Pensar a vida e viver o pensamento, de forma profunda e radical. Isso é filosofar.

TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS - Como se concebe o mundo hoje em dia

      A metafísica como área de investigação da realidade não tem, atualmente, o mesmo prestígio do passado. No entanto, o problema do mundo e de como são realmente as coisas ressurge continuamente em diversas áreas de atuação humana, mesmo quando não é abordado diretamente. Ou seja, reaparece como pressuposto, conformando implicitamente uma tese ontológica.


Reducionismo materialista
    É o que ocorre, por exemplo, no campo científico, onde o racionalismo materialista encontrou solo fértil e se impôs de maneira crescentemente hegemônica, desde o início da época moderna. Isso pode parecer "normal" quando se trata das ciências da natureza — como a física, a química e a biologia —, que lidam de modo direto com a matéria e os fenômenos naturais. Mas o que dizer das ciências do ser humano, como a psicologia e a sociologia? É possível relacionar pensamentos, emoções e condutas sociais com elementos ou substâncias corporais?
      Cada vez mais áreas como a genética e as neurociências, entre outras, têm tentado mostrar que sim, que é possível e alcançado com certo êxito. Hormônios como a adrenalina ou neurotransmissores como a serotonina, sem falar nos genes, já se tornaram lugares-comuns no linguajar popular para explicar estados psicológicos ou comportamentos diversos nos seres humanos.
      Essa tendência a relacionar o corporal ou material com o psíquico, o inanimado com o animado, é uma consequência lógica da ontologia materialista, que considera a natureza como realidade única e, consequentemente, o ser humano como um ser natural que não necessita de nada além de sua natureza física para ser explicado.

"[Isso] tornou o materialismo, ao longo de toda a sua história, solidário do racionalismo, do espírito científico, das Luzes, em suma, de tudo o que combatia as superstições: "sobrenatural", para um materialista, é uma palavra vazia de sentido ou, antes, sem objeto. Mas também é o que o leva, quase inevitavelmente, ao reducionismo. Se chamarmos de física o conhecimento da natureza ou da matéria, o materialismo é um fisicalismo ontológico: não há nada que não seja matéria ou produto da matéria, não existe nada que não seja, de direito, conhecível pela física ou redutível, em última instância, a processos que o sejam. No limite, não pode haver metafísica materialista independente: a metafísica do materialismo seria antes a própria física [...]. "Comte-Sponville em Comte-Sponville e Ferry, Sabedoria dos modernos, p. 31).

      Como esse texto salienta, o materialismo tende ao reducionismo, isto é, à maneira de pensar segundo à qual o todo (por exemplo, uma máquina ou um animal) pode ser explicado pelas partes nas quais ele se reduz (por exemplo, as peças que compõem a máquina ou os órgãos que formam o animal). Há aí o entendimento de que "a soma das partes equivale ao todo". Se conhecemos as partes, conhecemos o todo.
      De acordo com o enfoque reducionista, cada parte poderia ser convertida sucessivamente em níveis de organização inferiores, até chegar ao nível das substâncias materiais ou unidades físicas mais elementares. Em outras palavras, a biologia poderia ser reduzida à química e, depois, à física, já que a vida não passaria de uma reunião de substâncias químicas, e estas, de uma combinação de átomos.

Visualização da estrutura do próton. Na perspectiva do reducionismo materialista, as partes mais elementares da matéria explicariam a totalidade do existente.

      Isso quer dizer que a física seria a ciência básica: aquela que fundamentaria todo o conhecimento sobre o mundo, já que lidaria com as "verdadeiras" unidades ontológicas do real.



Papel do observador
    Com os novos paradigmas da época atual — que costuma ser denominada pós-modernidade —, o mundo tende a ser concebido de uma maneira menos linear, ordenada ou determinista, havendo mais espaço para o acaso e o caos. A matéria "sutilizou-se" progressivamente (de corpos a átomos, a partículas, a ondas, a energia) e conceitos que antes pareciam abstratos, como o de informação, estão se tornando fundamentais para explicar certos fenômenos físicos.
      Para culminar, o observador — o sujeito da experiência e do conhecimento — ganhou papel determinante na experiência do real. É o que diz a teoria da relatividade e o que a física quântica leva a pensar, segundo propõem alguns cientistas e pensadores. Desse modo, a consciência tende a recuperar seu lugar no mundo. Na interpretação do físico indiano contemporâneo Amit Goswami:

"Esta mudança da ciência, de uma visão materialista para uma visão espiritualista, foi quase totalmente devida ao advento da Física Quântica. [...] os físicos sempre acreditaram que a causalidade subia a partir da base: partículas elementares, átomos, para moléculas, para células, para cérebro. E o cérebro é tudo. O cérebro nos dá consciência, inteligência, todas essas coisas. Mas descobrimos, na Física Quântica, que a consciência é necessária, o observador é necessário. É o observador que converte as ondas de possibilidades, os objetos quânticos, em eventos e objetos reais. Essa ideia de que a consciência é um produto do cérebro nos cria paradoxos. Em vez disso, cresceu a ideia de que é a consciência que também é causal. Assim, cresceu a ideia da causalidade descendente. [...] Então, se houver causalidade descendente, se pudermos identificar essa causalidade descendente como algo que está acima da visão materialista do mundo, então Deus tem um ponto de entrada. Agora sabemos como Deus, se quiser, a consciência, interage com o mundo: através da escolha das possibilidades quânticas." (Entrevista concedida ao programa Roda Viva da TV Cultura de São Paulo em 2001).

      Há cientistas que discordam dessa tese, o que quer dizer que ressurge — e com muita força — o velho debate entre materialismo e idealismo, que parece não ter fim. Você quer participar dele?

A galeria de quadros (1956) — M. C. Escher. Qual seria a relação entre o observador e a realidade? O observador também cria realidades?


Sugestões de filmes

• Quem somos nós? (2004, EUA, direção de William Arntz, Betsy Chasse, Mark Vicente)
      Mistura de documentário e ficção sobre como uma fotógrafa surda lida com sua condição, abordando de maneira não ortodoxa diversos conceitos da física quântica, neurobiologia, psicologia, espiritualidade etc.

• Ponto de mutação (1990, Alemanha, direção de Bernt Capra)
      Filme baseado em ideias de livro homônimo de Fritjof Capra. Um cientista, um político e um poeta encontram-se em um castelo medieval na França e discutem acerca de questões científicas e existenciais, numa reflexão profunda e sensível sobre os rumos da ciência e da humanidade.

• Avatar (2009, EUA, direção de James Cameron)
      Ficção científica ambientada em um planeta habitado por uma espécie humanoide que possui uma cultura de estreita relação com a natureza. Nesse cenário de rica e estranha biodiversidade, um grupo de cientistas terrestres desenvolve o projeto Avatar, que visa solucionar a crise energética na Terra. Obra que suscita uma reflexão, tanto ética como metafísica, sobre o ser humano e a natureza.

Quando concebemos como o mundo é, estamos colocando nessa concepção algo de nós mesmos: nossa racionalidade. É o que analisa o texto acima, de autoria do filósofo alemão Max Horkheimer (1895-1973), que propõe duas compreensões distintas de razão: uma que predominou nos grandes sistemas de compreensão do real no passado e outra que predomina na abordagem contemporânea.

      Por que, de acordo com Horkheimer, Platão entendia que "aquele que vive à luz da razão objetiva vive também uma vida feliz e bem-sucedida"?
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