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O mundo como vontade: A vontade de reproduzir-se
Todo organismo normal, ao atingir a maturidade, apressa-se a se sacrificar à tarefa de reprodução: desde o macho da aranha que é devorado pela fêmea que ele acaba de fertilizar, ou da abelha que se dedica a coletar alimento para uma prole que jamais irá ver, ao homem que se arruína no esforço de se alimentar, vestir e educar os filhos. A reprodução é o propósito máximo de todo organismo, e o seu mais forte instinto; porque só assim a vontade pode vencer a morte. E, para garantir essa conquista da morte, a vontade de reproduzir-se é colocada quase que inteiramente fora do controle do conhecimento ou da reflexão: até mesmo um filósofo, de vez em quanto, tem filhos.
A vontade se mostra, aqui, independente do conhecimento e funciona cegamente, como numa natureza inconsciente. (...) Devido a isso, os órgãos reprodutores são, adequadamente, o foco da vontade e formam o polo oposto ao cérebro, que é o representante do conhecimento. (...) Eles são o princípio que sustenta a vida ― garantem a vida eterna; por essa razão, eram adorados pelos gregos no phallus, e pelos hindus no lingam. (...) Hesíodo e Parmênides diziam, de forma muito sugestiva, que Eros é o primeiro, o criador, o princípio do qual se originam todas as coisas. A relação dos sexos (...) é, na realidade, o invisível ponto central de todos os atos e condutas, e está se deixando entrever em toda parte, apesar de todos os véus lançados sobre ela. É a causa das guerras e o fim da paz; a base do que é sério e o alvo da pilhéria; a inexaurível fonte de espírito, a chave de todas as ilusões, e o significado de todas as insinuações misteriosas (Uma fonte da teoria de Freud do "espírito e o inconsciente".). [...] Nós a vemos, a todo instante, sentar-se, como a verdadeira e hereditária senhora do mundo, pela plenitude de sua própria força, no trono ancestral; e de lá, com um olhar de desdém, rir dos preparativos para confiná-la, aprisioná-la ou, pelo menos, limitá-la e, sempre que possível, mantê-la escondida, e mesmo assim dominá-la a fim de que ela só apareça como uma preocupação subordinada, secundária da vida (Schopenhauer, como todos os que sofreram de problemas com o sexo, exagera o papel deste; é provável que a relação com os pais tenha mais influência do que a sexual na mente dos adultos normais).
A "metafísica do amor" gira em torno dessa subordinação do pai à mãe, dos pais ao filho, do indivíduo à espécie. E, primeiro, a lei da atração sexual manda que a escolha do parceiro seja em grande parte determinada, embora de forma inconsciente, pela capacidade mútua de procriar.
Cada qual procura um companheiro que vá neutralizar seus defeitos, para que não sejam transmitidos; (...) um homem fisicamente fraco vai procurar uma mulher forte. (...) Cada qual irá considerar bonitas em outro indivíduo as perfeições que lhe faltaram; mais ainda até as imperfeições que forem opostas às suas (Uma fonte de Weininger). [...] As qualidades físicas de dois indivíduos podem ser tais, que, para o fim de restaurar tanto quanto possível o tipo da espécie, um deles será especial e perfeitamente o complemento e suplemento do outro, que, portanto, irá desejá-lo com exclusividade. (...) A profunda consciência com que consideramos e avaliamos cada parte do corpo (...), a escrupulosidade crítica com que olhamos para uma mulher que começa a nos agradar (...) o indivíduo age, aqui, sem o saber, por ordem de algo superior a ele mesmo. (...) Todo indivíduo perde a atração pelo sexo oposto na proporção em que ele ou ela se afasta do período mais indicado para gerar ou conceber: (...) juventude sem beleza ainda exerce sempre uma atração; beleza sem juventude, nenhuma. (...) Em todos os casos em que o indivíduo se apaixona (...), a única coisa visada é a produção de um indivíduo de natureza definida, o que pode ser confirmado primordialmente pelo fato de que a questão essencial não é a reciprocidade do amor, mas a posse.
Apesar disso, nenhuma união é tão infeliz quanto esses casamentos por amor ― e precisamente pelo fato de que o seu objetivo é a perpetuação da espécie, e não o prazer do indivíduo. "Aquele que se casar por amor deverá ter uma vida triste", diz um provérbio espanhol. Metade da literatura que aborda o problema do casamento fica invalidada por considerá-lo como um acasalamento, em vez de um arranjo para a preservação da raça. A natureza não parece estar preocupada se os pais serão "felizes para sempre" ou apenas um dia desde que a reprodução seja realizada. Os casamentos da conveniência, arranjados pelos pais dos parceiros, são muitas vezes mais felizes do que os casamentos por amor. No entanto, a mulher que se casa por amor, contra o conselho dos pais, deve ser, até certo ponto, admirada; porque "escolheu o que é de máxima importância e agiu segundo o espírito da natureza (mais exatamente, da espécie), enquanto os pais davam conselhos segundo o espírito do egoísmo individual". O amor é a melhor eugenia.
Já que o amor é uma burla praticada pela natureza, o casamento é o atrito do amor e deve ser decepcionante. Só um filósofo pode ser feliz no casamento, e os filósofos não se casam.
Por ser a paixão dependente de uma ilusão que representa aquilo que só é valioso para a espécie se o for igualmente para o indivíduo, a decepção deveria desaparecer depois de atingido o fim visado pela espécie. O indivíduo descobre que bancou o bobo diante da espécie. Se a paixão de Petrarca tivesse sido satisfeita, sua canção teria sido silenciada.
A subordinação do indivíduo à espécie como instrumento de sua continuação torna a surgir na aparente dependência da vitalidade individual à condição das células reprodutoras.
O impulso sexual deve ser considerado como a vida interior da árvore (a espécie) sobre a qual a vida do indivíduo cresce, como uma folha que é alimentada pela árvore e ajuda a alimentá-la; é por isso que esse impulso é tão forte e vem das profundezas de nossa natureza. Castrar um indivíduo significa separá-lo da árvore da espécie sobre a qual ele cresce, e, assim cortado, ele é deixado de fenecer; daí a degradação de seus poderes mentais e físicos. Que o serviço da espécie, ou seja, a fecundação é seguida, no caso de todo animal, por uma momentânea exaustão e debilidade de todas as forças e, no caso da maioria dos insetos, de fato, por uma morte rápida ― motivo pela qual Celsus disse: Seminis emissio est partir animae jactura; que, no caso do homem, a extinção da força geradora mostra que o indivíduo se aproxima da morte; que o uso excessivo dessa força em todas as idades encurta a vida, enquanto, por outro lado, a temperança a esse respeito aumenta todas as forças, especialmente as musculares, motivo pelo qual isso fazia parte do treinamento dos atletas gregos; que a mesma moderação aumenta a vida do inseto mesmo até a primavera seguinte; tudo isso indica o fato de que a vida do indivíduo é, no fundo, apenas tomada por empréstimo à vida da espécie. (...) A procriação é o ponto mais elevado; e, depois de atingi-lo, a vida do primeiro indivíduo decai rápida ou lentamente, enquanto uma nova vida garante à natureza a durabilidade da espécie e repete os mesmos fenômenos. (...) Assim, a alternância de morte e reprodução é como a pulsação da espécie. (...) A morte é para a espécie o que o sono é para o indivíduo; (...) esta é a grande doutrina da imortalidade da natureza. (...) Porque o mundo todo, com todos os seus fenômenos, é a objetividade da única vontade indivisível, a Ideia, que está relacionada com todas as outras Ideias, assim como a harmonia está relacionada à voz isolada. (...) Em Conversations with Goethe, de Eckermann (vol. I, p. 161), Goethe diz: "Nosso espírito é um ser de uma natureza realmente indestrutível, e sua atividade continua de eternidade a eternidade. É como o Sol, que parece se pôr apenas aos nossos olhos terrenos, mas que, na realidade, nunca se põe, antes brilhando sem cessar".
Só no espaço e no tempo parecemos seres separados; eles constituem o "princípio de individuação" que divide a vida em organismos distintos que aparecem em diferentes lugares e períodos; o espaço e o tempo são Véu de Maia ― a Ilusão que esconde a unidade das coisas. Na realidade existe apenas a espécie, apenas vida, apenas vontade. "Compreender claramente que o indivíduo é apenas o fenômeno, não a coisa em si mesma", ver na "constante mudança da matéria a permanência fixa da forma" ―, esta é a essência da filosofia. "O lema da história deveria ser> Eadem, sed aliter." ("As mesmas coisas, mas de formas diferentes.") Quanto mais as coisas mudam, mais continuam as mesmas.
Aquele para quem os homens e todas as coisas não tenham parecido, o tempo todo, meros fantasmas ou ilusões, não tem capacidade para a filosofia. (...) A verdadeira filosofia da história está em perceber que, em todas as intermináveis mudanças e heterogênea complexidade de eventos, é apenas o mesmíssimo ser inalterável que está diante de nós, que hoje persegue os mesmos fins que perseguia ontem e perseguirá sempre. O filósofo histórico tem, por isso, de reconhecer o caráter idêntico em todos os eventos (...), e, apesar de toda a variedade de circunstâncias especiais, de trajes, condutas e costumes, ver em toda parte a mesma Humanidade. (...) Ter lido Heródoto é, do ponto de vista filosófico, ter estudado bastante história. (...) O tempo todo e em toda parte o verdadeiro símbolo da natureza é o círculo, porque ele é o plano ou tipo de recorrência.
Gostamos de acreditar que toda a história é uma preparação vacilante e imperfeita para a magnífica era da qual somos o espírito e a cúpula; mas essa ideia de progresso é mera presunção e tolice. "Em geral, os sábios, em todas as eras, sempre disseram as mesmas coisas, e os tolos, que em todas as épocas formam a imensa maioria, também à sua maneira sempre agiram da mesma forma e fizeram o oposto; e assim continuará a ser. Porque, como diz Voltaire, deixaremos o mundo tão tolo e depravado quanto o encontramos." (Introdução a "A Sabedoria da Vida").
À luz de tudo isso, temos uma nova e mais sinistra sensação de inelutável realidade do determinismo. "Spinoza diz que se uma pedra que foi projetada no ar tivesse consciência, iria acreditar que estava se movendo por sua livre vontade. A isto eu acrescento apenas que a pedra teria razão. Para ela, o impulso que lhe é dado representa o mesmo que o motivo para mim; e o que na pedra aparece como coesão, gravitação, rigidez, é, na sua natureza interna, o mesmo que reconheço também em mim, e o que a pedra também, se lhe fosse dado o conhecimento, reconheceria como vontade." Mas nem na pedra nem no filósofo a vontade é "livre". A vontade, como um todo, é livre, por não existir nenhuma outra além dela que possa limitá-la; mas cada parte da Vontade universal ― cada espécie, cada organismo, cada órgão ― é irrevogavelmente determinada pelo todo.
Todo mundo se considera, a priori, perfeitamente livre, mesmo em suas ações individuais, e acha que a todo momento pode começar outra maneira de viver, o que apenas significa que pode se tornar outra pessoa. Mas a posteriori, através da experiência, verifica, para surpresa sua, que não é livre, mas está sujeito à necessidade; que, apesar de todas as suas resoluções e reflexões, não altera a sua conduta e que, do começo ao fim da vida, deverá pôr em prática as características que ele próprio condena e, por assim dizer, representar o papel que assumiu, até o fim.
A História da Filosofia, de Will Durant.
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