Ele estava com 28 anos quando o mestre morreu; e aquele trágico fim de uma vida tranquila deixou sua marca em todas as fases do pensamento do discípulo. Aquilo o enchera de tamanho desprezo pela democracia, tamanho ódio das massas, que nem mesmo a sua linhagem e sua criação aristocráticas haviam despertado nele; levara-o a uma decisão catônica de que a democracia precisava ser destruída, para ser substituída pelo governo dos mais sábios e melhores. A preocupação de sua vida passou a ser a procura de um método pelo qual os mais sábios e melhores pudessem ser descobertos e, depois, habilitados e persuadidos a governar.
Entretanto, seus esforços para salvar Sócrates haviam feito com que ele se tornasse suspeito aos olhos dos líderes democráticos; seus amigos insistiam que Atenas não era segura para ele e que aquele era um momento admiravelmente propício para que ele corresse o mundo. E assim, naquele ano de 399 a.C., ele partiu. Para onde foi, não sabemos ao certo; há uma divertida disputa, entre as autoridades, quanto a cada volta de sua rota. Parece que, primeiro, foi para o Egito; e que ficou um tanto chocado ao ouvir, da classe clerical que governava aquela terra, que a Grécia era um país infante, sem tradições estabilizadoras ou uma cultura profunda e, portanto, ainda não podia ser levada a sério por aquelas enigmáticas "autoridades" do Nilo. Mas nada nos ensina tanto quanto um choque; a lembrança daquela casta culta, governando teocraticamente um estático povo agrícola, permaneceu viva no pensamento de Platão e representou seu papel quando ele escreveu a sua Utopia. E depois, lá seguiu ele para a Sicília e para a Itália; lá, entrou durante certo tempo para a escola ou a seita que o grande Pitágoras havia fundado; e uma vez mais sua mente sensível ficou marcada pela lembrança de um pequeno grupo isolado de homens com a finalidade de ter a sua erudição aproveitada e governar, vivendo uma vida simples, apesar do poder que possuía. Durante doze anos ele perambulou, bebendo avidamente sabedoria de todas as fontes, sentando-se em todos os santuários, saboreando cada credo. Há também quem diga que ele foi à Judeia, sendo influenciado, durante algum tempo, pela tradição dos profetas quase socialistas; e, até, que chegou às margens do Ganges e aprendeu as meditações místicas dos hindus. Não sabemos.
Voltou a Atenas em 387 a.C., um homem com quarenta anos de idade, preparado para a maturidade pela variedade de muitos povos e pela sabedoria de várias terras. Havia perdido um pouco dos ardentes entusiasmos da juventude, mas ganhara uma perspectiva de pensamento na qual todo extremo era considerado uma semi verdade, os diversos aspectos de cada problema fundindo-se numa justiça distributiva para cada faceta da verdade. Ele tinha conhecimento e tinha arte; por exceção, o filósofo e o poeta viviam numa só alma; e ele criou para si mesmo um meio de expressão no qual a beleza e a verdade poderiam encontrar espaço e trabalhar: o diálogo. Nunca antes, podemos acreditar, tinha a filosofia assumido tanto brilho; e, sem dúvida, nunca mais voltou a assumi-lo depois disso. Até mesmo traduzido, esse estilo brilha, cintila, salta e borbulha. "Platão" diz Shelley, um de seus admiradores, "exibe a rara união de uma lógica precisa e sutil com o entusiasmo pítio da poesia, fundido pelo esplendor e pela harmonia de seus períodos num irresistível fluxo de impressões musicais, que aceleram as persuasões como numa corrida desabalada" (Citado por Barker, Greek Political Theory, Londres, 1918, p. 5). Não fora por nada que o jovem filósofo começara como dramaturgo.
A dificuldade de compreender Platão está precisamente nessa embriagadora mescla de filosofia e poesia, de ciência e de arte; não é sempre que podemos dizer através de que personagem do diálogo o autor está falando, nem sob que forma; se ele está sendo literal ou se fala em metáforas, se está gracejando ou falando sério. Seu amor pela farsa, pela ironia e pelo mito nos deixa, às vezes, desorientados; quase que poderíamos dizer que ele não ensinava, exceto em parábolas. "Será que eu, como pessoa mais velha, devo me dirigir aos senhores, homens mais moços, em apólogos ou fábulas?", pergunta o seu Protágoras (Protágoras, 320). Esses Diálogos, segundo nos informam, foram escritos por Platão para o público leitor comum de sua época: pelo seu método coloquial, sua animada guerra de prós e contras, e seu desenvolvimento gradativo e repetição frequente de cada argumento importante, eles eram explicitamente adaptados (por obscuros que nos possam parecer agora) à compreensão do homem que deve saborear a filosofia como um luxo ocasional e que é obrigado, pela brevidade da vida, a ler como lê aquele que corre. Por isso, devemos estar preparados para encontrar nesses Diálogos muita coisa galhofeira e metafórica; muita coisa ininteligível, a não ser para os eruditos versados nas minúcias sociais e literárias da época de Platão; muita coisa que, hoje, irá parecer irrelevante e fantasiosa, mas que bem pode ter servido como o molho e o tempero com os quais um pesado prato de pensamentos se tornava digerível para mentes não acostumadas à dieta filosófica.
Confessemos, também, que Platão tem uma abundância suficiente das qualidades que ele condena. Ele invectiva contra poetas e mitos, e depois acrescenta um ao número de poetas e centenas ao número de mitos. Reclama dos padres (que andam de um lado para outro pregando o inferno e oferecendo a redenção em troca de uma remuneração ― A República, 364), mas ele próprio é um sacerdote, um teólogo, um pregador, um super-moralista, um Savonarola denunciando a arte e convidando as vaidades para o fogo. Ele reconhece, à maneira de Shakespeare, que "comparações são escorregadias" (O Sofista, 231), mas escorrega de uma para outra, e para outra e outra; condena os sofistas como contendores que se expressam com frases vazias, mas ele próprio não está acima de argumentar como um segundanista de faculdade. Faguet o parodia: "O todo é maior do que a parte? ― Claro. ― E a parte é menor do que o todo? ― E. ― ... Portanto, é evidente que os filósofos deviam governar o Estado? ― O que é isso? ― E evidente; vamos refletir" (Pour qu'on lise Platon, Paris, 1905, p. 4).
Mas isso é o pior que podemos dizer dele; e depois que dissermos, os Diálogos continuam sendo um dos inestimáveis tesouros do mundo (Os Diálogos mais importantes são: Apologia de Sócrates, Críton, Fédon, O Banquete, Fedro, Górgias, Parmênides e O Estadista. As partes mais importantes de A República [as referências são às seções numeradas à margem, não às páginas] são 327-32, 336-77, 384-5, 392-426, 433-5, 441-76, 481-3, 512-20, 572-95. A melhor edição é a de Jowett; a mais acessível está na série Everyman. As referências são A República, salvo indicação em cotrário). O melhor deles, A República, é um tratado completo, Platão reduzido a um livro; nele encontraremos a sua metafísica, sua teologia, sua ética, sua psicologia, sua pedagogia, sua política, sua teoria da arte. Nele encontraremos problemas exalado modernidade e sabor contemporâneo: comunismo e socialismo, feminismo, o controle de natalidade e eugenia, problemas nietzschianos de moralidade e aristocracia, problemas rousseaunianos de retorno à natureza e educação indeterminista, elan vital bergsoniano e psicanálise freudiana ― está tudo ali. É um banquete para a elite, servido por um anfitrião generoso.
"Platão é a filosofia, e a filosofia é Platão", diz Emerson; e dedica a A República as palavras de Ornar sobre o Alcorão: "Queimem as bibliotecas, pois o valor delas está neste livro." (Representative Men, p. 41).
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