Pensar a vida e viver o pensamento, de forma profunda e radical. Isso é filosofar.

A HISTERIA PARISIENSE

      Em 1885, Jean-Martin Charcot reserva aos filósofos Joseph Delboeuf e Hippolyte Taine (1828-1893) uma mesma sessão demonstrativa, durante a qual apresenta duas histéricas da Salpêtrière. A primeira, uma florista de 20 anos, é colocada por ele em estado de letargia, a seguir de rigidez cataléptica, e por fim de sonambulismo, antes de lhe fazer algumas sugestões de queimadura; durante alguns dias, a buliçosa florista carregará nos braços as marcas da queimadura imaginária sugerida pelo Mestre. A segunda histérica, de uns 30 anos, Charcot induz a produzir a alucinação de um belo jardim, de paralisia de uma perna e de dor nas costas.
      No dia seguinte, Delboeuf assiste a uma sessão orquestrada por dois alunos de Charcot, Féré e Binet, dedicada à transferência magnética, mas as tentativas de transferência da paralisia de uma perna a outra não o fazem mudar de opinião: os ímãs não produziram o efeito esperado. A sessão do terceiro dia, dedicada à amnésia pós-hipnótica, num primeiro momento é o triunfo de Féré: despertada depois da ação do sonho, a doente não lembra o que aconteceu. Delboeuf propõe então um novo cenário e, desta vez, acorda-a em plena ação: esta tem o sentimento de sair de um sonho, e recorda seu desenrolar. Uma última experiência com a florista permite aos dois colegas fazerem a histérica desempenhar seu papel no script de um casamento a três. Depois de tê-la adormecido, Féré convence-a de que ela tem dois maridos: um, ele próprio, do lado esquerdo; o outro, Delboeuf, do lado direito. A moça deve a cada um fidelidade escrupulosa; cada qual está autorizado a acariciar sua metade, e ela manifesta um vivo prazer, mas ai daquele que tenta usurpar a metade do outro: será dissuadido com um vigoroso tapa! Perto da linha mediana, a jovem está alerta, e sua mão "pronta a trazer o atrevido à razão".
AUGUSTINE EM ÊXTASE, da Iconographie
de la Salpêtrière por Desiré Magloire
Bourneville (1840-1909) e Paul Regnard
(1850-1927), 1878
      Havia anos Delboeuf desejava experimentar o hipnotismo, mas um vago medo sempre o detivera. Decide-se, finalmente, quando de seu retorno da Selpêtrière e entrega-se a inúmeras experimentações hipnóticas. A estadia parisiense dissipou suas apreensões? Segundo o historiador F. Duyckaerts, Delboeuf teria ele próprio, em uma quarta sessão, hipnotizado a jovem florista, "[...] aquela mesma manipulada por Charcot. Depois dessa apropriação do "objeto" do grande chefe, ele ousará afastar seus temores e lançar-se à prática [...] Bela identificação a um mestre prestigioso que primeiro pareceu-lhe conhecer mais do que dizia, mas que logo desacreditará, duvidando de sua autoridade científica na matéria e chegando mesmo a suspeitar que fosse cúmplice, sem se dar conta, dos fenômenos que ele próprio provocava". Um ano mais tarde, Delboeuf apresenta a seus colegas uma jovem, alta e atraente, inteligente, instruída, original, que lhe pediu para que a ajudasse a acalmar seu nervosismo e sua irritabilidade. Dela, obtém a maioria dos fenômenos que observou na Salpêtrière, demonstrando assim que não é necessário ser uma histérica para conhecer, sob a influência do hipnotizador, os três estados de letargia-catalepsia-sonambulismo, de que se orgulhava Charcot.


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