O que determinamos ciência tem uma história recente. Até o século XVII filosofia e ciência estavam interligadas, e foi só a partir da revolução científica iniciada por Galileu que teve início a história da ciência como setor autônomo, independente da filosofia. Por isso, as origens do saber científico confundem-se com as origens da própria filosofia.
Essas origens situam-se na filosofia pré-socrática, marcada pela busca da arché (o princípio de todas as coisas da natureza), isto é, da unidade em meio à multiplicidade, do permanente em meio ao transitório.
Ciência moderna
Em certo sentido, o objetivo da ciência continua sendo compreender o que é universal em relação aos objetos e fenômenos investigados. O que mudou bastante, dos antigos gregos à ciência moderna, foi o próprio entendimento do que é ciência e das condições nas quais se dá o conhecimento científico.
Aristóteles dizia que conhecer é conhecer as causas, concebidas por ele como sendo quatro: a causa material, a causa formal, a causa eficiente e a causa final. Ao conhecer todas elas, alcançaríamos um conhecimento que transcenderia a ciência, no seu sentido atual, e se confundiria com a própria metafísica — que é o conhecimento dos princípios últimos de toda a realidade.
Enfoque quantitativo
A partir de Galileu deu-se o abandono, em grande medida, dessa pretensão metafísica de conhecimento, de busca dos princípios últimos de todas as coisas. A ciência passou a se guiar por um procedimento mais específico e experimental e, sobretudo, por um enfoque quantitativo. A busca da explicação qualitativa e finalística (que busca um fim, uma finalidade, um sentido) acerca dos seres foi substituída pela matematização, que abstrai as características sensíveis da realidade e reduz a explicação dos fenômenos a equações, teoremas e fórmulas.
Como observou o historiador da ciência Alexandre Koyré em seu livro Do mundo fechado ao universo infinito, a partir do Renascimento houve a destruição da ideia de cosmo, isto é, de um mundo hierarquizado, dotado de centro e limitado no espaço. Em seu lugar, surgiu a ideia de um universo infinito, não hierarquizado, não místico, mas geométrico.
Enfoque operativo
Outra característica peculiar da ciência moderna é a ruptura com o aspecto contemplativo que predominava na ciência antiga. A ciência moderna é fundamentalmente operativa, isto é, tem interesse no conhecimento para poder operar, intervir na natureza e dominá-la. A filosofia de Kant reflete essa nova relação do ser humano com a natureza quando afirma:
"A razão, assim, se aproxima da natureza não como um aluno que ouve tudo aquilo que o professor se decide a dizer, mas como um juiz que obriga a testemunha a responder a questões que ele mesmo formulou." (Crítica da razão pura, p. 11).
Desenvolvimento das ciências
A física e a química, no século XVII, e, posteriormente, as ciências biológicas desenvolveram-se no interior dessa nova concepção de ciência.
O otimismo em relação às ciências naturais dominou a Idade Moderna, estendendo-se às chamadas ciências humanas, que, nascidas no século XIX, procuraram atingir um patamar de cientificidade próximo do alcançado pela física, considerada o modelo de ciência.
A própria sociologia foi concebida por Augusto Comte, um entusiasta da ciência, como uma "física social". Só posteriormente o sociólogo Max Weber postularia o método da compreensão (apreensão global dos elementos analisados) como mais adequado às ciências humanas que o método da explicação (esclarecimento das causas), embora ele próprio não abrisse mão da coleta de dados e das análises estatísticas, que são os procedimentos possíveis de ser efetuados pelas ciências humanas.
Revoluções científicas
No final do século XIX e início do século XX, a matemática e a física clássicas foram revolucionadas por novas teorias que começaram a romper com certos paradigmas (modelos) estabelecidos até então. Outras, porém, causaram grande impacto não apenas no interior da ciência, mas também na sociedade em geral. Vejamos alguns casos emblemáticos.
Teoria da evolução das espécies
No campo da biologia, a teoria da evolução das espécies, estabelecida em 1859 pelo naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882), veio abalar o próprio estatuto do ser humano como "centro do mundo", que marcou o humanismo da época moderna.
Trata-se da tese de que a diversidade biológica de nosso planeta se deve a modificações acumuladas ao longo de sucessivas gerações, em um processo evolutivo de seleção natural que culminou com o aparecimento do ser humano. Foi uma grande revolução, tanto no âmbito científico como no senso comum, pois se chocava com muitas crenças, principalmente religiosas, a respeito da origem do ser humano sobre a Terra. Além disso, lançava a noção de que as coisas nem sempre foram assim como as vemos. Existiria uma história também no mundo natural.
Surgiram ainda, no campo da biologia, as leis da hereditariedade de Mendel (1866) e, no início do século XX, a identificação dos cromossomos e dos genes, que levaram à decifração do código genético na segunda metade do século XX e possibilitaram as mais recentes e polêmicas pesquisas no campo da engenharia genética.
Pesquise sobre o impacto que a clonagem provocou no meio científico e na sociedade. Depois elabore uma análise e reflexão que responda às seguintes questões: O que a clonagem representou para cada um desses âmbitos? Por que houve tanta polêmica em torno dela?
Geometrias não euclidianas
No campo da matemática, surgiram novas concepções de geometria, desenvolvidas inicialmente por volta de 1826 pelo matemático russo Nicolai Lobatchevski (1792-1856) e pelo húngaro János Bolyai (1802-1860) — independentemente e sem conhecimento mútuo — e, posteriormente, pelo matemático alemão Bernhard Riemann (1826-1866).
Essas novas geometrias, denominadas geometrias não euclidianas, abalaram a certeza matemática, pois rejeitavam alguns axiomas da geometria clássica euclidiana, colocando em dúvida algumas verdades até então consideradas evidentes e modificando as ideias sobre o espaço geométrico.
A partir do golpe desferido por essas novas concepções, os axiomas da geometria clássica passaram a ser entendidos não mais como princípios irrefutáveis, mas como simples pontos de partida.
O matemático francês Henri Poincaré (1854-1912) reconheceu que, diferentemente da pretensão da irrefutabilidade que caracterizava a geometria euclidiana até então, "uma geometria não pode ser mais verdadeira que outra: ela pode ser apenas mais cômoda" (Citado em Reale e Antiseri, História da filosofia, p. 414).
Física quântica
No campo da física, o mecanismo determinista (nexos necessários entre causas e efeitos de um fenômeno), que se desenvolveu a partir da mecânica de Newton, havia se estendido aos outros ramos dessa ciência, como a termodinâmica, a ótica e a acústica, permeando o século XIX.
No final do século XIX, no entanto, o desenvolvimento de diversas pesquisas apresentou contradições que abalaram essa concepção do universo físico e propiciaram o desenvolvimento da física quântica.
Em 1905, o físico alemão Albert Einstein (1879-1955) reformulou os conceitos tradicionais de espaço e tempo em um artigo intitulado "Sobre a eletrodinâmica dos corpos em movimento", no qual, entre outras coisas, enuncia o conceito de energia como sendo igual à quantidade de massa multiplicada pela velocidade da luz ao quadrado (E = mc²). Era o ponto de partida para o desenvolvimento de sua teoria da relatividade.
O mecanismo da física clássica newtoniana sofreu novo abalo com a formulação do princípio da incerteza pelo físico alemão Wernert Karl Heisenberg (1901-1976), um dos fundadores da física quântica. Esse princípio estabeleceu a impossibilidade de determinar com precisão a velocidade e localização de um elétron.
Assim, no século XX, a física passou a lidar com dois grandes níveis de observação:
• o campo dos valores e grandezas verificáveis na experiência cotidiana, que emprega a física clássica;
• o campo dos valores e grandezas envolvidos nos fenômenos microscópicos (atômicos, nucleares e subnucleares) e astronômicos, que emprega, por exemplo, a física quântica e a teoria da relatividade, respectivamente.
O desenvolvimento desses novos campos da física, além de romper com a concepção determinista e mecanicista da física clássica, passou a admitir também, om o princípio da incerteza, certo "irracionalismo", o que abalou a pretensão de causalidade e previsibilidade que caracterizava a ciência até então.
Ciência pós-moderna
A partir da segunda metade do século XX, aumentou significativamente o número de adeptos de abordagens que não seguem o modelo adotado desde o início da ciência moderna, especialmente no que tange ao seu reducionismo mecanicista. Por esse motivo, vários estudiosos falam no surgimento de um novo paradigma (modelo, conceito que veremos mais adiante), isto é, de uma nova ciência: a chamada ciência pós-moderna.
O reducionismo pode ser definido como a maneira de pensar segundo a qual o todo pode ser explicado pelas partes nas quais ele se reduz, no entendimento de que "a soma das partes equivale ao todo". Assim, se conhecermos as partes, conheceremos o todo.
Holismo
Nas novas abordagens desenvolvidas nas últimas décadas, o todo tende a ser entendido como sistema, isto é, como estrutura organizada de elementos inter-relacionados. Para ser adequadamente compreendido, o todo não pode ser dividido, isolando suas partes. As partes devem ser entendidas conjuntamente nas relações que estabelecem entre si sempre tendo como referência o todo. Essa tendência é conhecida, de modo genérico, como holismo (do grego hólos, "total, inteiro, completo").
Uma de suas expressões é o chamado emergentismo, movimento que ganhou força dentro da biologia desde o início do século XX. Os emergentistas dizem que, em alguns sistemas, "o todo é algo mais que a simples soma de suas partes", porque nestas não se observariam algumas das propriedades que emergem com o todo. Em outras palavras, as propriedades emergentes não poderiam ser reduzidas às anteriores. Um exemplo de emergência seria a vida, fenômeno incompreensível quando se pensa em seus elementos inorgânicos isoladamente.
Outra expressão de holismo na compreensão da realidade é o pensamento sistêmico, inicialmente formulado pelo biólogo austríaco Karl Ludwig von Bertalanffy (1901-1972). Segundo essa abordagem, qualquer sistema real (por exemplo, uma célula, uma empresa, a Terra) manifesta-se como um sistema complexo, isto é, que apresenta distintos níveis de realidade em interação. Por isso, deve ser interpretado em sua totalidade de maneira interdisciplinar, associando, por exemplo, a visão econômica, cultural, biológica, química, etc., conforme o sistema em questão.
Pensamento complexo
O pensamento complexo é outra forma de abordagem do novo paradigma, mas que propõe uma espécie de síntese entre a perspectiva reducionista e a holista.
De acordo com um dos principais teóricos dessa corrente, o pensador francês Edgar Morin (1921-), as pessoas estavam totalmente condicionadas a buscar compreender as partes separadas do todo (reducionismo). E, quando descobriam a abordagem sistêmica, ficaram tão fascinadas com ela que caíram no outro extremo, passando a ver apenas da perspectiva do todo (holismo). Assim, para Morin, o holismo seria uma espécie de reducionismo invertido (com o nível superior determinando o inferior).
No entanto, conforme argumenta o pensador francês, nos sistemas complexos operam dois princípios:
• princípio de emergência, que, como já vimos, relaciona-se com a possibilidade de emergirem propriedades que não estavam nas partes isoladas do todo. É a criatividade do sistema (= o todo é mais que a soma das partes);
• princípio de imposição, que expressa a possibilidade de as partes não manifestarem todas as suas propriedades potenciais (isto é, de mantê-las latentes) em benefício da harmonia do sistema. Ou seja, o todo se impõe às partes. É a repressão do sistema (= o todo é menos que a soma das partes isoladas).
Por isso seria importante adotar, ao mesmo tempo, as perspectivas do todo e das partes (holista e reducionista) para compreender a complexidade do mundo.
Essas origens situam-se na filosofia pré-socrática, marcada pela busca da arché (o princípio de todas as coisas da natureza), isto é, da unidade em meio à multiplicidade, do permanente em meio ao transitório.
Ciência moderna
Em certo sentido, o objetivo da ciência continua sendo compreender o que é universal em relação aos objetos e fenômenos investigados. O que mudou bastante, dos antigos gregos à ciência moderna, foi o próprio entendimento do que é ciência e das condições nas quais se dá o conhecimento científico.
Aristóteles dizia que conhecer é conhecer as causas, concebidas por ele como sendo quatro: a causa material, a causa formal, a causa eficiente e a causa final. Ao conhecer todas elas, alcançaríamos um conhecimento que transcenderia a ciência, no seu sentido atual, e se confundiria com a própria metafísica — que é o conhecimento dos princípios últimos de toda a realidade.
Enfoque quantitativo
A partir de Galileu deu-se o abandono, em grande medida, dessa pretensão metafísica de conhecimento, de busca dos princípios últimos de todas as coisas. A ciência passou a se guiar por um procedimento mais específico e experimental e, sobretudo, por um enfoque quantitativo. A busca da explicação qualitativa e finalística (que busca um fim, uma finalidade, um sentido) acerca dos seres foi substituída pela matematização, que abstrai as características sensíveis da realidade e reduz a explicação dos fenômenos a equações, teoremas e fórmulas.
Como observou o historiador da ciência Alexandre Koyré em seu livro Do mundo fechado ao universo infinito, a partir do Renascimento houve a destruição da ideia de cosmo, isto é, de um mundo hierarquizado, dotado de centro e limitado no espaço. Em seu lugar, surgiu a ideia de um universo infinito, não hierarquizado, não místico, mas geométrico.
Enfoque operativo
Outra característica peculiar da ciência moderna é a ruptura com o aspecto contemplativo que predominava na ciência antiga. A ciência moderna é fundamentalmente operativa, isto é, tem interesse no conhecimento para poder operar, intervir na natureza e dominá-la. A filosofia de Kant reflete essa nova relação do ser humano com a natureza quando afirma:
"A razão, assim, se aproxima da natureza não como um aluno que ouve tudo aquilo que o professor se decide a dizer, mas como um juiz que obriga a testemunha a responder a questões que ele mesmo formulou." (Crítica da razão pura, p. 11).
Desenvolvimento das ciências
A física e a química, no século XVII, e, posteriormente, as ciências biológicas desenvolveram-se no interior dessa nova concepção de ciência.
O otimismo em relação às ciências naturais dominou a Idade Moderna, estendendo-se às chamadas ciências humanas, que, nascidas no século XIX, procuraram atingir um patamar de cientificidade próximo do alcançado pela física, considerada o modelo de ciência.
A própria sociologia foi concebida por Augusto Comte, um entusiasta da ciência, como uma "física social". Só posteriormente o sociólogo Max Weber postularia o método da compreensão (apreensão global dos elementos analisados) como mais adequado às ciências humanas que o método da explicação (esclarecimento das causas), embora ele próprio não abrisse mão da coleta de dados e das análises estatísticas, que são os procedimentos possíveis de ser efetuados pelas ciências humanas.
Revoluções científicas
No final do século XIX e início do século XX, a matemática e a física clássicas foram revolucionadas por novas teorias que começaram a romper com certos paradigmas (modelos) estabelecidos até então. Outras, porém, causaram grande impacto não apenas no interior da ciência, mas também na sociedade em geral. Vejamos alguns casos emblemáticos.
Teoria da evolução das espécies
No campo da biologia, a teoria da evolução das espécies, estabelecida em 1859 pelo naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882), veio abalar o próprio estatuto do ser humano como "centro do mundo", que marcou o humanismo da época moderna.
Trata-se da tese de que a diversidade biológica de nosso planeta se deve a modificações acumuladas ao longo de sucessivas gerações, em um processo evolutivo de seleção natural que culminou com o aparecimento do ser humano. Foi uma grande revolução, tanto no âmbito científico como no senso comum, pois se chocava com muitas crenças, principalmente religiosas, a respeito da origem do ser humano sobre a Terra. Além disso, lançava a noção de que as coisas nem sempre foram assim como as vemos. Existiria uma história também no mundo natural.
Surgiram ainda, no campo da biologia, as leis da hereditariedade de Mendel (1866) e, no início do século XX, a identificação dos cromossomos e dos genes, que levaram à decifração do código genético na segunda metade do século XX e possibilitaram as mais recentes e polêmicas pesquisas no campo da engenharia genética.
Pesquise sobre o impacto que a clonagem provocou no meio científico e na sociedade. Depois elabore uma análise e reflexão que responda às seguintes questões: O que a clonagem representou para cada um desses âmbitos? Por que houve tanta polêmica em torno dela?
Geometrias não euclidianas
No campo da matemática, surgiram novas concepções de geometria, desenvolvidas inicialmente por volta de 1826 pelo matemático russo Nicolai Lobatchevski (1792-1856) e pelo húngaro János Bolyai (1802-1860) — independentemente e sem conhecimento mútuo — e, posteriormente, pelo matemático alemão Bernhard Riemann (1826-1866).
Essas novas geometrias, denominadas geometrias não euclidianas, abalaram a certeza matemática, pois rejeitavam alguns axiomas da geometria clássica euclidiana, colocando em dúvida algumas verdades até então consideradas evidentes e modificando as ideias sobre o espaço geométrico.
A partir do golpe desferido por essas novas concepções, os axiomas da geometria clássica passaram a ser entendidos não mais como princípios irrefutáveis, mas como simples pontos de partida.
O matemático francês Henri Poincaré (1854-1912) reconheceu que, diferentemente da pretensão da irrefutabilidade que caracterizava a geometria euclidiana até então, "uma geometria não pode ser mais verdadeira que outra: ela pode ser apenas mais cômoda" (Citado em Reale e Antiseri, História da filosofia, p. 414).
Física quântica
No campo da física, o mecanismo determinista (nexos necessários entre causas e efeitos de um fenômeno), que se desenvolveu a partir da mecânica de Newton, havia se estendido aos outros ramos dessa ciência, como a termodinâmica, a ótica e a acústica, permeando o século XIX.
No final do século XIX, no entanto, o desenvolvimento de diversas pesquisas apresentou contradições que abalaram essa concepção do universo físico e propiciaram o desenvolvimento da física quântica.
Em 1905, o físico alemão Albert Einstein (1879-1955) reformulou os conceitos tradicionais de espaço e tempo em um artigo intitulado "Sobre a eletrodinâmica dos corpos em movimento", no qual, entre outras coisas, enuncia o conceito de energia como sendo igual à quantidade de massa multiplicada pela velocidade da luz ao quadrado (E = mc²). Era o ponto de partida para o desenvolvimento de sua teoria da relatividade.
Albert Einstein conseguiu unir sua atividade como cientista à reflexão filosófica, manifestando uma visão global e crítica do mundo contemporâneo. |
O mecanismo da física clássica newtoniana sofreu novo abalo com a formulação do princípio da incerteza pelo físico alemão Wernert Karl Heisenberg (1901-1976), um dos fundadores da física quântica. Esse princípio estabeleceu a impossibilidade de determinar com precisão a velocidade e localização de um elétron.
Assim, no século XX, a física passou a lidar com dois grandes níveis de observação:
• o campo dos valores e grandezas verificáveis na experiência cotidiana, que emprega a física clássica;
• o campo dos valores e grandezas envolvidos nos fenômenos microscópicos (atômicos, nucleares e subnucleares) e astronômicos, que emprega, por exemplo, a física quântica e a teoria da relatividade, respectivamente.
O desenvolvimento desses novos campos da física, além de romper com a concepção determinista e mecanicista da física clássica, passou a admitir também, om o princípio da incerteza, certo "irracionalismo", o que abalou a pretensão de causalidade e previsibilidade que caracterizava a ciência até então.
Ciência pós-moderna
A partir da segunda metade do século XX, aumentou significativamente o número de adeptos de abordagens que não seguem o modelo adotado desde o início da ciência moderna, especialmente no que tange ao seu reducionismo mecanicista. Por esse motivo, vários estudiosos falam no surgimento de um novo paradigma (modelo, conceito que veremos mais adiante), isto é, de uma nova ciência: a chamada ciência pós-moderna.
O reducionismo pode ser definido como a maneira de pensar segundo a qual o todo pode ser explicado pelas partes nas quais ele se reduz, no entendimento de que "a soma das partes equivale ao todo". Assim, se conhecermos as partes, conheceremos o todo.
Holismo
Nas novas abordagens desenvolvidas nas últimas décadas, o todo tende a ser entendido como sistema, isto é, como estrutura organizada de elementos inter-relacionados. Para ser adequadamente compreendido, o todo não pode ser dividido, isolando suas partes. As partes devem ser entendidas conjuntamente nas relações que estabelecem entre si sempre tendo como referência o todo. Essa tendência é conhecida, de modo genérico, como holismo (do grego hólos, "total, inteiro, completo").
Uma de suas expressões é o chamado emergentismo, movimento que ganhou força dentro da biologia desde o início do século XX. Os emergentistas dizem que, em alguns sistemas, "o todo é algo mais que a simples soma de suas partes", porque nestas não se observariam algumas das propriedades que emergem com o todo. Em outras palavras, as propriedades emergentes não poderiam ser reduzidas às anteriores. Um exemplo de emergência seria a vida, fenômeno incompreensível quando se pensa em seus elementos inorgânicos isoladamente.
Outra expressão de holismo na compreensão da realidade é o pensamento sistêmico, inicialmente formulado pelo biólogo austríaco Karl Ludwig von Bertalanffy (1901-1972). Segundo essa abordagem, qualquer sistema real (por exemplo, uma célula, uma empresa, a Terra) manifesta-se como um sistema complexo, isto é, que apresenta distintos níveis de realidade em interação. Por isso, deve ser interpretado em sua totalidade de maneira interdisciplinar, associando, por exemplo, a visão econômica, cultural, biológica, química, etc., conforme o sistema em questão.
Pensamento complexo
O pensamento complexo é outra forma de abordagem do novo paradigma, mas que propõe uma espécie de síntese entre a perspectiva reducionista e a holista.
De acordo com um dos principais teóricos dessa corrente, o pensador francês Edgar Morin (1921-), as pessoas estavam totalmente condicionadas a buscar compreender as partes separadas do todo (reducionismo). E, quando descobriam a abordagem sistêmica, ficaram tão fascinadas com ela que caíram no outro extremo, passando a ver apenas da perspectiva do todo (holismo). Assim, para Morin, o holismo seria uma espécie de reducionismo invertido (com o nível superior determinando o inferior).
No entanto, conforme argumenta o pensador francês, nos sistemas complexos operam dois princípios:
• princípio de emergência, que, como já vimos, relaciona-se com a possibilidade de emergirem propriedades que não estavam nas partes isoladas do todo. É a criatividade do sistema (= o todo é mais que a soma das partes);
• princípio de imposição, que expressa a possibilidade de as partes não manifestarem todas as suas propriedades potenciais (isto é, de mantê-las latentes) em benefício da harmonia do sistema. Ou seja, o todo se impõe às partes. É a repressão do sistema (= o todo é menos que a soma das partes isoladas).
Por isso seria importante adotar, ao mesmo tempo, as perspectivas do todo e das partes (holista e reducionista) para compreender a complexidade do mundo.
"É a viagem em busca de um modo de pensamento capaz de respeitar a multidimensionalidade, a riqueza, o mistério do real; e de saber que as determinações — cerebral, cultural, social, histórica — que impõem a todo o pensamento, co-determinam sempre o objeto de conhecimento. É isto que eu designo por pensamento complexo." (Morin, O método II: a vida da vida, p. 14).
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