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ÉTICA E MORAL - O problema da ação e dos valores

      Em nosso dia-a-dia, deparamo-nos frequentemente com situações em que temos que tomar uma decisão. Muitas vezes elas dependem daquilo que consideramos bom, justo ou correto. Toda vez que isso ocorre, estamos diante de uma decisão que envolve um julgamento moral, a partir do qual vamos orientar nossa ação ou a ação de outras pessoas. Como afirmou o filósofo grego Aristóteles:

"A característica específica do homem em comparação com os outros animais é que somente ele tem o sentimento do bem e do mal, do justo e do injusto e de outras qualidades morais." (Política, p. 15)."

      Assim, o ser humano age no mundo de acordo com valores, isto é, a partir daquilo que tem maior importância ou é prioridade para ele segundo certos códigos morais. Isso significa que as coisas e as ações que um indivíduo realiza podem ser hierarquizadas conforme as noções de bem e de justo compartilhadas por um grupo de pessoas, em um determinado momento. Em outras palavras, o ser humano é um ser moral: um ser capaz de avaliar sua conduta a partir de valores morais.


Distinção entre moral e ética
    O que é moral? E qual a diferença entre moral e ética?
      Embora os termos ética e moral por vezes sejam usados como sinônimos, é possível fazer uma distinção entre eles.
      A palavra moral vem do latim mos, mor-, "costumes", e refere-se ao conjunto de normas que orientam o comportamento humano tendo como base os valores próprios a uma dada comunidade ou cultura.
      Como as comunidades humanas são distintas entre si, tanto no espaço quanto no tempo, os valores também podem ser distintos de uma comunidade para outra, o que origina códigos morais diferentes.
      Pertence ao vasto campo da moral a definição sobre questões fundamentais, como:
• O que devo fazer para ser justo?
• Quais valores devo escolher para guiar minha vida?
• Há uma hierarquia de valores que deve ser seguida?
• Que tipo de ser humano devo ser nas relações comigo mesmo, com meus semelhantes e com a natureza?
• Que tipo de atitudes devo praticar como pessoa e como cidadão?
      A palavra ética, por sua vez, vem do grego ethikos, "modo de ser", "comportamento". Portanto, etimologicamente os dois termos querem dizer quase a mesma coisa.
      No entanto, ética designa mais especificamente a disciplina filosófica que investiga o que é a moral, como ela se fundamenta e se aplica. Ou seja, a ética estuda os diversos sistemas morais elaborados pelos seres humanos, buscando compreender a fundamentação das normas e interdições (proibições) próprias a cada um e explicitar seus pressupostos, isto é, as concepções sobre o ser humano e a existência humana que os sustentam.

Comente essa tirinha. Você concorda com a visão apresentada por Manolito? Por quê?

      Nesse sentido, a ética é uma disciplina teórica sobre uma prática humana, que é o comportamento moral. No entanto, as reflexões éticas não se restringem à busca de conhecimento teórico sobre os valores humanos, cuja origem e desenvolvimento levantam questões de caráter sociológico, antropológico, religioso etc.
      Como filosofia prática, isto é, disciplina teórica com preocupações práticas, a ética orienta-se também pelo desejo de unir o saber ao fazer, ou seja, busca aplicar o conhecimento sobre o ser para construir aquilo que deve ser. E, para isso, é indispensável boa parcela de conhecimento teórico.
      Veremos a seguir algumas concepções fundamentais no campo da ética, bem como as discussões que despertam.


Moral e direito
    Eis uma questão que talvez você esteja se fazendo: "Normas morais e normas jurídicas são a mesma coisa? Há diferença entre elas?"
      Sabemos que as normas morais e as normas jurídicas são estabelecidas pelos membros da sociedade, e ambas destinam-se a regulamentar as relações nesse grupo de pessoas. Há, então, vários aspectos comuns entre normas morais e jurídicas. Por exemplo:
• apresentam-se como imperativos, ou seja, normas que devem ser seguidas por todos;
• buscam propor, por meio de normas, uma convivência melhor entre os indivíduos;
• orientam-se pelos valores culturais próprios de uma determinada sociedade;
• têm um caráter histórico, isto é, mudam de acordo com as transformações histórico-sociais.
      No entanto, a despeito dessas semelhanças, há diferenças fundamentais entre a moral e o direito:
• as normas morais são cumpridas a partir da convicção pessoal de cada indivíduo, enquanto as normas jurídicas devem ser cumpridas sob pena de punição do Estado em caso de desobediência;
• a punição, no campo do direito, está prevista na legislação, ao passo que, no campo da moral, a eventual sanção pode variar bastante, pois depende fundamentalmente da consciência moral do sujeito que infringe a norma;
• a esfera da moral é mais ampla, atingindo diversos aspectos da vida humana, enquanto a esfera do direito restringe-se a questões específicas nascidas da interferência de condutas sociais. O direito costuma ser regido pelo princípio de que tudo é permitido que se faça, exceto aquilo que a lei expressamente proíbe;
• a moral não se traduz em um código formal, enquanto o direito sim;
• o direito mantém uma relação estreita com o Estado, enquanto a moral não apresenta essa vinculação.

Estátua representando a justiça, em Berna, na Suíça.

      De todas essas diferenças, talvez uma mereça maior destaque: a coercibilidade da norma jurídica, que conta com a força e a repressão potencial do Estado (através da ação da justiça e da polícia) para ser obedecida pelas pessoas. A norma moral, por sua vez, não é sustentada pela coerção do Estado, o que implica que ela depende, de certo modo, da aceitação de cada indivíduo para ser cumprida. Por isso, a norma moral costuma ser vinculada, por alguns filósofos, à ideia de liberdade.


Moral e liberdade
    Pode parecer estranho vincular a ideia de norma moral à ideia de liberdade, você não acha? Mas podemos explicar essa relação. Preste atenção.
      A consciência talvez seja a melhor característica que distingue o ser humano dos outros animais. Ela permite o desenvolvimento do saber e da racionalidade, que se empenha em separar o falso do verdadeiro.
      Além dessa consciência racional, lógica, o ser humano possui também consciência moral, isto é, a faculdade de observar a própria conduta e formular juízos sobre os atos passados, presentes e as intenções futuras. E, depois de julgar, tem condições de escolher, entre as circunstâncias possíveis, seu próprio caminho na vida. A essa possibilidade que cada indivíduo tem de escolher seu caminho, de construir sua maneira de ser e sua história, chamamos liberdade.


Liberdade e responsabilidade
    Assim, se consciência moral e liberdade estão intimamente relacionadas, só tem sentido julgar moralmente a ação de uma pessoa se essa ação foi praticada em liberdade. Quando não se tem escolha (liberdade), quando se é coagido a praticar uma ação, é impossível decidir entre o bem e o mal (consciência moral). A decisão, nesse caso, é imposta pelas forças coativas, isto é, que determinam uma conduta. Exemplo: tendo o filho sequestrado, o pai cumpre ordens do sequestrador. Sua ação está determinada pela coação do criminoso.
      Quando, porém, estamos livres para escolher entre esta ou aquela ação e fazemos uma escolha, tornamo-nos responsáveis pelo que praticamos e podemos ser julgados moralmente por isso.
      Observemos que o termo responsabilidade vem do latim respondere, "responder", e significa estar em condições de responder pelos atos praticados, isto é, de justificá-los e assumi-los. É essa responsabilidade, enfim, que pode ser julgada pela consciência moral do próprio indivíduo ou do seu grupo social.


Virtude e vício
    Uma propriedade que se costuma atribuir à consciência moral é a de que ela nos fala como uma voz interior que geralmente nos inclina para o caminho da virtude. Mas o que é virtude?
      A palavra virtude deriva do latim virtus, "força ou qualidade essencial", e significa, no contexto da moral, a qualidade ou a ação que dignifica o ser humano. E qual é essa qualidade ou ação?

As tentações de Santo Antão (c. 1500) — Hieronymus Bosch. Nem sempre é fácil distinguir entre o que é bom e o que é mau. Até mesmo os santos não estiveram livres desse dilema, como Jesus e Antão. Ambos tiveram de resistir às tentações do diabo, que se multiplicavam à sua volta no deserto.

      Há muitas interpretações sobre esse tema, mas podemos dizer, basicamente, que é a prática constante do bem, correspondendo ao uso da liberdade com responsabilidade moral. Assim, são consideradas virtudes a polidez, a fidelidade, a prudência, a justiça, a coragem, a generosidade etc.
      À ideia de virtude opõe-se a de vício, que consiste na prática do mal, correspondendo ao uso da liberdade sem responsabilidade moral. Assim, são considerados vícios a violência, a infidelidade, a insensatez, a injustiça, a covardia, a mesquinhez etc.
      Analisando essa relação entre responsabilidade e virtude, Erich Fromm concluiu que a responsabilidade primordial do ser humano está relacionada com a própria condição humana, isto é, coma realização de suas potencialidades de vida. Assim:

"O bem é a afirmação da vida, o desenvolvimento das capacidades do homem. A virtude consiste em assumir a responsabilidade por sua própria existência. O mal constitui a mutilação das capacidades do homem; o vício reside na irresponsabilidade perante si mesmo." (Análise do homem, p. 30).


Liberdade versus determinismo
    Agora que explicamos por que alguns filósofos vinculam moral e liberdade, bem como liberdade e responsabilidade, talvez você se pergunte: "Mas somos realmente livres para decidir?", "E, se somos, que liberdade é essa?".
      Do ponto de vista da discussão filosófica, podemos sintetizar três respostas diferentes para esses problemas: uma que enfatizou o determinismo, outra que destacou o papel da liberdade e uma terceira que procurou estabelecer uma dialética entre os dois termos. Vejamos cada uma.


Ênfase no determinismo
    De acordo com essa via de interpretação, a liberdade não existe, pois o ser humano seria sempre determinado, seja por sua natureza biológica (necessidades e instintos), seja por sua natureza histórico-social (leis, normas, costumes). Em outras palavras, as ações individuais seriam causadas e determinadas por fatores naturais ou constrangimentos sociais, e a liberdade seria apenas uma ilusão.
      Essa concepção encontra-se presente no pensamento de filósofos materialistas do século XVIII, tais como os franceses Helvetius (1715-1771) e Holbach (1723-1789).


Ênfase na liberdade
    Para essa via de interpretação, o ser humano é sempre livre. Embora os defensores dessa posição admitam a existência das determinações de origem externa, sociais, e as de origem interna, como desejos, impulsos etc., sustentam a tese de que o indivíduo possui uma liberdade moral que está acima dessas determinações. Assim, apesar de todos os fatores sociais e subjetivos que atuam sobre cada indivíduo, ele sempre possui uma possibilidade de escolha e pode agir livremente a partir de sua auto-determinação.
      A maior expressão dessa concepção filosófica acerca da liberdade é encontrada no pensamento do filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), que afirmou que "o homem está condenado a ser livre" (O existencialismo é um humanismo, p. 9).


Dialética entre liberdade e determinismo
    Segundo essa via de interpretação, o ser humano é determinado e livre ao mesmo tempo. Determinismo e liberdade não se excluem, mas se complementam. Nessa perspectiva, não faz sentido pensar em uma liberdade absoluta nem em uma negação absoluta da liberdade.
      A liberdade é sempre uma liberdade concreta, situada no interior de um conjunto de condições objetivas de vida. No entanto, embora nossa liberdade seja restringida por fatores objetivos que cercam nossa existência factual, podemos sempre atuar no sentido de alargar as possibilidades dessa liberdade, e isso será tanto mais eficiente quanto maior for nossa consciência a respeito desses fatores.
      Essa concepção é encontrada no pensador holandês Espinosa e nos filósofos alemães Hegel e Marx. À parte as muitas diferenças entre seus pensamentos, o ponto em comum é a ideia de que a liberdade é a compreensão da necessidade (dos determinismos).



Transformações da moral
    Dissemos que o sistema moral de cada grupo social é elaborado ao longo do tempo de acordo com os valores reconhecidos por aquele grupo como significativos para a convivência social.
      Em um primeiro momento, esses valores são adquiridos pelos indivíduos como uma herança cultural. Cada pessoa assimila, desde a infância, as noções do que é bom e desejável, bem como do que é ruim, desaconselhável ou repugnante. De acordo com esses valores, passará a julgar como bons ou maus seu próprio comportamento e dos outros.
      No entanto, é importante notar que, apesar desse caráter social, a moral tem também um aspecto pessoal, como salientaram vários filósofos. Ou seja, embora herdemos um conjunto estabelecido de normas morais, chega um momento em nossas vidas em que podemos refletir sobre elas, aceitá-las consciente e livremente ou rejeitá-las. Por isso dissemos anteriormente, na comparação entre normas morais e normas jurídicas, que o comportamento moral caracteriza-se essencialmente pela livre escolha do indivíduo. Portanto, a liberdade é a base da conduta moral.
      Em sua relação com a sociedade, o indivíduo pode reafirmar e consolidar a moralidade existente. Mas pode também negá-la e, dessa forma, contribuir para a transformação dessa moralidade. Assim, podemos caracterizar essa relação entre sociedade e indivíduo como dialética, ou seja, de mútua influência entre os dois polos, em que:
• de um lado, o indivíduo, um ser singular, é levado pela educação à universalidade expressa nos costumes e normas morais. Isso significa que cada indivíduo assimila os princípios morais consolidados como próprios do ser humano até então;
• de outro, os indivíduos, não assimilando passivamente esses princípios, podem contestá-los ou interferir em sua formulação, de acordo com as novas condições histórico-sociais, e acabar por transformar as normas e costumes morais.


Escolhas morais
    Assim, as condutas dos indivíduos podem variar entre dois extremos, o do consentimento e o da negação da moral vigente, constituindo o que podemos chamar escolhas morais.
      Na escolha moral estão em jogo tanto fatores objetivos como subjetivos. Os fatores objetivos relacionam-se aos costumes e normas já estabelecidos, bem como à educação e à cultura em geral. Os fatores subjetivos, por sua vez, estão ligados à ideia de liberdade e responsabilidade pessoal.
      Uma primeira possibilidade de escolha é a da ação moralmente boa ou correta, que ocorre quando o indivíduo adere conscientemente a uma norma moral e a cumpre, reconhecendo-a como legítima. É o caso, por exemplo, de alguém que trata todas as pessoas de maneira respeitosa, porque entende que todos merecem respeito.
      Complementar a essa opção é a da ação moralmente má ou incorreta, ou seja, a que contraria uma determinada norma moral sem, contudo, contestá-la como norma universal. É como se o indivíduo abrisse uma exceção para agir contra a norma. Por exemplo, uma pessoa é indelicada com outra por algum motivo banal, embora reconheça que a atitude correta é a de ter respeito por todos.
      Outra possibilidade ocorre quando o indivíduo recusa conscientemente uma norma moral por entendê-la inadequada ou ilegítima. Essa situação caracteriza-se como um conflito ético, que aponta para uma ruptura com a moral vigente. É o caso, por exemplo, das mulheres que usaram saias com um comprimento bem menor do que o considerado adequado pela sociedade de seu tempo, confrontando a moral vigente quanto ao grau "permitido" de exposição pública do corpo.
      Diferente do conflito ético é a situação de niilismo ético, que se caracteriza pela negação radical de todo e qualquer valor moral. O permissivismo moral, por sua vez, seria uma versão deteriorada e individualista do niilismo ético, na qual, por trás da negação dos valores vigentes, escondem-se interesses particulares.
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