A certeza de pensar
"Assim, porque os nossos sentidos nos enganam às vezes, quis supor que não havia coisa alguma que fosse tal como eles nos fazem imaginar. [...] E, enfim, considerando que todos os mesmos pensamentos que temos quando despertos nos podem também ocorrer quando dormimos, sem que haja nenhum, nesse caso, que seja verdadeiro, resolvi fazer de conta que as coisas que até então haviam entrado no meu espírito não eram mais verdadeiras que as ilusões de meus sonhos. Mas, logo em seguida, percebi que, enquanto eu queria assim pensar que tudo era falso, seria necessário que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, notando que esta verdade: eu penso, logo existo era tão firme e tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de a abalar, julguei que podia aceitá-la, sem escrúpulo, como o primeiro princípio da filosofia que procurava.
A substância pensante
Depois, examinando com atenção o que eu era, e vendo que podia supor que não tinha corpo algum e que não havia qualquer mundo, ou qualquer lugar onde eu existisse, mas que nem por isso podia supor que não existia; e que, ao contrário, pelo fato mesmo de eu pensar em duvidar da verdade das outras coisas seguia-se mui evidente e mui certamente que eu existia; [...] compreendi por aí que era uma substância cuja essência ou natureza consiste apenas no pensar, e que, para ser, não necessita de nenhum lugar, nem depende de qualquer coisa material. De sorte que esse eu, isto é, a alma, pela qual sou o que sou, é inteiramente distinta do corpo e, mesmo, que é mais fácil de conhecer do que ele, e, ainda que este nada fosse, ela não deixaria de ser tudo o que é.
A ideia de Deus
Mas o que leva muitos a se persuadirem de que há dificuldade em conhecer a Deus e mesmo também em conhecer o que é sua alma é o fato de nunca elevarem o espírito além das coisas sensíveis e de estarem de tal modo acostumados a nada considerar senão imaginando, que é uma forma de pensar particular às coisas materiais, que tudo quanto não é imaginável lhes parece não ser inteligível. E isto é assaz manifesto pelo fato de os próprios filósofos terem por máxima, nas escolas, que nada há no entendimento que não haja estado primeiramente nos sentidos, onde todavia é certo que as ideias de Deus e da alma jamais estiveram. E me parece que todos os que querem usar a imaginação para compreendê-las procedem do mesmo modo que se, para ouvir os sons ou sentir os odores, quisessem servir-se dos olhos; exceto com esta diferença ainda: que o sentido da vista não nos garante menos a verdade de seus objetos do que os do olfato ou da audição; ao passo que a nossa imaginação ou os nossos sentidos nunca poderiam assegurar-nos de qualquer coisa, se o nosso entendimento não interviesse."
"Assim, porque os nossos sentidos nos enganam às vezes, quis supor que não havia coisa alguma que fosse tal como eles nos fazem imaginar. [...] E, enfim, considerando que todos os mesmos pensamentos que temos quando despertos nos podem também ocorrer quando dormimos, sem que haja nenhum, nesse caso, que seja verdadeiro, resolvi fazer de conta que as coisas que até então haviam entrado no meu espírito não eram mais verdadeiras que as ilusões de meus sonhos. Mas, logo em seguida, percebi que, enquanto eu queria assim pensar que tudo era falso, seria necessário que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, notando que esta verdade: eu penso, logo existo era tão firme e tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de a abalar, julguei que podia aceitá-la, sem escrúpulo, como o primeiro princípio da filosofia que procurava.
A substância pensante
Depois, examinando com atenção o que eu era, e vendo que podia supor que não tinha corpo algum e que não havia qualquer mundo, ou qualquer lugar onde eu existisse, mas que nem por isso podia supor que não existia; e que, ao contrário, pelo fato mesmo de eu pensar em duvidar da verdade das outras coisas seguia-se mui evidente e mui certamente que eu existia; [...] compreendi por aí que era uma substância cuja essência ou natureza consiste apenas no pensar, e que, para ser, não necessita de nenhum lugar, nem depende de qualquer coisa material. De sorte que esse eu, isto é, a alma, pela qual sou o que sou, é inteiramente distinta do corpo e, mesmo, que é mais fácil de conhecer do que ele, e, ainda que este nada fosse, ela não deixaria de ser tudo o que é.
A ideia de Deus
Mas o que leva muitos a se persuadirem de que há dificuldade em conhecer a Deus e mesmo também em conhecer o que é sua alma é o fato de nunca elevarem o espírito além das coisas sensíveis e de estarem de tal modo acostumados a nada considerar senão imaginando, que é uma forma de pensar particular às coisas materiais, que tudo quanto não é imaginável lhes parece não ser inteligível. E isto é assaz manifesto pelo fato de os próprios filósofos terem por máxima, nas escolas, que nada há no entendimento que não haja estado primeiramente nos sentidos, onde todavia é certo que as ideias de Deus e da alma jamais estiveram. E me parece que todos os que querem usar a imaginação para compreendê-las procedem do mesmo modo que se, para ouvir os sons ou sentir os odores, quisessem servir-se dos olhos; exceto com esta diferença ainda: que o sentido da vista não nos garante menos a verdade de seus objetos do que os do olfato ou da audição; ao passo que a nossa imaginação ou os nossos sentidos nunca poderiam assegurar-nos de qualquer coisa, se o nosso entendimento não interviesse."
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