Pensar a vida e viver o pensamento, de forma profunda e radical. Isso é filosofar.

COMO VIVER PARA SER FELIZ? O que disseram os sábios gregos

• se o que nos move é, em última instância, o desejo de ser feliz, mas nem todo ato traz felicidade, como alcançar nosso objetivo?
• considerando a fragilidade e a vulnerabilidade humanas, como devemos agir para levar uma vida feliz ou, ao menos, não infeliz?
• quais são as fontes da felicidade?
      É aí que entra em cena o sábio, o filósofo. Como ficará mais claro adiante, responder de forma filosófica a essas questões que propusemos envolve formar uma ideia prévia sobre muitos outros temas, tais como quem somos, como é o mundo, como são as coisas, como conhecemos as coisas, que lugar ocupamos no mundo, que sentido tem a existência de cada um etc. Todas essas respostas devem ser coerentes entre si, formando um sistema.

Sistema — conjunto de elementos em que um depende do outro, compondo um todo orgânico, coerente e organizado.



O alegre grupo (c. 1615) — Frans Hals. Pintura holandesa em que se festeja o carnaval. Acredita-se que celebrações como essa são momentos importantes de expressão individual e coletiva, favorecendo o bem-estar e a coesão social.

      Assim, ao tentar responder a essas e outras perguntas, os sábios da Grécia antiga, nossos primeiros filósofos (do mundo ocidental), acabaram elaborando distintos sistemas filosóficos, com explicações que procuraram abarcar toda a complexidade do universo natural e humano. Veremos, logo mais, algumas dessas respostas. Antes, porém, abordemos o tema das fontes de felicidade, para formar um mapa prévio, orientados.

Observação: A investigação sobre o tema da felicidade pertence mais especificamente a um ramo da filosofia conhecido pelo nome de ética. A ética trata de um universo de questões ligadas ao dever, a como devemos agir em geral ou em relação a problemas específicos.

Fontes de felicidade
    Que elementos, que condições, que coisas tornam um indivíduo feliz?
      Segundo as análises dos textos antigos, os elementos mais desejados e perseguidos pelas pessoas em geral eram (e você perceberá que continuam sendo):
• bens materiais e riqueza — sempre estiveram entre as fontes mais cobiçadas e pelas quais as pessoas mais se esforçam na vida;
• status sociais, poder e glória — pode-se até matar por eles, mesmo quando as pessoas não são tão conscientes do valor que lhes dão;
• prazeres da mesa e da cama — fontes básicas do bem-estar corporal e emocional, boa parcela da humanidade dedica-se regularmente e com avidez a eles;
• saúde — valorizada por muitos, principalmente quando falta, mas perseguida pelos mais moderados ou disciplinados;
• amor e a amizade — considerados importantes pela maioria, mas com frequência relegados a um segundo plano em termos de propriedade.
      Pressupõe-se que a carência de uma dessas fontes possa explicar a infelicidade de alguém. O curioso é que, com frequência, pessoas que desfrutam de tudo isso não se sentem felizes, ou são infelizes por tê-las em excesso. Como explicar isso? Dependerá a felicidade de outros fatores mais essenciais? Variará de pessoa para pessoa?
      Em uma primeira análise, podemos perceber na lista acima uma tendência em tomar a felicidade como o resultado de fatores predominantemente materiais e externos que afetam a vida de um indivíduo: bens, dinheiro, reconhecimento do meio social, prazeres ditos "carnais", ausência de doenças. As circunstâncias internas, sua vida interior, não contariam tanto, nem a coletividade em que vive esse indivíduo.
      Deferindo da tendência geral, a maioria dos filósofos — especialmente os gregos antigos — propôs caminhos mais comportamentais e intelectuais (ou espirituais) para a obtenção da felicidade verdadeira. Alguns deles também empregaram uma perspectiva menos individualista, concebendo a felicidade como resultado de um processo coletivo, alcançado em conjunto com a comunidade.
      Vejamos resumidamente algumas das principais doutrinas a esse respeito, concebidas pelos pensadores da Grécia antiga.

Conhecimento e bondade (Platão)
    No grego antigo, várias palavras traduziam distintos aspectos da felicidade. A principal delas era eudaimonia, derivada dos termos eu ("bem-disposto") e daimon ("poder divino"). Trata-se da felicidade entendida como um bem ou poder concedido pelos deuses. Subtendia-se que, para mantê-la, a pessoa deveria conduzir sua vida de tal maneira a não se indispor com as divindades, para o que era preciso sabedoria. Mesmo assim, ainda corria o risco de perder esse bem ou poder se os deus assim o desejassem, por qualquer motivo arbitrário.
      Isso significa que a felicidade era tida como uma espécie de fortuna ou acaso — enfim, um bem instável que dependia tanto da conduta pessoal, como da boa vontade divina (cf. Lauriola, De eudaimonia à felicidade..., Revista Espaço Acadêmico, n. 59).
      Platão (427-347 a.C.) — considerado por boa parte dos estudiosos o primeiro grande filósofo ocidental, juntamente com seu mestre, Sócrates — foi um dos principais pensadores gregos a se lançar contra essa instabilidade, em busca de uma felicidade estável, postura que caracterizará de forma marcante a ética eudemonista grega.

Eudemonista — relativo à felicidade, ou que tem a felicidade como valor fundamental ou principal objetivo.

      No entendimento de Platão, o mundo material — aquele que percebemos pelos cincos sentidos — é enganoso. Nele tudo é instável e por meio dele não pode haver felicidade. Por isso, para esse filósofo, o caminho da felicidade é o do abandono das ilusões dos sentidos em direção ao mundo das ideias, até alcançar o conhecimento supremo da realidade, correspondente à ideia do bem. Vejamos como ele chegou a essa conclusão.

Ginástica e dialética
    Para entender a concepção platônica de felicidade, precisamos compreender primeiramente sua doutrina sobre a alma humana, contida na obra A república. Para Platão, o ser humano é essencialmente alma, que é imortal e existe previamente ao corpo. A união da alma com o corpo é acidental, pois o lugar próprio da alma não é o mundo sensível, e sim o mundo inteligível. A alma se dividiria em três partes:
• alma concupiscente — situada no ventre e ligada aos desejos carnais;
• alma irascível — situada no peito e vinculada às paixões; e
• alma racional — situada na cabeça e relacionada com o conhecimento.
      A vida feliz de uma pessoa dependeria da devida subordinação e harmonia entre essas três almas. A alma racional regularia a irascível, e esta controlaria a concupiscente, sempre com a supervisão da parte racional. Há, portanto, uma primazia da parte racional sobre as demais.
      Para apoias essa tarefa, Platão propunha duas práticas:
• ginástica — atividade física por meio da qual a pessoa dominaria as inclinações negativas do corpo; e
• dialética .método de dialogar (praticado por Sócrates) pelo qual se ascenderia progressivamente do mundo sensível (que Platão considerava ilusório) ao mundo inteligível (que ele considerava verdadeiro), onde se encontraram as ideias perfeitas (que correspondem ao máximo grau de conhecimento e à realidade verdadeira).

Ideia do bem
    Por meio dessas práticas — especialmente da dialética — a alma humana penetraria o mundo inteligível, conhecido como mundo das ideias, e se elevaria sucessivamente mediante a contemplação das ideias perfeitas, até atingir a ideia suprema, que é a ideia do bem.
      Essa supremacia deve-se a que, para Platão, o bem é a causa de todas as coisas justas e belas que existem, incluindo as outras ideias perfeitas, como justiça, beleza, coragem. Sem o bem não há nenhuma delas, inclusive a ideia perfeita de felicidade.
      Em resumo, podemos dizer que, para Platão, a felicidade é o resultado final de uma vida dedicada a um conhecimento progressivo até se atingir a ideia do bem, o que poderia ser sintetizado na seguinte fórmula: conhecimento = bondade = felicidade.
      As três coisas, quando ocorrem em sua máxima expressão, andariam sempre juntas, mas o caminho partiria do conhecimento.
      Além disso, para Platão, a ascensão dialética equivaleria não apenas a uma elevação cognoscitiva (isto é, do conhecimento), mas também a uma evolução do ser da pessoa (evolução ontológica, no jargão filosófico). Simplificando bastante, podemos dizer que aquele que alcança o conhecimento verdadeiro (que culmina com a ideia do bem) torna-se um ser "melhor" em sua essência e, por isso, vive mais feliz.

Bem de todos
    Platão, no entanto, tinha como motivação fundamental de seu filosofar o âmbito político. De fato, ele entendia que a mais nobre de todas as ciências é a política. Assim, estabeleceu como meta político-filosófica definir o caminho para o bem de todos (bem comum), não apenas o individual, como expressa a seguir.

"[...] ao fundarmos a cidade, não tínhamos em vista tornar uma única classe eminentemente feliz, mas, tanto quanto possível, toda a cidade. De fato, pensávamos que só numa cidade assim encontraríamos a justiça e na cidade pior constituída, a injustiça [...]. Agora julgamos modelar a cidade feliz, não pondo à parte um pequeno número dos seus habitantes para torná-los felizes, mas considerando-a como um todo [...]" (A República, p. 115-116).

      Com esse propósito, o filósofo propôs, em A República, uma sociedade ideal. Nela, cada indivíduo teria uma função social (definida em três grupos: produção dos bens materiais e de alimentos, defesa da cidade e administração da pólis) que lhe é própria, isto é, de acordo com sua aptidão ou natureza, categorizada respectivamente em três tipos: produtora, guerreira ou sábia.

Pólis — cidade-Estado na Grécia antiga.

      A aptidão de cada um seria identificada durante o processo educativo, definido como igual para todos. Os filósofos — considerados os mais sábios e conhecedores do caminho da felicidade — seriam destinados aos cargos mais altos, tornando-se os governantes da cidade. Dentro dessa organização, conforme defendeu Platão, cada um já seria feliz pelo simples fato de cumprir a função para a qual é mais apto por natureza.


Vidas teóricas e prática (Aristóteles)
    Ocorre frequentemente, na história da filosofia, que um discípulo acabe não sendo um seguidor fiel das doutrinas de seu mestre e que até se oponha a ele em vários aspectos, desenvolvendo um pensamento independente e original.
      É o caso de Aristóteles (384-322 a.C.), que refutou a teoria do mundo das idias, pilar da filosofia platônica, propondo um pensamento que, embora valorizasse a atividade intelectual, resgatava o papel dos bens humanos, terrenos, materiais para alcançar uma vida boa.


Contemplação intelectual
    Aristóteles concordava com Platão que a finalidade última de todos os indivíduos é a felicidade; mas como alcançá-la? Sua resposta:

"[...] o que é próprio de cada coisa é, por natureza, o que há de melhor e de aprazível para ela; e assim, para o homem e a vida conforme a razão é a melhor e mais aprazível, já que a razão, mais que qualquer outra coisa, é o homem. Donde se conclui que essa vida também é a mais feliz" (Aristóteles, Ética a Nicômaco, p. 190).

      Podemos assim resumir a resposta do filósofo, desenvolvida de maneira ampla e expressiva em sua obra Ética a Nicômaco:
      • Aristóteles afirma que um ser só alcança seu fim quando cumpre a função (ou faculdade) que lhe é própria e o distingue dos demais seres, isto é, sua virtude. A palavra virtude é entendida aqui como aquela propriedade de um ser que lhe é mais característica e essencial, cuja aplicação conduz à excelência ou perfeição desse ser. Por exemplo: a virtude de uma faca é o seu corte, de uma laranjeira é produzir laranjas, de um dentista é tratar os dentes.
      
• O ser humano dispõe de uma grande quantidade de funções ou faculdades (caminhar, correr, comer, sentir, dormir, desejar, obrar, amar, etc.), mas outros animais parecem também possui-las. A única faculdade que só ele possui e que o distingue dos demais seres é a de pensar, especialmente a atividade racional. Essa seria, portanto, sua virtude essencial.
      
• Assim, o ser humano só alcançará seu fim (a felicidade) se atuar conforme sua virtude, a razão.
      Para Aristóteles, portanto, não basta ter uma virtude (a racionalidade). É preciso praticá-la. O ser humano precisa esforçar-se para realizar aquilo que lhe é dado pela natureza como potência (possibilidade de ser).
      Desse modo, o filósofo preconizava que, para atingir a felicidade verdadeira, o indivíduo deveria dedicar-se fundamentalmente à vida teórica, no sentido de uma contemplação intelectual, buscando observar a beleza e a ordem do cosmo, a autêntica realidade das coisas. E essa forma de atuar deveria manter-se durante a vida inteira.


"[...] portanto uma andoria não faz verão, nem um dia tampouco; e da mesma forma um dia, ou um breve espaço de tempo, não faz um homem feliz e venturoso" (Ética, a Nicômaco, p. 16).


Outros prazeres e virtudes
    Sem tirar os pés do chão, no entanto, Aristóteles dizia também que não se pode abandonar a companhia da família e dos amigos, a riqueza e o poder. Todos esses elementos, e o prazer que deles resulta, promoveriam o bem-estar material e a paz social, indispensáveis à vida contemplativa. O sábio não poderá dedicar-se à contemplação se, por exemplo, não houver alimentos, se seus filhos chorarem de fome e se a cidade toda estiver em pé de guerra.
      Por outro lado, o gozo de tais prazeres estaria vinculado também ao exercício de outras virtudes humanas — como a generosidade, a coragem, a cortesia e a justiça — que, em seu conjunto, contribuem para a felicidade completa do ser humano.
      Portanto, na ética aristotélica, embora o exercício contínuo de uma vida teórica seja essencial (o que se diz em filosofia uma condição necessária) para uma pessoa alcançar a vida feliz, isso não basta (não é uma condição suficiente). Em resumo, a felicidade seria uma vida dedicada à contemplação teórica, aliada à prática das outras virtudes humanas e sustentadas pelo bem-estar material e social.



Prazer moderado (Epicuro)
    Apesar das diferenças das duas abordagens anteriores, você já deve ter notado que elas não são tão distintas assim, pois tanto Platão como Aristóteles, por caminhos diversos, valorizam muito o papel do intelecto para obter uma vida feliz.
      Resposta realmente distinta foi a d Epicuro (341-271 a.C.), que recomendava o caminho do prazer. Vejamos de que maneira.
      Para Epicuro, felicidade é o prazer resultante da satisfação dos desejos, como crê a maioria das pessoas. Mas o que o filósofo quer dizer com isso é que a felicidade é fundamentalmente prazer, pois para ele tudo no mundo é matéria e, no ser humano, sensação, inclusive a felicidade. Assim, ser feliz é sentir prazer.
      Com base nessa visão sensualista (baseada nas sensações), Epicuro dirá que todos os seres buscam o prazer e fogem da dor, e que, para sermos felizes, devemos gerar, primeiramente, as condições materiais e psicológicas que nos permitam experimentar apenas o prazer da vida. E prazer, para ele, é sobretudo ausência de dor.
      Que estratégias devemos adotar para isso?




Eliminação de certas crenças
    Uma das principais causas de angustia e infelicidade, segundo Epicuro, são as preocupações religiosas e as superstições. Ele se refere, aqui, ao temor que nos impõem certas crenças e religiões. Por exemplo, os gregos temiam muito ofender seus deses e serem terrivelmente punidos por eles. Também viviam sob o pavor de que forças divinas interferissem em suas vidas, mudando sua sorte ou tirando-lhes os seres queridos.
      Todo esse sofrimento poderia ser evitado, segundo o filósofo, se as pessoas compreendessem que o universo inteiro é constituído de matéria, inclusive a alma humana. Veriam que tudo o que acontece pode ser explicado pelos movimentos aleatórios dos átomos, que produz forças cegas e indiferentes ao destino humano. Aqui Epicuro segue a teoria atomista e mecanicista de outro filósofo grego, Demócrito (460-370 a.C.).

Atomista — relativo ao atomismo, doutrina filosófica segundo a qual toda a matéria é formada por átomos (partículas minúsculas, eternas e indivisíveis).
Mecanicista — relativo ao mecanicismo, conceito filosófico de que algo funciona de forma mecânica, isto é, como uma máquina, obedecendo a relações de causa e efeito.

      Mediante essa compreensão materialista do universo e do ser humano, Epicuro sustentava que as pessoas também se livrariam de outro grande fator d angústia e infelicidade: o medo da morte.

"Acostuma-te à ideia de que a morte para nós não é nada, visto que todo bem e todo mal residem nas sensações, e a morte é justamente a privação das sensações. A consciência clara de que a morte não significa nada para nós proporciona a fruição da vida efêmera, sem querer acrescenta-lhe tempo infinito e eliminando o desejo de imortalidade.
[...] quando estamos vivos, é a morte que não está presente; ao contrário, quando a morte está presente, nós é que não estamos." (Carta sobre a felicidade [a Meneceu], p. 27-28).


Eliminação ou moderação dos desejos
    Para que uma pessoa possa gozar a vida plenamente, Epicuro ainda preconiza outro passo? a eliminação de certos desejos e a moderação de outros. Quais seriam eles?
    Primeiramente, é preciso conhecer a classificação que o filósofo fazia dos desejos. Haveria três tipos:
naturais e necessários 
— como os desejos de comer, beber e dormir.
naturais e desnecessários — como os desejos de comer alimentos refinados, tomar bebidas especiais e caras e dormir em lençóis luxuosos etc.
não naturais e desnecessários — como os desejos de riqueza, fama e poder.
      Para Epicuro, quem espera muito sempre corre o risco de se decepcionar. Assim, ele recomendava que as pessoas eliminassem todos os desejos desnecessários e se permitissem apenas os naturais e necessários, e mesmo assim com moderação.

Jardim das delícias (c. 1510) — Hyeronimus Bosch.
Obra repleta de simbolismo que retrata a humanidade totalmente entregue aos prazeres sensoriais e carnais — agindo, portanto, de maneira contrária aos preceitos epicuristas.

      Contentar-se com pouco seria o segredo do prazer e da felicidade. Com a expectativa reduzida, não há decepção, e um grande prazer pode advir de um simples copo de água. Gozar o prazer eventual de um banquete ou de um cargo elevado não é proibido, mas não deveria ser desejado sempre, pois, mais cedo ou mais tarde, viriam a insatisfação, o desprazer, a infelicidade.


Prudência racional e ataraxia
    Se nem todos os prazeres contribuem para uma vida feliz, pode-se concluir que alguns prazeres são superiores a outros. É necessário, portanto, avaliar a ação de cada um deles e agir com prudência racional. Aqui o epicurismo aproxima-se da tendência geral da filosofia ética grega, isto é, seu lado racionalista.
      Vejamos alguns exemplos. Existem prazeres que são mais duradouros e que encantam o espírito, como a boa conversação, a contemplação das artes e a audição de música. Outros, porém, movidos pela explosão das paixões, podem ser muito intensos e imediatos e perder sua força com o passar do tempo.
      Portanto, para não seguir o caminho da infelicidade, é preciso escolher os prazeres de maneira racional. Essa escolha conduziria o indivíduo, segundo Epicuro, à autarquia, isto é, ao governo da própria vida, à não dependência de elementos externos. Pela autarquia, ascenderíamos à ataraxia — palavra de origem grega que designa o estado de imperturbabilidade da alma caracterizada pela indiferença total ao que ocorre no mundo. Esse seria o objetivo último, a felicidade suprema dos epicuristas.

Faça uma lista ampla e abrangente de seus desejos. Depois procure classificá-los de acordo com a divisão feita por Epicuro. Você acredita que, se seguisse os conselhos do filósofo, desenvolvendo o autocontrole de apenas desejas o que é natural e necessário, sofreria menos ou seria mais feliz?


Amor ao destino (estoicismo)
    Outra corrente filosófica que introduziu novas perspectivas no caminho da felicidade foi o estoicismo. Essa palavra deriva do grego stoá "pórtico" ou "galeria de colunas". Trata-se de uma referência ao local em que reunia os alunos e administrava suas aulas o primeiro filósofo dessa corrente, Zenão de Cício (c. 335-264 a.C.). Para o estoico, é feliz aquele que vive de acordo com a ordem cósmica, aceitando e amando o próprio destino nela inscrito. Vejamos como isso se explica.


Ordem cósmica
    Para compreender o método estoico para a condução de uma vida boa e feliz, é preciso entender primeiro um pouco de sua física ou cosmologia. O estoicismo concebe o universo como kósmos, "universo ordenado e harmonioso", composto de um princípio passivo (a matéria) e de um princípio ativo, racional, inteligente (o chamado logos), que permeia, anima e conecta todas as suas partes.
      Esse princípio ativo, ou inteligência universal 
— que os estoicos chamavam de Providência — regeria toda a realidade, equivalendo ao que se pode denominar Deus. Se o Deus estoico permeia tudo, isso significa que ele se encontra no mundo e se confunde com ele, com a natureza (no jargão da filosofia diz-se que Deus é imanente; o contrário desse termo é transcendente, isto é, que está separado do mundo e não se confunde com ele, como é o caso do Deus cristão).
      Em outras palavras, tudo o que existe e que acontece tem um objetivo e uma razão de ser, pois faz parte da inteligência universal e divina. Assim, tudo é necessário, ou seja, não pode ser diferente do que é. Nessa ordem cósmica, portanto, todos os eventos já estariam organicamente predeterminados, inclusive a vida de cada um 
— esta seria seu destino.
      Pela mesma razão, tudo o que acontece deve ser bom, pois é animado pelo bem contido nos princípios racionais que governam o universo (o que se denomina providência). O importante é a ordem do todo, da totalidade do universo. E o bem do todo deve ser melhor do que o bem individual.


Uso da vontade
    Com base nessa cosmologia, os estoicos entendiam que é impossível sermos felizes e se acreditarmos que felicidade é ter tudo o que desejamos (como geralmente se pensa). Basta que fracassemos em alcançar um desejo e nos tornamos infelizes.
      A esse respeito, ensinavam que há coisas que dependem de nós e há outras que não dependem de nós, ou só de nós. Depende de nós, por exemplo, elaborar um bom trabalho ou ser bom e generoso; não depende de nós (ou só de nós) ganhar na loteria ou conquistar o coração da pessoa amada.
      Então, se existe uma ordem cósmica predeterminada e se há coisas que não dependem de nós, só nos resta aproveitar uma brechinha de liberdade que o estoicismo nos deixa para garantir nossa felicidade. Trata-se da aplicação de uma faculdade que todos temos: a vontade. Ela nos permite querer ou não querer as coisas. Veja que nada pode me obrigar a querer o que não quero, ou a não querer o que quero. Podem me obrigar, por exemplo, a ir a uma festa, inclusive me levar à força até lá, mas não podem me fazer querer ir a essa festa.
      Portanto, segundo os estoicos, posso construir minha felicidade a partir dessa brechinha, usando minha vontade para querer apenas aquilo sobre o que tenho poder, que depende de mim e que me faz verdadeiramente feliz.

O Sol (1910-1915) — Edvard Munch. Para o estoicismo, é preciso viver conforme a ordem cósmica, contida na natureza e em cada um de nós.

Domínio sobre pensamentos e paixões
    Com base nesse raciocínio, os estoicos procuram orientar a conduta das pessoas estabelecendo a seguinte distinção entre as coisas:
boas — são aquelas que dependem de nós e que devemos querer buscar durante a vida se queremos ser felizes. Trata-se das virtudes, como ser prudente, justo, corajoso;
más — são as coisas que dependem de nós mas que, ao contrário, devemos evitar durante a vida se queremos ser felizes. Trata-se dos vícios e das paixões, como ser imprudente, injusto, covarde, guloso, raivoso;
indiferentes — são as que não dependem de nós e com as quais não devemos nos preocupar, sob pena de gerar infelicidade. É o caso da morte, do poder, da saúde ou doença, da riqueza ou pobreza, entre outras.
      A infelicidade ocorre, portanto, segundo os estoicos, quando não conduzimos corretamente nossos pensamentos e não evitamos as chamadas coisas más. Ou quando nos preocupamos com as tais coisas indiferentes (algo muito frequente), o que conduz à formulação de juízos errôneos ou opiniões equivocadas sobre os acontecimentos e o consequente despertar de paixões (isto é, de uma coisa má).
      Por esse raciocínio, podemos concluir que a paixão é o resultado do uso inadequado da razão, enquanto a virtude consiste na ação que se desenvolve conforme a razão (ou seja, conforme a natureza, pois a natureza é logos, razão).
      Assim, dominar as paixões é o objetivo principal da ética estoica. Para isso, o esforço em consolar os pensamentos será fundamental, pois é o pensamento equivocado que gera as condições para aflorar as paixões.
      Veja o conselho de um pensador estoico grego, Epiteto (55-135), que foi escravo em Roma durante a maior parte de sua vida.

"Lembre-te que não é nem aquele que te diz injúrias, nem aquele que te bate, quem te ultraja, mas sim a opinião que tens deles, e que te faz olhá-los como gente por quem és ultrajado. Quando alguém magoa ou te irrita, saiba que não é aquele homem que te irrita, mas sim tua opinião. Esforça-te, portanto, acima de tudo para não te deixar levar por tua imaginação." (Epiteto, Manuel. Citado em Bosch, A filosofia e a felicidade, p. 103).

      O sábio, portanto, seria aquele que pensa corretamente, de acordo com as exigência da razão universal (ou seja, conforme a natureza), controla seus pensamentos e evita as ilusões das paixões. Desse modo, atinge a apatia (eliminação de paixões) e a ataraxia (imperturbabilidade da alma). E quem é imperturbável não tem tristeza, e sem tristeza se é feliz.


Amor fati
    O domínio sobre os pensamentos e as paixões seria, portanto, a via negativa para atingir a felicidade. Diz-se "negativa" porque se dá pela negação das paixões, ou seja, pela negação das causas da infelicidade. Mas há também um percurso positivo, o do amor fati, expressão latina que significa "amor aos fatos, aos acontecimentos, ao próprio destino". Vejamos.
      Se tudo é animado pelos princípios racionais que governam o universo — os quais visam a ordem e o bem da totalidade —, tudo o que acontece e não depende de mim é necessário e bom. É o caso, por exemplo, da morte de um ente querido, que deve ser tomada como um acontecimento bom, no sentido de que faz parte da ordem universal.
      Por isso, para o estoicismo, uma pessoa não deve revoltar-se por ter nascido com uma deficiência física, ou porque é feia, pobre ou escrava. Isso não depende dela. Deve não apenas aceitar sua condição, mas também querer o que é, o que tem ou o que vive Deve, enfim, ter amor por seu destino (amor fati), que faz parte da totalidade. Somente então ela poderá ser feliz.


A autora dessa parábola é atribuída ao filósofo chinês Leh-tsé (c. 300 a.C.) que pertencia à escola filosófica taoista. Podemos perceber que sua mensagem guarda certa semelhança com aspectos da visão estoica a respeito dos acontecimentos e de como se conduz a pessoa sábia. Você concorda com essa afirmação?
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