Pensar a vida e viver o pensamento, de forma profunda e radical. Isso é filosofar.

Arte

      Os dois textos seguintes tratam da significação da arte para o ser humano.
      O primeiro, escrito pelo dramaturgo, poeta e filósofo alemão do século XVIII Friedrich von Schiller, é sobre educação estética. Em suas cartas sobre essa temática, Schiller desenvolve, a partir da filosofia kantiana, uma reflexão sobre a necessidade da educação dos sentidos e da sensibilidade para alcançar o reino da moralidade.
      No segundo texto, o filósofo austríaco Ernst Fischer analisa a função da arte na vida humana e porque sentimos essa eterna e fundamental necessidade da atividade artística. Leia os dois textos, relacione-os e responda às questões que seguem.


1. A necessidade da educação estética
    "Nosso tempo é ilustrado; vale dizer que foram encontrados e tornados públicos os conhecimentos que seriam suficientes, ao menos, para a correção de nossos princípios práticos; o espírito da livre investigação destruiu os conceitos fantasiosos que por muito tempo vedaram o acesso à verdade e minou o solo sobre o qual erguiam seu trono a mentira e o fanatismo; a razão purificou-se das ilusões dos sentidos e dos sofismas enganadores, e a própria filosofia, que a princípio nos rebelara contra a natureza, chama-nos de volta para seu seio com voz firme e urgente — onde a causa de, ainda assim, continuarmos bárbaros?
[...]
      Não é suficiente, pois, dizer que toda ilustração do entendimento só merece respeito quando reflui sobre o caráter; ela parte também, em certo sentido, do caráter, pois o caminho para a cabeça precisa ser aberto pelo coração. A educação do sentimento, portanto, é a necessidade mais urgente de nosso tempo, não somente por ser um meio de tornar ativamente favorável à vida o conhecimento aperfeiçoado, mas por despertar ela mesma o aperfeiçoamento do saber."

Schiller, Sobre a educação estética, p. 55-56.


2. A necessidade da arte
    "Na verdade, o homem sempre quererá ser mais do que é, sempre se revoltará contra as limitações da sua natureza, sempre lutará pela imortalidade. Se alguma vez se desvanecesse o anseio de tudo conhecer e tudo poder, o homem já não seria mais homem. Assim, ele sempre necessitará da ciência, para desvendar todos os possíveis segredos da natureza e dominá-la. E sempre necessitará da arte para se familiarizar com a sua própria vida e com aquela parte do real que a sua imaginação lhe diz ainda não ter sido devassada.
      [...] Sendo mortal e, por conseguinte, imperfeito, o homem sempre se verá como parte de uma realidade infinita que o circunda e sempre se achará em luta contra ela. Volta e meia se defrontará com a contradição constituída pelo fato de ser ele um 'Eu' limitado e, ao mesmo tempo, fazer parte de um todo ilimitado [...]


A busca de plenitude pela arte
    [Por isso,] assim como a linguagem representa em cada indivíduo a acumulação de milênios de experiência coletiva, assim como a ciência equipa cada indivíduo com o conhecimento adquirido pelo conjunto da humanidade, da mesma forma a função permanente da arte é recriar para a experiência de cada indivíduo a plenitude daquilo que ele não é, isto é, a experiência da humanidade em geral. A magia da arte está em que, nesse processo de recriação, ela mostra a realidade como passível de ser transformada, dominada e tornada brinquedo.
      Toda a arte se liga a essa identificação, a essa capacidade infinita do homem para se metamorfosear, de modo que, como Proteu, ele pode assumir qualquer forma e viver mil vidas diferentes sem se destruir pela multiplicidade da sua experiência. Balzac costumava imitar o andar e os gestos das pessoas que caminhavam adiante dele na rua, com a finalidade de absorvê-las a seu próprio ser, ainda que fossem pessoas estranhas. Apaixonava-se tão obsessivamente por seus romances que os personagens destes se lhe tornavam mais reais do que a realidade exterior que o cercava. Aqueles que, entre nós, se limitam a consumir a arte como entretenimento não correm semelhante risco: porém o nosso 'Eu' limitado sofre uma ampliação maravilhosa pela experiência de uma obra de arte. Realiza-se dentro de nós um processo de identificação, de modo que podemos sentir, quase sem esforço, que não somos meras testemunhas da criação, que somos um puco, também, criadores daquelas obras que estendem os nossos horizontes e nos elevam acima da superfície a que estamos pregados. Desse modo, não deixa de haver uma verdade na ideia de que a arte é um substituto da vida.


A evolução da arte junto com a humanidade
    [...] A arte — como meio de identificação do homem com a natureza, com os outros homens e com o mundo, como meio de fazer o homem sentir e conviver com os demais, com tudo o que é e com o que está para ser — está fadada a crescer na mesma medida em que cresce o homem.
      [...] O homem, que se tornou homem pelo trabalho, que superou os limites da animalidade transformando o natural em artificial, o homem, que se tornou um mágico, o criador da realidade social, será sempre o mágico supremo, será sempre Prometeu trazendo o fogo do céu para a terra, será sempre Orfeu enfeitiçando a natureza com a sua música. Enquanto a própria humanidade não morrer, a arte não morrerá."

Fischer, A necessidade da arte, p. 247-254, intertítulos criados pelos autores.


1. No primeiro texto, que grande contradição do período ilustrado causa assombro no autor?

2. Que solução propõe Schiller para resolver essa contradição? Por quê?

3. Para melhor entender o segundo texto, pesquisa os mitos de Proteu, Prometeu e Orfeu, pertencentes à mitologia grega. O que simbolizam os três no texto de Fischer?

4. Como Fischer caracteriza a natureza humana? E o que decorre dessa natureza, ou seja, que conduta ou sentimento causa no ser humano essa sua natureza?

5. Para que o ser humano necessita da arte, segundo Fischer? Que função tem a arte então? Como ela cumpre essa função, isto é, que "magia" realiza?

6. Justifique a frase: "A arte [...] está fadada a crescer na mesma medida em que cresce o homem".

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