais são as possibilidades do conhecimento humano?
      As respostas dadas a essas questões levaram ao surgimento de duas correntes básicas e antagônicas na história da filosofia. Uma é o ceticismo, que diagnostica a impossibilidade de conhecermos a verdade. A outra é o dogmatismo, que defende a possibilidade de conhecermos a verdade.
      Mas o que queremos dizer por verdade? Que verdade é essa da qual tratam tantos pensadores? A palavra verdade tem o sentido básico de uma correspondência entre o que se pensa ou se diz e a realidade que se quer conhecer ou expressar. É o mesmo que conhecimento verdadeiro.
      No entanto, quando os diversos filósofos que tratam da temática do conhecimento falam em "conhecer a verdade" estão se referindo não só a esse sentido básico, mas também — e principalmente — á ideia de conhecer como o objeto é em sua essência, ou seja, sua realidade intrínseca. Trata-se de conhecer o ser, a realidade essencial e metafísica das coisas.
      Se, por exemplo, um pássaro parece azul para algumas pessoas e verde-azulado para outras, qual será a cor verdadeira desse pássaro? Será possível conhecer a verdade?
      Vejamos, então, algumas das respostas dadas a essa pergunta. Destacaremos, além das correntes do ceticismo e do dogmatismo, uma terceira posição, o criticismo, que tenta superar o impasse criado por essas posições antagônicas.

O violinista verde (1923-1924) — Marc Chagall. A relatividade da experiência sensorial: como explicam diversos estudiosos, a percepção das cores não é apenas um fenômeno físico e neurológico, mas também cultural.


Dogmatismo
    Uma doutrina é dogmática quando, como dissemos, defende a possibilidade de atingirmos a verdade. Essa interpretação pode seguir duas variantes:
• dogmatismo ingênuo — tendência predominante no senso comum, confia plenamente nas possibilidades do nosso conhecimento. Não vê problema na relação sujeito conhecedor e objeto conhecido. Crê que, sem grandes dificuldades, percebemos o mundo tal qual ele é;
• dogmatismo crítico — tendência que defende nossa capacidade de conhecer a verdade mediante um esforço conjugado de nossos sentidos e de nossa inteligência. Assim, confia que, por meio de um trabalho metódico, racional e científico, o ser humano torna-se capaz de conhecer a realidade do mundo.


Ceticismo
    Uma doutrina é cética quando duvida ou nega a possibilidade de conhecermos a verdade. Essa interpretação também pode seguir duas vertentes básicas, uma absoluta e outra relativa. Vejamos cada uma.


Ceticismo absoluto
    Muitos consideram o filósofo grego Górgias (c. 485-380 a.C.) o pai do ceticismo absoluto. Ele defendia as seguintes ideias: o ser não existe; se existisse, não poderíamos conhecê-lo; e se pudéssemos conhecê-lo, não poderíamos comunicá-lo aos outros. Outros estudiosos apontam o filósofo grego Pirro (365-275 a.C.) como o fundador do ceticismo absoluto. Por isso, chama-se muitas vezes o ceticismo de pirronismo.
      Pirro afirmava ser impossível ao ser humano conhecer a verdade devido a duas fontes principais de erro:
• os sentidos — dizia o filósofo que nossos conhecimentos são provenientes dos sentidos (visão, audição, olfato, tato, paladar), mas estes não são dignos de confiança, pois podem nos induzir ao erro;
• a razão — explicava Pirro que as diferenças e contraditórias opiniões manifestadas pelas pessoas sobre os mesmos assuntos revelam os limites de nossa inteligência. Jamais alcançaremos certeza de qualquer coisa.
      O ceticismo absoluto despertou muita oposição. Seus críticos consideram-no uma doutrina radical, estéril e contraditória. Radical porque nega totalmente a possibilidade de conhecer. Estéril porque não leva a nada. Contraditória porque, ao dizer que nada é verdadeiro, acaba afirmando que pelo menos existe algo de verdadeiro, isto é, o conhecimento de que nada é verdadeiro.


Ceticismo relativo
    O ceticismo relativo, como o próprio nome diz, consiste em negar apenas parcialmente nossa capacidade de conhecer a verdade. Ou seja, apresenta uma posição moderada em relação às possibilidades de conhecimento se comparado ao ceticismo absoluto.
      Entre as doutrinas que manifestam um ceticismo relativo, destacamos as seguintes:
• subjetivismo — considera o conhecimento uma relação puramente subjetiva e pessoal entre o sujeito e a realidade percebida. O conhecimento limita-se às ideias e representações elaboradas pelo sujeito pensante, sendo impossível alcançar a objetividade. O subjetivismo nasce com o pensamento do grego Protágoras, sofista do século V a C., que dizia que "o homem é a medida de todas as coisas", ou seja, a verdade é uma construção humana, ela não está nas coisas;
• relativismo — entende que não existem verdades absolutas, mas apenas verdades relativas, que têm uma validade limitada a um certo tempo, a um determinado espaço social, enfim, a um contexto histórico etc.;
• probabilismo — propõe que nosso conhecimento é incapaz de atingir a certeza plena; o que podemos alcançar é uma verdade provável. Essa probabilidade pode ser digna de maior ou menor credibilidade, mas nunca chegará ao nível da certeza completa, da verdade absoluta;
• pragmatismo — apresenta uma concepção dos humanos como seres práticos, ativos, e não apenas como seres pensantes. Por isso, abandonam a pretensão de alcançar a verdade, entendida como a correspondência entre o pensamento e a realidade. Para o pragmatismo, o conceito de verdade deve ser outro: verdadeiro é aquilo que é útil, que dá certo, que serve aos interesses das pessoas em sua vida prática. Nesse sentido, a verdade não seria a correspondência do pensamento com o objeto, mas a correspondência do pensamento com o objetivo a ser atingido.

Isto não é uma maçã (1964) — René Magritte (Coleção particular). Para os relativistas, a imagem da coisa não retrata a coisa em si.


Criticismo
    O criticismo — teoria filosófica desenvolvida por Kant — representa uma tentativa de superação do impasse criado entre o ceticismo e o dogmatismo, assim como foi entre o empirismo e o racionalismo. Tal como o dogmatismo, acredita na possibilidade do conhecimento, mas se indaga sobre as reais condições nas quais esse conhecimento seria possível. Trata-se de uma posição crítica diante da possibilidade de conhecer.
      O resultado dessa postura leva a uma distinção entre o que o nosso entendimento pode conhecer e o que não pode. Ou seja, o criticismo admite a possibilidade de conhecer, mas esse conhecimento é limitado e ocorre sob condições específicas, apresentadas por Kant na obra Crítica da razão pura.
      Depois de Kant, muitos outros pensadores se debruçaram sobre o problema do conhecimento, chegando a posições diversas. Como você pode perceber, a questão do conhecimento é mais um assunto que escapa a uma palavra final e definitiva.
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